Breves observações sobre experiências internacionais de tetos de gastos

Os poucos países que adotaram, em algum momento, um congelamento das despesas primárias, estabeleceram um processo bem diferente do brasileiro

Brasília- DF 24-10-2016 Manifestação de estudantes contra a PEC 241 na esplanada dos minitérios. Foto Lula Marques/Agência PT
Brasília- DF 24-10-2016 Manifestação de estudantes contra a PEC 241 na esplanada dos minitérios. Foto Lula Marques/Agência PT (Foto: Marcelo Zero)


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I. Os que defendem a PEC 241 (PEC 55, no Senado), que congela os investimentos governamentais por 20 anos, costumam dizer que a experiência brasileira tem precedentes exitosos, os quais confirmariam a racionalidade e a justeza dessa decisão do governo golpista.

II. O relator da PEC na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, argumenta, em seu relatório pela aprovação, que: Todos os países que adotaram essa sistemática recuperaram sua economia. A Holanda, por exemplo, adotou limites em 1994, conseguiu reduzir a relação dívida/PIB de 77,7% para 46,8% e enxugou as despesas com juros de 10,7% para 4,8% do PIB. Ao mesmo tempo, o desemprego caiu de 6,8% para 3,2%."

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III. Alguns economistas também usam esse argumento da "experiência internacional" para tentar justificar uma sistemática que não tem paralelo no mundo.

IV. Na realidade, a experiência internacional mostra o contrário. Os poucos países que adotaram, em algum momento, um congelamento das despesas primárias, estabeleceram um processo bem diferente do brasileiro.

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V. Com efeito, um "paper" do FMI, de 2015, intitulado Expenditure Rule: Effective Tools for Sound Fiscal Policy? traça um cenário abrangente das regras sobre gastos governamentais, que desmente cabalmente essa tese do governo.

VI. O paper do FMI se debruça sobre as experiências que 29 países adotaram relativas a regras sobre controle de gastos públicos, no período de 1985 a 2013. Nesse estudo, foram identificadas 33 regras diferentes de controle de gastos. Segundo a publicação do FMI, em 2015 apenas 23 países ainda as adotavam.

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VII. Trata-se de regras bem diferentes. Alguns países adotaram limites dos gastos públicos como proporção do PIB. Outros adotaram limites fixos para o crescimento real dos gastos públicos. Outros ainda implantaram limites de crescimento real dos gastos públicos apenas quando houvesse déficits primários. Diga-se de passagem, o Brasil foi incluído no paper, pois a Lei de Responsabilidade Fiscal também dita regras sobre gastos públicos.

VIII. Pois bem, segundo a apreciação feita pelo FMI, baseada em vários estudos empíricos diferentes, apenas cinco países adotam ou adotaram, em algum momento, um teto específico de despesas primárias: o Canadá (entre 1992 e 1996), a Finlândia (a partir de 2003, ainda em vigor), Japão (2007-2009 e a partir de 2011, ainda em vigor), Holanda (a partir de 1994, ainda em vigor, mas com várias mudanças) e Suécia (desde 1997, mas com várias mudanças também).

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IX. Portanto, conforme o FMI, hoje em dia somente quatro países adotam um teto específico e invariável de gastos públicos.

X. Entretanto, as semelhanças com a proposta do governo golpista param por aí. Os processos estabelecidos nesses quatro países diferem muito da sistemática prevista na PEC 241 (PEC 55, no Senado).

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XI. Uma síntese dessas grandes diferenças pode ser vista na tabela da página seguinte.

Tabela Comparativa de Tetos de Gastos

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XII. Como se observa, as diferenças em relação à proposta da PEC 241 (PEC 55, no Senado) são muitas.

XIII. O que mais chama a atenção tange à questão política e democrática. Nesses outros países, o teto é estabelecido por compromisso político do Gabinete eleito ou ainda por amplo acordo de coalizão, que envolve também partidos de oposição. O estudo do FMI mostra, aliás, que, quanto mais amplos os acordos políticos, maior a probabilidade de o teto ser respeitado. No caso do extinto teto canadense da década de 1990, exemplo de êxito, o acordo foi construído com todos os partidos e com os sindicatos de trabalhadores.

XIV. No caso do Brasil, contudo, o teto está sendo imposto por um governo golpista e sem legitimidade; e na ausência gritante de um amplo debate público.

XV. Essa questão política e democrática se reflete no prazo. No caso dos países mencionados na tabela acima, assim como de outros que não adotam o congelamento das despesas primárias, os prazos do teto ou de outras medidas de controle de gastos coincidem com a duração do Gabinete ou dos governos eleitos, normalmente quatro anos. Após esse prazo politicamente delimitado, renova-se, ou não, o acordo relativo ao controle de gastos. O Japão, por exemplo, não adotou o teto entre 2009 e 2011, devido ao agravamento da recessão no país.

XVI. Entretanto, no caso do Brasil, dado o caráter autoritário do governo de exceção, o prazo imposto é de 20 anos, o que colocará a política fiscal fora do controle democrático do voto popular, ao longo de duas décadas.

XVII. Outra diferença significativa, também relacionada ao modo de implantação do controle de gastos, tange às sanções. No caso dos países mencionados na tabela, não há sanções legais previstas. Porém, no caso do Brasil, há várias sanções draconianas, em caso de descumprimento do teto. Além da proibição de concursos públicos, da redução dos salários dos servidores públicos, da vedação de concessão de benefícios, etc., destaca-se a redução real do salário mínimo para todos os trabalhadores brasileiros, um completo absurdo, tanto em termos sociais e políticos, quanto em termos constitucionais e legais.

XVIII. Outra distinção a ser considerada na análise comparativa é a relativa à abrangência do teto e às exceções. No caso da Finlândia, por exemplo, o teto abrange apenas 75% das despesas do governo central, já que os gastos que são dependentes do ciclo econômico estão excluídos do limite. Assim, as despesas com seguro desemprego e outros benefícios assistenciais não têm teto, pois inexoravelmente aumentam em tempos de recessão ou baixo crescimento. No caso da Suécia, houve também exclusões temporárias dessas despesas e o teto abrange 90% do gasto.

XIX. Uma distinção também relevante tange ao fato de que, nesses países, não há Leis de Responsabilidade Fiscal (LRFs), ao contrário do Brasil, que tem uma desde 2001. Em tese, quem tem lei desse tipo, que no Brasil serviu até como escusa para promover golpes de Estado, não teria necessidade de adotar um teto de gastos, ainda mais por 20 anos.

XX. Entretanto, nos parece que a diferença mais relevante tange ao tipo de país e às consequências distintas da adoção de um teto de gastos no desfrute dos direitos sociais por sua população.

XXI. No caso dos países elencados na tabela, cabe observar que se trata de países muito desenvolvidos, que já têm proteção social universal e serviços públicos de excelente qualidade. Ademais, são países com população estabilizada ou em declínio, ou ainda países cuja população entrará em declínio, nas próximas décadas.

XXII. O Brasil, contudo, está em situação inversa. A nossa população crescerá em 21 milhões até 2036, com grande e concentração desse crescimento na população idosa, o que pressionará muito a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social (BPC). Ademais, nossos serviços públicos ainda têm baixa qualidade e abrangência restrita, e nosso Estado de Bem Estar ainda é incipiente. Nesse âmbito, nossas despesas, principalmente nossas despesas per capita, são muito baixas, relativamente aos países desenvolvidos. Nos gráficos a continuação, pode-se ver essas assimetrias profundas.



 

Fonte: OCDE. Elaboração: Marcelo Zero

 

Fonte OCDE. Elaboração: Marcelo Zero

 

Fonte OCDE. Elaboração: Marcelo Zero

 

XXIII. Assim sendo, caso a PEC 241 (PEC 55, no Senado) venha a ser adotada por 20 anos, os danos ao Estado de Bem Estar brasileiro, inclusive à Saúde e à Educação, serão profundos. Nosso nível de dispêndio, que já é comparativamente baixo, principalmente em termos per capita, se aproximará do nível de países de baixo nível de desenvolvimento, como Afeganistão e Burkina Faso, ao contrário de nos aproximarmos, como seria o desejado, do nível de dispêndio e de bem estar social de países mais desenvolvidos, que era a trajetória em que caminhávamos com os governos do PT.

XXIV. No que tange à recuperação econômica e ao equilíbrio fiscal, os estudos feitos pelo FMI e outros organismos internacionais, mostram que, com a crise mundial, essas medidas de controle de gastos se tornaram inúteis, e os índices macroeconômicos se deterioraram por completo. Na Holanda, por exemplo, o débito das famílias já chega a 250% da renda disponível e o desemprego chegou a 8%, em 2013.

XXV. Por último, cabe assinalar que o paper do FMI destaca que, nos países emergentes, as medidas de controle de gastos (não apenas tetos) resultaram em "decréscimos significativos nos investimentos públicos", com consequências negativas óbvias em toda a economia, particularmente sobre o crescimento.

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