Capitalismo financeiro: em 4 anos, o Hortifruti rendeu cerca de 10 vezes aos investidores!
Roberto Moraes trata de "exemplo de como os investidores em fundos de investimentos auferem rendimentos de curto prazo, em negócios em que o capital entra e se imbrica à economia real realiza seus lucros, com baixíssimos riscos e, em curto prazo, sai levando para o andar superior das finanças, os excedentes econômicos gerados por uma atividade econômica presente no território"
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O caso da compra que a Lojas Americana (grupo B2W) faz da rede de varejo Hortifruti é interessante para se entender o processo de capitalização dentro do fenômeno maior da financeirização. A partir dele é possível compreender de maneira razoavelmente simples e sintética como o capital financeiro se imbrica à economia real para dela extrair valor e recolher excedentes.
Há três anos publiquei no blog - e depois no livro "A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo" - o fato da então rede capixaba de venda de hortifrutigranjeiros, nascida em Colatina no ano de 1989, para comercializar a produção da agricultura familiar ter sido vendida (primeiro em 40%) para o fundo grupo Bozzano Investimentos (derivado do Banco Bozzano Simonsen). [1] [2]
A seguir essa participação acionária foi repassada ao fundo financeiro suíço Partners Group Holding que, em 2017, integralizou a compra da rede que até aqui compunha um carteira de ativos no valor de US$ 150 bilhões. [3]
Nesse período de quatro anos, a Rede Hortifruti no Brasil saiu de 45 para 73 pontos de comércio com lojas no ERJ, SP e ES, passando a ser a maior rede de varejos de frutas, legumes e verduras do país.
O valor da venda do controle acionário da rede Hortifruti em 2017 para o fundo suíço não chegou a ser divulgado, mas estimou-se à época que se deu na casa entre uma e duas centenas de milhões de reais.
Pois bem, agora em 2021, as Lojas Americanas (LA) - que é parte da B2W, que atua no varejo e e-commerce no Brasil junto da Submarino, Shoptime e Sou Barato, com cerca de 2 mil lojas físicas, 20 CDs (Centros de Distribuição) instalados em 8 estados e 20 milhões de clientes ativos -, pagou cerca de R$ 2,1 bilhões com um lucro de aproximadamente 10 vezes o valor investido há apenas quatro anos. [4]
O fundo financeiro suíço Partners Group Holding vinha preparando o IPO (lançamento de ações) da rede Hortifruti, assessorada pelo Bozzano Investimentos, quando fechou o acordo com as Lojas Americanas para a venda total dos ativos por R$ 2,1 bilhões. [5]
O caso é um exemplo claro de como os investidores em fundos de investimentos auferem rendimentos de curto prazo, em negócios em que o capital entra e se imbrica à economia real (comércio varejista e e-commerce) realiza seus lucros, com baixíssimos riscos e, em curto prazo, sai levando para o andar superior das finanças, os excedentes econômicos gerados por uma atividade econômica presente no território.
Trata-se de um processo e uma estratégia em que a extração de valor é realizada na base da pirâmide do capital, onde acontece a produção material, a exploração do trabalho e o ciclo de reprodução social. Veja ao lado infográfico da Pirâmide do Movimento do Capital (Figura 4, p.46, PESSANHA, 2019) [2]
Tem-se aí, aquilo que tenho chamado de um "duplo movimento entre valorização e capitalização", em que os instrumentos dos fundos financeiros servem a este recolhimento de excedentes da produção material nas economias regionais, para levá-lo após estratégias duplas ao andar superior das finanças e também permite que os dinheiros destes rendimentos venham a ser transferidos para processos semelhantes em outros setores (frações do capital).
Os fundos financeiros na prática atuam como uma forma ainda mais perversa de "intermediação financeira" - comparado aos bancos tradicionais - extraindo renda e ainda mais valor do trabalho em vários setores da cadeia. [6]
Os fundos financeiros conferem uma hipermobilidade ao capital (setorial e espacial) tanto no processo de valorização quando de capitalização numa lógica do "capitalismo da gestão de ativos" que se vive no presente e ainda e muito pouco percebido.
Ganham os investidores e perdem as economias regionais, de onde a riqueza é extraída e os trabalhadores que atuam em toda a cadeia desde a produção agrícola, a logística de distribuição e comércio nas lojas, na medida em que as margens de lucro e rentabilidades oferecidas pelo negócio dependem do trabalho, cada vez mais sem direitos e precarizadas, naquilo que temos chamado de deslocamento do Modo de Produção Capitalista.
Referências:
[1] Postagem no blog em 6 de nov. 2018. Fundos financeiros agora também nos hortifrutis: seu avanço e mobilidade estão moldando o capitalismo contemporâneo e o modus de vida das pessoas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/11/fundos-financeiros-agora-tambem-nos.html
[2] PESSANHA, Roberto Moraes. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.
[3] Potal do Partners Group Holding AG: https://www.partnersgroup.com/en/
[4] Matéria de O Globo em 14 de maio de 2021. Coluna Capital. Na fila para estrear na B3, Hortifruti inaugura loja conceito no Rio, após reforma de R$ 6 milhões. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/na-fila-para-estrear-na-b3-hortifruti-inaugura-loja-conceito-no-rio-apos-reforma-de-r-6-milhoes.html
[5] Matéria do Estadão em 11 ago. 2021. Americanas compra o hortifrúti Natural da Terra por R$ 2,1 bilhões. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,americanas-compra-a-rede-de-hortifruti-natural-da-terra-por-r-2-1-bilhoes,70003808000
[6] PESSANHA, Roberto Moraes. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Revista Espaço e Economia. Ano X, Nº 21. 2021. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705
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