Brasil pode retomar tradição terceiro-mundista de derrubar presidentes
Derrubar presidentes legitimamente eleitos é uma enfermidade que acomete o simulacro de democracia que vige no Brasil e que, nos dias que correm, está visível e chocante como uma fratura exposta – com efeito, a pretensão (com chance de vingar) de derrubar Dilma é uma fratura exposta de nossa democracia
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Alguns dirão que se trata de uma psicose de minha parte o hábito que cultivo de “dialogar” com os teleguiados da mídia corporativa de direita, mas julgo muito útil manter esse diálogo informal para entender e até antecipar o que esses autômatos irão jogar na cena pública.
Faço isso há muito tempo. Cheguei a manter intenso diálogo até com o Reinaldo Azevedo (Veja/Folha de São Paulo) há mais ou menos 15 anos, na época em que ele era um ilustre desconhecido, funcionariozinho de Luiz Carlos Mendonça de Barros na revista Primeira Leitura, onde tinha a nobre função de avaliar e liberar comentários de leitores.
Detalhe: aqueles debates intermináveis com RA me autorizam a dizer que ele é um debatedor fraquinho, que nunca me venceu nos argumentos, que hoje ele interpreta um personagem e que, em uma das derrotas que lhe impus, ele chegou a me oferecer espaço naquela porcaria de publicação (Primeira Leitura) para me contrapôr a algo que saiu por lá.
Eis por que obtive um aperitivo do que publicaria hoje o colunista da página A2 da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman. Envio provocações a esses teleguiados das famílias midiáticas e, via de regra, vaidosos intelectuais que são eles respondem. Foi assim que, no dia 26, recebi prévia do que esse colunista diria hoje sobre o processo mal-ajambrado que pretende derrubar Dilma Rousseff.
Como qualquer pessoa com olhos de ver reconhece, esse colunista se rende ao fato de que o processo que pretende derrubar Dilma Rousseff é falho, não tem causa, trata-se de uma esperteza, de um processo conduzido por corruptos (Eduardo Cunha, o correntista suíço, à frente) contra uma mulher de vida limpa, contra quem não pesa uma única acusação ou mesmo investigação.
Porém, como todo militante terceiro-mundista de direita – e, claro, como seus patrões terceiro-mundistas, porque ninguém é de ferro – ele não valoriza o voto popular.
No Brasil, voto não vale muito para a elite conservadora e concentradora de renda porque, para ela, “votar qualquer um vota”. A grande maioria dos eleitores é pobre, não tem diploma, de modo que a maioria dos brasileiros é considerada pela elite como sendo composta por cidadãos de segunda classe, dos quais o voto não merece respeito.
Além disso, a ignorância democrática característica da direita a faz confundir (quando lhe convém) presidencialismo com um parlamentarismo de ocasião no qual, quando um presidente perde “apoio político” (leia-se apoio da elite, dos empresários), não tem mais como seguir governando.
O desprezo pelo voto popular é o que gerou o golpe militar de 1964 e o que leva às ruas pessoas pedindo a volta da ditadura militar.
Nesse aspecto, argumentei com o tal colunista da Folha que Dilma não cometeu crime de responsabilidade para sofrer impeachment. Schwartsman reconheceu que era verdade, mas, em troca de e-mails com este que escreve, justificou o processo em curso da seguinte forma:
“Há uma grande lista de crimes de responsabilidade que ela terá cometido se 2/3 dos senadores assim o declararem. Qualquer governo de qq partido que perca quase todo o apoio político de q disponha no Congresso tb sofreria impeachment. Isso é básico e aconteceu com Collor. Fhc e Lula não caíram pq não produziram crises econômicas do mesmo tamanho q Dilma. Lula sobreviveu ao mensalão pq a economia ia bem“
Isso foi no dia 26. Neste 30 de março, a Folha publica coluna em que o sujeito aprofunda sua “tese”.
Esse tipo de pensamento é o que faz do Brasil um país em que raros presidentes civis terminaram seus mandatos. Para que se tenha uma ideia, dois dos cinco presidentes eleitos no pós-redemocratização não terminaram seus mandatos e um terceiro pode não terminar.
Um deles é Tancredo Neves, substituído por José Sarney antes mesmo de assumir a Presidência. Mas Fernando Collor foi derrubado, tentaram derrubar Lula e estão tentando derrubar Dilma.
Alguns dirão que quem derrubou Collor “foi o PT”. Bobagem. Collor foi derrubado por quase todos os partidos. E isso ocorreu porque foi encontrado dinheiro sujo do esquema PC Farias pagando contas do então presidente da República.
Com efeito, dos oito presidentes civis eleitos desde 1950, quatro não terminaram o mandato, tarefa que foi repassada a seus vices – Café Filho (vice de Getúlio Vargas), João Goulart (vice de Janio Quadros), José Sarney (vice de Tancredo Neves) e Itamar Franco (vice de Fernando Collor). Desses quatro vices, aliás, os dois primeiros foram depostos.
Derrubar presidentes legitimamente eleitos é uma enfermidade que acomete o simulacro de democracia que vige no Brasil e que, nos dias que correm, está visível e chocante como uma fratura exposta – com efeito, a pretensão (com chance de vingar) de derrubar Dilma é uma fratura exposta de nossa democracia.
Não há nada de normal em presidentes serem derrubados como acontece no Brasil, por “perderem apoio político”. Nosso sistema político é amplamente baseano no sistema norte-americano. Ora, basta olhar para o que acontece no nosso modelo de democracia para entender a besteira dita pelo colunista da Folha supracitado.
Dos 44 indivíduos eleitos presidentes dos Estados Unidos, quatro vieram a falecer no cargo por causas naturais (William Henry Harrison, Zachary Taylor, Warren Harding e Franklin Roosevelt), um renunciou (Richard Nixon) e quatro foram assassinados (Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley, John Kennedy). Nos EUA não houve essa tempestade de “impeachment” ou de derrubada na marra mesmo que vige na América Latina, apesar de o grande irmão do norte ser o modelo de democracia da região.
A coluna de Schwartsman, a argumentação que contém e que é usada à larga por esse bando de fascistas e golpistas soltos por aí é terceiro-mundismo galopante, é prova de que o país está regredindo democraticamente, o que terá implicações seriíssimas nos próximos anos, se o golpe contra Dilma vingar.
O que está ocorrendo no país, portanto, é golpe. Clássico, habitual neste país toda vez que algum presidente ameaça governar para o povo, que frequentemente coloca a corda no próprio pescoço, pois o regime que vem por aí ameaça todas as conquistas sociais que este povo obteve na primeira década do século XX até os três primeiros anos da segunda.
A retomada do golpismo no Brasil é uma tragédia para este país. Um grande desastre natural como terremoto, tsunami, um mega furacão não seria mais danoso. O retrocesso em nossa democracia produzirá efeitos que irão durar décadas. Há que estaurar a democracia no país a qualquer preço. Antes ou depois do golpe, se este se consumar…
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Assista, abaixo, vídeo que mostra como o golpismo produz tragédias neste país desde sempre.
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