Carta ao Zanin – sobre sua vaga no STF
Peço, por gentileza: caso venhas compor o STF, não permitas que morra nosso esperançar
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Prezado Dr. Zanin, como vai?
Então! Tudo indica que você será mesmo o próximo ministro do STF. Não vou mentir: sonhei muito que esta vaga fosse reservada, ou a um jurista indígena (como potência revolucionária aos novos tempos de decolonização do Brasil), ou a alguma jurista da corrente do Direito Achado na Rua (creio que você conheça esse coletivo que brotou dos auspícios do grande Roberto Lyra Filho, na UnB). Contudo, Lula, ao que tudo indica, indicará você, que é um grande sujeito, inegavelmente. Mas...
Esclareço o “mas” com um pedido especial que quero lhe fazer para tão logo assumas a cadeira na Suprema Corte do Brasil.
Sempre escuto dos doutos ministros do STF expressões como: “sigo as leis e não a tendências políticas”. As duas dimensões neste excerto não são oportunas, ou são falaciosas.
A primeira: apenas seguir leis é mera ideologia positivista. Além de uma ignorância doutrinal, é também uma sub-verdade à função judicante e ao controle de constitucionalidade. Afinal, interpretar a Constituição de um país, condição precípua das cortes supremas, é antes de tudo validar o sentido temporal-circunstancial do pêndulo dos princípios. Melhor dizendo: que peso tem tal princípio em um caso concreto no fluxo do julgado(?). A segunda é inverdade. Ministros são humanos e são carregados de semiologias morais e escopos ideológicos. E isso é política (e é legítimo). Contudo, fazem também a política – com “p” convencional – o tempo inteiro. Seu cosmos é político; o ar que respiram transpira política. Portanto, é mera retórica uma fala rebuscada com este tipo de acepção. Você não será diferente, Zanin. Ninguém o é quando mergulha em tal missão institucional. Decidirá à luz – também – da política. Mas qual?...
O problema não está no saber a letra da lei. Tampouco, os protocolos dos “bailes” nos salões nobres da cortesia e cortejar a ninfa (a lei) para uma dança. O problema é o alvo da justiça.
O notório saber jurídico e a reputação ilibada formalizam esse desfile das togas. Contudo, é o “faismirrir” para a sociedade (e falo: a sociedade mesmo; isto é, os cidadãos do cotidiano das não-hegemonias ou castas dominantes) quanto aos julgados, todos os julgados (mesmo aqueles que nem “parecem” ter relação com os administrados das favelas, dos interiores, das florestas etc.) que concretamente interessa. A saber, a retórica e eruditismo jurisdicional nada resolve em si mesmo para a vida dos mais pobres (opa!, um tribunal não olha para segmentos ou rostos, mas para a letra da lei – e dane-se!). O Direito necessita funcionar como uma tecnologia social em que tão mais que apenas ter os clássicos a circular na corrente sanguínea (Kelsen, Kant, Bobbio, Hobbes, Reale etc.), é essencial atribuir legitimidade humanista e emancipatória ao evento jurisdicional.
Não é a plêiade de doutrinas e normas na ponta da língua que faz o magistrado ser magistral. É o caráter de sua decisão ao sujeito finalístico. Ou seja: cumprir o protocolo da função jurisdicional e ter os holofotes do poder no ofuscar os olhos, apenas garantirão o seu nome nos anais. Entretanto, o que produz justiça de fato é nadar contra a corrente-za (jusnaturalista, juspositivista e, ouso, jusmercantilista) para desafiar a dialética jurídica e decolonizar o sistema de justiça, neste caso, o brasileiro, que teima em se ilhar da vida corriqueira (e sofrimento) da esmagadora maioria da população brasileira.
Portanto, pergunto a você, Zanin: queres uma cadeira no STF para ter poder e status, ou ser mais um intelectual que arrota o erudito das normas e das teoréticas, ou queres de fato fazer justiça – e mudar a realidade turva do Brasil? Se a resposta para a pergunta for sua escolha pela segunda dimensão, seja o primeiro ministro do Supremo a citar – e praticar em todos, sim: todos os julgamentos – a gramática dos Direitos Humanos. Direitos Humanos, como um meta-princípio, cabe em todo decisum. Isto por si somente já o colocará com um busto inédito na história da Corte e do País.
Parece tola, ingênua, ou descabida minha fala, contudo, avalie uma situação hipotética – que olhada por moucas percepções, dirão que nada tem a ver com uma quebradeira de coco do Maranhão, ou um quilombola da Chapada dos Veadeiros. Digamos que chegue até você o julgamento, por qualquer estrada do contencioso (penal, trabalhista, tributária, outra) relacionado às empresas subsidiárias ou empresários donos das Americanas. Os caras moeram o sistema de varejo no Brasil. Vidas, diretas e indiretas, estão sendo perdidas. Sonhos, projetos de pequenos e médios comerciantes, e empregos foram jogados no esgoto fétido da ganância deste sistema de mercado que sequestra as influências institucionais e estruturais do País. Como você os julgará? Qual será a sua lupa ao Direito? Olharás apenas para a letra fria da lei e as jurisprudências de maiorias aritméticas do Pleno, ou para o peso dos princípios que moram nas entrelinhas do dever-fazer da Justiça?
Destarte, se a sua escolha principiológica da largada for os Direitos Humanos, provavelmente seu ministério judicante finalmente dará ao sistema de justiça o caráter verdadeiro de ser parte efetiva da tripartição dos poderes da República – que no derradeiro da teoria somente existe pelo povo e para o povo (aliás, com o povo). Portanto, ajustará – na interpretação das normas – o entendimento que, de fato, produzirá a repercussão geral a servir a sociedade e seus vulnerabilizados.
Lembre-se, Zanin: a colonização é primeiro na nossa mentalidade.
Peço, por gentileza: caso venhas compor o STF, não permitas que morra nosso esperançar. Torceremos a que mantenhas a coragem de decolonizar (descortejar) a Corte Suprema tantas vezes simuladora de justiça a fim de que, constantemente, seja produzida justiça de fato lá na ponta (ou na margem) da sociedade.
Muitas vitórias (em lato sentido) no seu caminhar...
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