Cameli ampliará devastação da Amazônia se “rondonizar” o Acre
O novo governador do Acre, o engenheiro Gladson Cameli (PP), viajou a Rondônia no fim de semana para começar a executar a pauta número um de seu governo, que é transformar sua terra natal em mais uma grande paraíso do agronegócio brasileiro, com gigantescos tapetes verdes de plantação de soja e outros grãos
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O novo governador do Acre, o engenheiro Gladson Cameli (PP), escolheu como primeiro grande compromisso oficial fora do estado viajar no último final de semana à Rondônia para começar a executar a pauta número um de seu governo, que é transformar sua terra natal em mais uma grande paraíso do agronegócio brasileiro, com gigantescos tapetes verdes de plantação de soja e outros grãos.
Na agenda de viagem do governador, constaram encontros com a classe política e ruralista e com oito grandes investidores de agronegócios do estado vizinho, que já manifestaram o desejo de comprar terras no Acre para ampliar ainda mais as grandes riquezas que já acumulam à custa de muitas tragédias sociais e ambientais.
Determinado, o governador não se importa se a sua desejada monocultura de soja significa botar abaixo, como vem ocorrendo há décadas em Rondônia e em outros estados amazônicos, mais um grande pedaço da maior, mais rica e mais bonita florestal tropical do planeta, que vem dando muito bem de comer e beber, há séculos, os milhares de habitantes tradicionais do estado, como índios, extrativistas, ribeirinhos e outros.
Levando a soja para substituir a floresta, como ocorreu em Rondônia, Cameli estará cometendo um grave erro tanto do ponto de vista econômico quanto social e ambiental. Isto porque, em pé, já está provado por estudiosos do assunto que a floresta amazônica rende muitas vezes mais do que a soja, a pecuária ou qualquer outro empreendimento econômico.
No artigo "O valor da Amazônia", publicado este mês no jornal Folha de São Paulo, Joaquim Francisco de Carvalho, Doutor em energia pela USP e ex-presidente do IBDF, revela que enquanto um hectare rende R$ 100,00 por ano com a pecuária e entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00 com o plantio de soja, esse mesmo hectare pode render mais de R$ 3.500,00 com a floresta em pé.
O rendimento do hectare florestal vem de seus chamados serviços ambientais, que contemplam a regulação do clima, a oferta natural de água, a manutenção da fertilidade dos solos e a polinização das culturas, entre outros benefícios. Agregado aos R$ 3.500,00, outros recursos, ainda não dimensionados, podem ser gerados pelo hectare florestal caso também seja explorado pelo turismo ecológico e pela extração de matérias-primas usadas no artesanato e nas indústrias farmacêuticas e de cosméticos.
Entre os grandes empreendedores, Gladson Cameli, que é filho do maior empreiteiro do vizinho Amazonas, já lambe os beiços com a perspectiva de atrair, logo de cara, grupos gigantes como o Amaggi, da empresa da família do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, uma das maiores líderes do agronegócio na América Latina, com atuação em sete países, o que a torna uma das maiores plantadores mundiais de soja.
Tal grupo já manifestou interesse de comprar, logo de saída, nada menos que 20 mil hectares de terras acreanas. Cameli tem jurado que o agronegócio será executado em áreas abertas do estado, mas como é aliado de primeira hora do governo Bolsonaro, que quer produzir até em áreas indígenas, seu juramento pode ir para o espaço a qualquer hora.
Mais conflitos de terra na região da grande floresta
Anunciado pela mídia acreana como processo de "rondonização" do Acre, o plano de Cameli pode até levar mais recursos financeiros para o estado, mas também levará os piores indicadores que se terá notícia na história do Brasil em termos de conflitos agrários, com dimensões que podem ser ainda maiores dos que os ocorridos em Rondônia, Mato Grosso e Pará.
Um inferno, aliás, que vai se juntar à crescente ação das facções criminosas do Centro-Sul, que chegaram recentemente ao Acre causando pânico à população em busca da cocaína produzida abundantemente pelos vizinhos Peru e Bolívia - dois dos três maiores produtores mundiais da droga – que cruza facilmente as duas fronteiras totalmente desguarnecidas do estado com os dois países.
No plano fundiário, os conflitos serão iminentes na medida em que a substituição da floresta pelo agronegócio totalmente mecanizado da soja, que gera bem menos empregos do que outras atividades econômicas, pode repetir no Acre uma guerra social até mais grave do que a que se deu no estado nas décadas de 70 e 80, quando a febre da pecuária originária do Centro-Sul quis transformar toda a sua grande floresta, de 16,4 milhões de hectares á época, num grande pasto de boi.
O fato é que o desejo de Gladson Cameli em priorizar apenas o agronegócio já está deixando inquietas centenas de lideranças dos pequenos trabalhadores do campo e da floresta do Acre, inclusive os índios, que já estão em pé de guerra com o seu governo, que não sinalizou nada até aqui sobre o que pretende fazer em favor dos chamados povos da floresta.
Organizadas e bem relacionadas com entidades nacionais e internacionais ligadas ao setor florestal, as lideranças dos povos tradicionais acreanos já sabem o quanto custou para a população rural de Rondônia o tão propalado sucesso do seu agronegócio.
As estatísticas mostram que, entre janeiro de 2015 e setembro de 2017, Rondônia foi o estado mais violento da Amazônia, com 56 assassinatos de índios, extrativistas e pequenos agricultores em conflitos agrários com o agronegócio, segundo consta no Atlas de Conflitos na Amazônia, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Além disso, com desmatamento da ordem de 131 mil hectares, representando 16,6% de toda a devastação amazônica ocorrida entre agosto de 2017 e julho de 2018, Rondônia foi o terceiro estado que mais derrubou árvores na região, segundo os dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A Rondônia que o governador Cameli quer copiar para o Acre também foi responsável pela quinta maior emissão de gases de efeito estufa no Brasil, segundo levantamento divulgado em 21 de novembro de 2018 pelo Observatório do Clima. A emissão de gás carbônico pela pecuária, a agricultura de grãos e a mineração na Amazônia já vem contribuindo há vários anos com parte significativa do desequilíbrio climático do Brasil, da América do Sul e de todo o planeta, por ser sua última grande floresta tropical.
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