Brasil: um país sob constrição
Quanto mais tempo demorar a aparecer soluções econômicas para a população, mais em perigo estará o governo Lula
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Durante os últimos quatro anos tudo foi permitido ao governo Bolsonaro: genocídio dos povos indígenas, recolocar o Brasil no mapa da fome, aumentar o desemprego estrutural, aumentar a precariedade laboral, destruir a capacidade produtiva do país, reduzir a soberania econômica e energética, promover o ecocídio das florestas e rios, intoxicar a população através da liberação de centenas de agrotóxicos proíbidos em quase todos os países do mundo, promover uma política de morte que levou a 700 mil vítimas durante a pandemia do covid; tudo sem que a mídia corporativa, ou seja o braço falante da banca, espelhasse sua indignação jornalística nas primeiras páginas. Também o congresso avalisou e aprovou todo o tipo de propostas que maximizasse o lucro de grandes corporações nacionais e internacionais, sempre contra o interesse do povo brasileiro. Ainda o judiciário não garantiu vigilância nos aspectos constitucionais que sancionam o mínimo social para uma vida digna das pessoas. O país célebre por não ser para amadores, foi no último mandato para amadores negociantes de vacina, milicianos, médicos que atacam a ciência, militares incapazes a dirigir estruturas estatais como o SUS; sem que os check & balance estruturantes das democracias liberais funcionassem.
Seria então esperável que depois do descalabro da governação Bolsonaro e perante as atrocidades que começam a ser públicas, o período de estado de graças para com Lula (que qualquer governo recém eleito normalmente tem) fosse dilatado. Erro de incauto.
No primeiro mês de 2023, período tendencialmente calmo em que o congresso e judiciário ainda não reabriram suas atividades, o governo Lula já teve de lidar com uma tentativa de golpe de estado e uma denúncia de genocídio de povos indígenas. Também o mercado apresenta-se nervoso a cada fala de Lula sobre qualquer assunto econômico como o Banco Central ou a Reforma Tributária e a mídia corporativa volta ao seu discurso de pressão sobre as contas públicas e valorização do setor privado sem que casos como o da Americanas os façam duvidar um milímetro sobre o tipo de economia a defender. Até porque esse discurso que não ganha eleições há vinte anos e só encontra eco na Faria Lima e adjacências, nunca deixou de ser defendido diariamente pela mídia corporativa.
Entre golpistas de variada ordem (do golpe militar ao institucional), sabotagem econômica, um congresso 75% neoliberal e o fim da lua de mel com o braço falante da banca; o governo Lula tenta sair desta pressão de início de mandato puxando a pauta econômica para o centro da discussão política. Estratégia necessária e urgente para um povo que continua a passar fome e para reestabelecer uma nova relação de forças na sociedade que permita derrubar os imensos privilégios das elites financeiras do Brasil.
Vemos as forças e instituições saírem do estado de hibernação em que estiveram nos últimos quatro anos para pressionar o novo governo e tentar impedir aplicação do programa eleito nas últimas eleições.
O polvo bolsonarista
Perdoem os/as apaixonados/as (como eu) pelo mulusco cefalópode mas tornou-se-me irresistível a comparação desse admirável animal com a atual estratégia do bolsonarisno.
Mesmo que ações como as do senador Marcos do Val ou as ameaças tresloucadas de Roberto Jefferson e de Daniel Silveira façam crer que não existe uma articulação pensada, o bolsonarismo reage a esta nova fase política com sentido de preservação da cabeça do projeto, Jair Bolsonaro. Ainda que derrotado e com a justiça na sua perna, a extrema direita ainda não conseguiu substituir o seu líder. Todas as falas de lideranças neofascistas que questionam o ex presidente miliciano embatem na desaprovação da massa bolsonarista, levando seus emissores para, primeiramente, o ostracismo e, finalmente, para o anonimato político. Joice Hassemann é apenas um exemplo.
Já os três filhos do ex presidente seriam os corações que bombeiam articulação e discurso no cenário político. Enquanto Flávio desenvolve sua atividade no plano institucional, sendo o negociante de Brasília; Eduardo traz as mais recentes armas argumentativas do movimento neofascista internacional, sendo a conexão principal entre o movimento e o neofascimo brasileiro, fazendo uma abordagem mais ideológica. Carlos é o responsável pela alimentação comunicativa da loucura extremista como fonte e agente reprodutivo de todas as fakenews ou abordagens reacionárias que possam marcar a agenda política.
À medida que a justiça se vai aproximando da cabeça e consequentemente dos corações, começam a aparecer figuras que ao desafiar o STF e as decisões judiciais (numa atitude aparentemente suicida), parecem ter uma posição descartável mas com uma função importante: atrasar a justiça e desfocar a agenda política. Com isso tentam ganhar tempo para recompor a relação de forças política e malograr os processos judiciários em curso contra a família Bolsonaro. Estes tentáculos dispensáveis (afinal só se elegeram na esteira de Bolsonaro e são facilmente substituídos por outros atores e atrizes políticas), vão pressionando o sistema mesmo com o risco de serem retirados da cena social, para proteger a cabeça e corações do projeto. O congresso nacional está cheio destas extremidades dispostas a serem amputadas desde que sua atividade pressione o novo governo para o fracasso e proteja o fundamental do projeto neofascista que, de momento, ainda passa por Jair.
A marcação da agenda poítica é um instrumento crucial para a extrema direita. Na ausência de proposta alternativa à economia predadora que se abateu sobre o Brasil, o bolsonarismo tenta marcar a agenda política permanentemente para impedir que o Brasil tenha espaço e tempo para refletir sobre si mesmo e sobre os graves problemas reais que assolam a população e de que o bolsonarismo tem grande responsabilidade. A marcação da agenda, criando uma pressão permanente sobre a mídia, impedindo o novo governo de afirmar suas políticas é um recurso vital para a manutenção do projeto neofascista vivo.
É claro que num oceano maior de análise, líderes como Bolsonaro, Orbán ou até Trump não passam de tentáculos dispensáveis do imperialismo capitalista neoliberal. O neofascimo é um recurso do capitalismo sempre que o coração e cabeça do sistema estão em crise.
Querem golpe? Assumam
Seria negligente falar do projeto neofascista no Brasil sem falar da necessidade de lidar com o golpismo instituído nas forças de segurança pública e nas forças armadas.
O 8 de Janeiro trouxe à tona o papel golpista reproduzido historicamente pelas forças armadas brasileiras. Com milhares de cargos no governo, as forças armadas foram o mais importante apoio do bolsonarismo. Por convicção ou por conviniência, as lideranças militares viram em Bolsonaro a recuperação do projeto social e econômico começado na ditadura militar em 1964. O discurso do inimigo interno de esquerda e a repressão ideolôgica e social voltaram em formato twitter ao discurso das lideranças militares que se colocaram novamente no centro da política. A apropriação de recursos públicos e naturais e a tomada dos órgãos estatais foram as recompensas naturais ao comportamento golpista das instituições militares.
A informação de qual foi o papel dos militares na tentativa de golpe de 8 de Janeiro mas também na governação de Bolsonaro começa a ser mais visível à medida que as investigações avançam e o novo governo retira o véu de sigilo imposto à sociedade brasileira. Conivência com genocídio indígena, esquemas corruptivos na compra de vacinas, o tratamento da população pobre e preta como inimigos de estado e outras alarvidades governativas cometidas são já motivos de sobra para a sociedade questionar o papel das forças armadas e qual sua missão constitucional. No centro desse questionamento está o artigo 142 da Constituição da República Federativa do Brasil, que com um texto dúbio dá fulgor às mais ecléticas interpretações, sendo usado constantemente para dar um tom constitucional às pretensões golpistas que querem repor a ditadura militar no Brasil. A luta pela alteração desse artigo deve ser encarada como central na luta contra o golpismo neofascista.
Também cabe a exposição dos golpistas através da criação de uma CPI que torne claro perante o Brasil e o mundo quem são as lideranças golpistas militares e quem no congresso defende o golpismo. Não sendo uma solução judicária ou política efetiva para o golpismo neofascista, a CPI seria um bom instrumento político para mostrar quem é quem quanto ao desrespeito pela vontade popular sufragada. Num contexto internacional altamente desfavorável a um golpe militar, essa exposição seria importante para as lideranças golpistas "baixarem a bola", colocando-as na defensiva em vez de ataque permanente através de suas vozes no congresso e fora dele.
Dúvida de bilionário é recurso político
Nos últimos sete anos o Brasil executou uma das maiores transferências de riqueza do trabalho para o capital da história humana, ficando talvez só atrás das injeções de dinheiro feitas pelos estados no sistema financeiro global na crise de 2008 e a consequente especulação em cima das dívidas públicas europeias nos anos seguintes a essa crise que se mantém até hoje. Para que se deslocasse tanto dinheiro dos pobres, trabalhadores e aposentados para o bolso dos bilionários foi necessário retirar a presidente Dilma e o PT do governo através de um claro golpe institucional em 2016. Essa clareza tornou-se mais evidente com a aprovação das contas do governo Dilma pelo Tribunal de Contas da União! Mesmo com essa aprovação, a mídia corporativa representando os interesses de seus proprietários, os bilionários, continuam a criticar quem chama golpe ao golpe e recusam assumir o seu papel golpista no processo.
Esse óbvio estado de negação não é inocente. Mais do que tentar envergonhadamente esconder um erro do passado, os bilionários com sua mídia corporativa e a esmagadora maioria de representação no congresso fazem um aviso inequívoco à navegação: quem recusa reconhecer o golpe de 2016 como golpe mesmo após a aprovação das contas pelo TCU é porque está disponível a usar esse recurso golpista novamente. É assim mantida mais uma pressão sobre o novo governo de mais um possível golpe institucional caso o novo governo ouse retirar alguma da riqueza e privilégios que os bilionários acumularam nos últimos sete anos. Ouse Lula desviar-se da política neoliberal e lá teremos novamente jornais e canais de TV cheios da milonga do mercado, preparando a opinião pública para mais um impeachment sem crime de responsabilidade.
O tempo tem de ser do povo
Este agente de determinação social não corre de forma igual para todos.
Bolsonaro quer que o tempo das investigações e da política corra lento de forma a se poder evadir o mais possível da responsabilização judiciária de seus atos e para recuperar fôlego político. Enquanto isso marca a agenda política diariamente e não permite que a agenda econômica do governo avance.
O capital tem interesse em que a derrota do neofascismo demore, tendo a esperança que enquanto Lula e a esquerda andam envolvidos na luta contra o neofascismo, não consigam impor uma agenda positiva para a população brasileira. Quanto mais tempo demorar a aparecer soluções econômicas para a população, mais em perigo estará o governo Lula.
Lula e a esquerda querem que as investigações corram rápido de forma a retirar esse estorvo da discussão política, colocando no centro os problemas que se sentam à mesa do povo brasileiro. Também sabe da urgência da economia voltar a crescer rapidamente de forma a motivar o povo para um projeto de construção do Brasil que inclua os mais pobres e a classe trabalhadora em geral.
E o povo tem pressa para sair deste aperto que o mata. Muita pressa para poder voltar a comprar carne, de ver suas crianças na escola e com saúde.
Lula está espremido entre a parede capitalista e a História. Caso consiga driblar todos os desafios e obstáculos que o capital vai colocando na frente do governo, Lula se consagrará mais uma vez do lado do povo, e se elevará ao estatuto de maior líder popular mundial atual. Lula tem sido a voz mais à esquerda do governo. Em cada fala tem repetido seu compromisso com a justiça social, com o combate à desigualdade. Sabemos da necessidade da envolvência popular na governação para fazer face a um capital que está recheado de recursos golpistas para defender sua classe. Essa dinâmica tem de ser reforçada diariamente, colocando o povo como o real e único aliado de Lula na sua pretensão de colcocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto.
Lula: este tempo tem de ser da esquerda, tem de ser do povo! E tu sabes disso.
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