Bye, bye, Pinochet!
"Tanto tempo depois, Allende se vinga de Pinochet, a democracia se vinga da ditadura", diz o jornalista Emir Sader sobre a vitória eleitoral da esquerda nas eleições chilenas
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Foi um longo processo desde o fim da ditadura de Pinochet até estas eleições. Foi uma longa transição, que restabeleceu a democracia política no Chile, mas manteve a constituição imposta em pleno estado de sítio – mesmo modificando-a em vários aspectos – e a política econômica neoliberal.
Uma coalizão entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã foi a responsável por essa longa transição – iniciada em 1990 e concluída agora, mais de trinta anos depois. Até que, em 2019, uma série de manifestações populares nunca vistas no Chile, iniciada com protesto contra o aumento do preço dos tíquetes do metrô, sacudiu a aparente tranquilidade da vida chilena.
Iniciado com essa reivindicação, o movimento popular desembocou na convocação de uma consulta que aprovou o chamado a uma Assembleia Constituinte, com paridade de gênero e representação dos povos indígenas. Foram agora eleitos os 155 parlamentares, que elaborarão a nova constituição chilena, que será submetida a um referendo da população, no primeiro semestre de 2022.
Os resultados estiveram à altura do terremoto das mobilizações de 2019, que só se detiveram pela chegada da pandemia.
Primeiro resultado: derrota da direita. A frente que agrupou a todos os partidos de direita, teve menos de 1/3 dos votos, a pior votação que jamais teve. Um resultado coerente com o apoio de menos de 10% de apoio do presidente Sebastián Piñera, derrota ele também.
O segundo foi a baixa votação da centro-esquerda, a aliança entre os socialistas e os democratas cristãos. Ficou em terceiro lugar, terminando com a polarização entre eles e a direita chilena.
A grande novidade, produto direto daquelas grandes manifestações, foi a votação tanto da nova esquerda, expressa em partidos e frentes novas de partidos – a Frente Ampla, considerada a grande vitoriosa, quanto a votação do Partido Comunista e, principalmente, a votação dos independentes, que puderam se lançar como candidatos individuais.
No seu conjunto, as forças progressistas terão cerca de 70% dos representantes da Assembleia Constituinte. Finalmente, o Chile poderá livrar-se da velha constituição pinochetista e do modelo econômico neoliberal. O fantasma do Pinochet finalmente será totalmente exorcizado.
Foram eleitos também, pela primeira vez pelo voto direto, governadores e prefeitos de todos os lugares do Chile.
Já não bastasse todas essas emoções, o Chile terá eleições presidenciais em outubro deste ano. Em um clima ditado pelas grandes mobilizações populares e pelos debates de fundo da Assembleia Constituinte. Certamente haverá um candidato da direita, um da aliança de centro-esquerda. No campo da nova esquerda, há pré-candidatos da Frente Ampla e do Partido Comunista. Eles discutem se manterão as duas candidaturas ou se farão uma consulta no conjunto da esquerda, para decidir por um candidato único.
Em qualquer dos dois casos, pela primeira vez o Chile poderá ter um presidente que não seja nem da direita, nem da centro-esquerda. Nestas duas últimas possibilidades, muito provavelmente no caso do centro-esquerda e certamente no caso da nova esquerda, o novo governo chileno se somará ao grupo de governos antineoliberais e progressistas da América Latina, que conta hoje com o México, a Argentina, a Bolívia e pode contar, a partir do próximo ano, também com o Brasil.
O Chile que sair de todo esse processo será um novo país, depois de uma nova constituição, que segue as orientações propostas por Salvador Allende: “Que o povo pela primeira vez entenda que não é desde cima, mas desde as próprias raízes da sua convicção, que deve nascer a Carta Fundamental que lhe dará existência como povo digno, independente e soberano.” Tanto tempo depois, Allende se vinga de Pinochet, a democracia se vinga da ditadura.
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