Carlinhos Oliveira: 'Dormi tarde, bebi muito'

José Carlos Oliveira foi o cronista mais influente do Brasil durante 23 anos



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Rio - Eu era um leitor assíduo do ‘Jornal do Brasil’. Guardo até hoje a minha coleção de velhos exemplares. Poucos. Relendo alguns, encontrei, na edição de 14 de abril de 1986, um texto sobre o cronista e boêmio Carlinhos de Oliveira, que tinha acabado de falecer.

José Carlos Oliveira foi o cronista mais influente do Brasil durante 23 anos. Entre 1961 e 1984, quatro vezes por semana, a sua coluna no “Jornal do Brasil” era leitura obrigatória. Eram tempos em que ler jornais e revistas eram momentos inebriantes, cultos, inesquecíveis.

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Eu, invariavelmente, começava a ler o JB pela crônica do escritor Carlinhos Oliveira  - sem o ‘de’ que ele detestava -, um dos meus preferidos. 

Nascido em Vitória (ES), Carlinhos era um daqueles cariocas da gema nascidos fora do Rio. O cronista chegou ao Rio em meados dos anos 50 e logo começou a se destacar na revista ‘Manchete’. Trabalhou também no ‘Jornal do Brasil', no ‘Pasquim’ e no ‘Zero Hora’ de Porto Alegre, entre outros. Como escritor, escreveu cerca de vinte livros, entre romances e crônicas. Seu romance ‘Terror e Êxtase’ foi adaptado para o cinema em 1979,  dirigido por Antônio Calmon.

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Com 1,58 metro (apenas dois dedos maior que Napoleão Bonaparte, como se auto definia) e 53 quilos de jornalismo e boemia, era frequentador dos melhores botecos da Zona Sul do Rio. Carlinhos afirmava que poderia escrever um romance autobiográfico de 500 páginas começando, capítulo por capítulo, da mesma maneira: "Ontem dormi tarde, bebi muito". 

Irrequieto, ferino e irreverente, Carlinhos Oliveira ganhou fama como cronista, mas jamais abandonou seu sonho de ser um grande escritor, à altura de seus ídolos – os americanos William Faulkner e Edgar Allan Poe e o francês Charles Baudelaire.

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O sonho de escrever um grande romance sempre perseguiu o cronista. Ele viveu intensamente em função do seu projeto pessoal. Acreditava que só um grande romance colocaria seu nome entre os grandes da literatura. 

Como cronista, tinha uma pegada mais de jornalista. Em 1952, com apenas 18 anos,  já praticava o que só na década seguinte, nos Estados Unidos, seria denominado new journalism, ou jornalismo literário. 

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Carlinhos era um contador de histórias, verdadeiras ou inventadas. Contava uma história muito engraçada que aconteceu, segundo ele, na ‘La Fiorentina’: Era um assalto ao bar. Todos foram trancados no banheiro, a certa altura Carlinhos colocou a cabeça pra fora e gritou: “Seu ladrão! Rasga as notas assinadas no caixa! Os penduras! Rasga os Penduras! Mesmo que essa história seja mais uma lenda creditada a mente enlouquecida do cronista , eu fico com a lenda. 

Em 1968, quando Fortuna coordenou a edição do livro ‘Dez em Humor’ - que reunia, além de Carlinhos Oliveira, Claudius, Henfil, Jaguar, Leon Eliachar, Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, Vagn, Zélio e Ziraldo -, Carlinhos foi escalado para escrever o prefácio e os perfis dos autores, que deveriam ser curtos e objetivos.

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Carlinhos instalou sua Olivetti na mesa do Antonio 's, bar da moda no Leblon, e escreveu o texto numa tarde, o resultado é uma obra-prima da anarquia e da síntese. 

Sobre o Fortuna escreveu:

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“Reginaldo (seu nome de batismo) vai acabar presidente da Associação Brasileira de Humoristas, essa república de sorriso dúbio, mais enigmático que a Gioconda. Quanto ao Fortuna propriamente dito, isto é, o Carnê Fortuna, eu ia inventar uma piada (eu, quer dizer, Carlinhos Oliveira, autor dessas biografias simplificadas, pai de Sheila de Oliveira, filho de Sheila de Oliveira, irmão da mesma, e assim por diante), quanto a – quem? Bom, quanto a Fortuna, se tivesse nascido pobre, teria sido uma excelente Sheila de Oliveira.”

A turma do ‘Pasquim’ se reunia no 'Antonio' s. Apesar do epiteto de “escritor maldito”, colado nele pelo jornalista João Antônio, e embora estivesse em todas as mesas em que a turma do ‘Pasquim’ se reunia em torno de um litro de uísque, Carlinhos, não participou diretamente do ‘Pasquim’. O jornalista não aderiu à nova moda linguística da turma, continuando a escrever no português clássico e elegante. 

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Quando a patota do Pasquim foi presa, a jornalista Martha Alencar, mulher do ator e diretor Hugo Carvana, foi para o ‘Antonio’s’ e mobilizou a resistência. De lá, convocou amigos e conhecidos para colaborar para que o hebdomadário continuasse circulando, entre eles Carlinhos de Oliveira.

Carlinhos escreveu na 'Zero Hora', de Porto Alegre, entre 1966, 1967. Nas férias, era substituído por Carlos Nobre, que escrevia uma coluna de humor. Em 1967, estando Nobre com problemas para cobrir as férias do titular,  o editor escalou Luis Fernando Verissimo,  um jovem redator estreante.  

O gaúcho agradou tanto aos leitores que foi efetivado na coluna. Carlinhos não voltou mais à 'Zero Hora'. A ligação de Carlinhos com o Rio Grande não ficou só na coluna na 'ZH'. Carlinhos, foi casado com as gaúchas Maria Carvalho Duhá, a Cotinha, Conceição Mendes Rocha, a Tita,  e com Ana Luísa Job.

Jaguar lembra que, numa tarde no Antônio’s, o escritor Dias Gomes, se lamentava, sobre a censura a sua telenovela ‘Roque Santeiro’, na ‘Rede Globo’.  

Ao ouvir os lamentos do autor, Carlinhos mandou: “Deixa para lá, Dias: você não é o maior dramaturgo nem na sua casa”. Dias Gomes era casado com Janete Clair, a escritora de maior sucesso na dramaturgia global, na época. 

Carlinhos era assim, na lata. Dias Gomes nunca o perdoou.

Em 1979, durante uma viagem a Paris, uma crise gástrica violentíssima quase o matou. Ele se salvou. Mas voltou ao Brasil proibido de sequer passar diante de uma garrafa de bebida alcoólica. 

Em 1984, Carlinhos descobriu que a doença se agravara e que lhe restava pouco tempo de vida. No dia 13 de abril de 1986, um domingo, Carlinhos Oliveira faleceu, aos 52 anos, de pancreatite, no Hospital da Associação dos Funcionários Públicos do Espírito Santo, em Vitória.

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