Breve roteiro: como uma CPI muda o rumo da História?

Luís Costa Pinto relata a situação política no Brasil em 1992 quando houve a CPI do PC que derrubou Fernando Collor. "Até então, era fato, CPIs não haviam dado em nada no País", afirma o colunista



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Por Luís Costa Pinto, do Jornalistas pela Democracia

“Essa CPI não vai da em nada”, Jorge Bornhausen, ministro-chefe da Secretaria de Governo de Fernando Collor, 29 de maio de 1992.

Passava das 15h30 quando o deputado Benito Gama (PFL-BA) começou a ler a finalidade sob a qual fora enfim criada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a apurar denúncias formuladas por Pedro Collor de Mello contra o governo do irmão, Fernando, numa entrevista concedida à revista Veja.

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Publicada pela Editora Abril, Veja era o maior e mais respeitado veículo da mídia impressa brasileira. Chegou a mandar para bancas e assinantes quase 1,2 milhão de exemplares impressos por semana. A editora e a revista, como haviam sido um dia, plurais e independentes, morreram ao longo dos anos de 2004 a 2016 em razão da catastrófica direção editorial de um ex-jornalista chamado Eurípedes Alcântara. Depois de matar a revista, Alcântara passou a se dedicar ao ramo publicitário.

Fisgado nas águas da ala do então governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães para presidir a CPI do PC e evitar aborrecimentos maiores ao Governo comandado por Fernando Collor, o deputado baiano recebera ordens expressas para abrir os trabalhos da Comissão fingindo perícia técnica e imparcialidade política e encerá-la depois de cumpridas as formalidades dos depoimentos do denunciante – Pedro Collor – e do principal denunciado – o empresário Paulo César Farias. Paulo César, o PC, fora tesoureiro da campanha a presidente de Collor em 1989 e rapidamente se consolidara atuando em lobbies dos mais variados diapasões entre pedidos privados e interesses públicos.

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– Senhores, lerei a finalidade para a qual essa CPMI foi criada – anunciou Benito Gama em sua primeira intervenção aos pares (tudo isso está descrito no livro “Trapaça – Saga Política no Universo Paralelo Brasileiro, vol. 1”). – Ela ao mesmo tempo delimita e circunscreve nossa atuação: “Apurar os fatos contidos nas denúncias do senhor Pedro Collor de Mello referentes às atividades do senhor Paulo César Cavalcante Farias, capazes de configurar ilicitude penal”.

Houve balbúrdia e protestos de deputados e senadores, governistas e de oposição, contra a frase que Bornhausen pretendia premonitória, e a favor da rápida conclusão dos trabalhos porque o Brasil não podia parar para ver o Congresso tentar apurar crimes eventualmente cometidos por amigos do então presidente.

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Até então, era fato, CPIs não haviam dado em nada no País. Quando elas se encaminhavam para um desfecho que poderia surpreender o poder de plantão no Palácio (da Guanabara, em 1954, ou do Planalto em 1963, 1976 e 1988), a História se interpunha à força e vencia o enredo factual. Dera-se assim com o suicídio de Getúlio Vargas; com as apurações que conduziam à revelação de ação norte-americana na política brasileira via IBAD e IPES (Instituto Brasileiro de Ação Democrática e Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais); com as investigações em torno do acordo nuclear Brasil-Alemanha e com o mergulho do Congresso no mar de denúncias contra a administração do presidente José Sarney.

O ministro-chefe da Secretaria de Governo não estava de todo errado ao blefar na mesa do jogo político de Brasília naquela tarde mormacenta do fim de maio de 1992.

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Mas, Bornhausen cometera falha quase primária para um político tão experiente: ao mirar o alvo nacional, esquecera de cuidar do quintal de casa. Esperidião Amin, líder do PDS no Senado, justamente o PDS de cuja costela saíra o PFL de Bornhausen e ACM, tinha uma querela da política catarinense com o adversário local: o governo federal demorava a liberar verbas para atender a desabrigados em enchentes em Santa Catarina, nos redutos do pedessista. O ministro era quem administrava as liberações orçamentárias para políticos, papel que na conturbada gestão de Jair Bolsonaro passou a caber à deputada Flávia Arruda. No Planalto, ela ocupa a cadeira que foi de Jorge Bornhausen e o fato de ser oriunda da Câmara causa desconforto a senadores do “centrão governista”.

Na madrugada anterior à instalação da CPI do PC, e sem combinar sequer com os próprios aliados, Amin procurou o senador José Paulo Bisol, do PSB do Rio Grande do Sul, e ofereceu a ele uma das vagas de membro titular da Comissão que seria do PDS. Bisol aceitou na hora. A CPI, destinada a investigar estritamente as denúncias de Pedro contra o empresário PC Farias, tinha 22 membros – 11 deputados e 11 senadores. Contudo, o presidente da Comissão não votaria o relaqtório. Seriam, assim, 21 votos possíveis. De acordo com a distribuição das bancadas e seus tamanhos, e é esse o critério do equilíbrio de poder no Parlamento desde sempre, o Governo Collor teria 11 votos contra 10 da oposição.

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O ardil da dupla Amin-Bisol inverteu a maioria e, da noite para o dia seguinte, os oposicionistas passaram a deter o poder de provar quaisquer requerimentos apresentados. Foi essa a centelha que incendiou Brasília nos idos de 1992 e conduziu a Câmara dos Deputados a aprovar, enfim, no dia 29 de setembro de 1992, o afastamento de Fernando Collor da Presidência da República. Em 1º de outubro o Senado começou a processar o impeachment e Itamar Franco tomou posse – primeiro, como interino; depois, em 30 de dezembro, como sucessor até o fim do mandato.

Foi inferior a quatro meses o período decorrido entre a criação da CPI do PC com seu fato definido e delimitado, com o Palácio do Planalto crendo piamente deter o controle sobre as investigações, e a deposição de Collor por denúncias de corrupção. Até as acusações de Pedro emergirem em sua entrevista à Veja, Fernando Collor de Mello podia ser considerado um presidente com força razoável para conduzir o mandato até o fim, mesmo ressalvadas as suspeitas de desvios, corrupção e forte oposição da sociedade civil a ele.

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“CPIs, meus senhores, a gente sabe como começa. Mas, nunca sabe como termina”, advertia Ulysses Guimarães a todos que o procuravam no mês de maio daquele ano em que o Brasil se uniu em torno de um impeachment (em 2016, o golpe do impeachment sem crime de responsabilidade dividiu a Nação).

Fiador do processo de redemocratização do País, ícone do movimento pela restauração das eleições diretas à Presidência, Ulysses era contra a deposição de Collor até a undécima hora. Somente se convenceu da necessidade de sacar o presidente-problema do Palácio quando surgiu entre os documentos amealhados pela CPI o cheque assinado por um “fantasma” dos cofres mal-assombrados de Paulo César Farias pagava à Fiat do Brasil um automóvel do modelo Fiat Elba placa FC 1990 (iniciais de Fernando Collor e ano em que se iniciara seu mandato). Por meio do cheque, materializaram-se todos os lobbies denunciados por Pedro e os vasos comunicantes do dinheiro de PC com a vida pessoal do presidente da República.

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Entre o blefe de Bornhausen e a advertência de Ulysses, os senadores que integrarão a CPI da Covid terão de escolher o lado da História que desejam ocupar.

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