Carta à minha mãe que mora na Bahia
"Tenho saudades de não poder lhe pedir a benção todos os dias ao acordar, de irmos juntos catar umbu naquele pé que fica na roça do vizinho"
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Alô mãe, deixa eu te falar. A coisa aqui não tá nada fácil, e diferente do que meus primos diziam, aqui não tem emprego para todos que chegam de todo o Brasil na cidade de São Paulo. Na verdade, mãe, tem algumas vagas de garçons, outras de vigia e porteiro de prédios. Ou seja, eles acham que todo Nordestino é gente "de classe inferior". As oportunidades aqui são muito poucas e já me dá vontade de voltar para casa.
Mãe, me lembro dos dias que a senhora ia aos sábados para a feira livre vender as galinhas só para apurar um dinheiro e comprar uma mistura para a família. Tenho saudades de não poder lhe pedir a benção todos os dias ao acordar, de irmos juntos catar umbu naquele pé que fica na roça do vizinho. Me falta ao som da sua voz pertinho de mim.
Aqui faz um frio da miséra, tem dias que tenho preguiça de me levantar para sair na busca de trabalho. Por falar nisso, ontem estive no centro da cidade para tentar um com os chineses na 25 de março. Mãe, tem mais gente dos olhos apertados por aqui que gente da Bahia. Passei umas horas andando de um lado para outro e ouvindo aquele povo falando, eu não entendi nada, mas achei interessante ouvir aqueles sotaques. E o interessante, não vi um paulista. Vi muita bajulação. Percebi que com os Nordestinos a coisa é diferente. Tem sempre uma piada para cada um de nós.
Tem dias mãe, que me bate uma tristeza muito grande e entro no quarto onde moro atualmente nos fundos da casa do meu Tio e choro muito. Aqui não adianta nada eu ter estudado e me formado, se não tiver o famoso QI, aquele Quem Indica, acredito que vou demorar muito a encontrar trabalho, ou vou ter que pegar os de porteiro que me oferecem. A coisa tá complicada aqui.
Já tive algumas discussões com uns paulistas folgados. Esses se acham superiores a nós, os Nordestinos, e quando pergunto no que eles são formados, ficam olhando com cara de que não estão entendendo nada. Mãe, vou terminar por hoje, lhe escrevo na próxima semana com mais informações daqui da terra da garoa.
Sem mais para o momento,
Seu Filho.
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