Boulos e Erundina: sabedoria e esperança
"A candidatura Boulos-Erundina precisa ser concebida como um espaço e tempo a percorrer no caminho que conduz à subversão do poder que está aí. De superação desse sistema que exclui e que mata", escreve o colunista Aldo Fornazieri
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A candidatura Boulos-Erundina para a prefeitura de São Paulo constitui uma daquelas singularidades improváveis. Singularidade que ocorre como fruto das vicissitudes dos nossos tempos, da rispidez com que nossos sonhos são agredidos, da palidez doentia das nossas esperanças e das misérias de todos, principalmente dos mais humildes, diariamente humilhados. Esses tempos e condições embrutecidos deveriam gerar, ao menos em algum lugar, um princípio de coragem, um princípio de esperança. Coube à cidade de São Paulo ser escolhida pela Fortuna para que estes dois princípios se combinassem na singularidade desta candidatura.
Numa primeira vista a composição parece paradoxal. Mas há nela muito mais harmonia e complementaridade do que parece. Além de terem em comum lutas, ideais, valores e esperanças, Boulos e Erundina comungam uma atitude que se expressou em vários momentos na vida de uma e de outro que é a coragem. Atitude escassa na grande maioria dos políticos do nosso tempo. A coragem é a virtude primordial, a pedra fundamental, para que se faça algo de significativo e digno na política. Assim, Boulos e Erundina erguem em São Paulo um estandarte verde num país coberto de cinza.
Erundina, do pináculo da sua vida política e pessoal (a velhice), poderá olhar para trás e ver que o caminho que ela percorreu está cheio de tochas ardentes, de faróis e de fogueiras que projetam suas luzes para frente, para o futuro. O seu legado já consolidado é constituído por aquilo que de mais honroso que uma pessoa pública pode deixar: os bons exemplos. Os bons exemplos na vida e na conduta política, os bons exemplos como prefeita, como parlamentar, com seus compromissos e respeito para com o povo. Os bons exemplos para com a moralidade pública, para com as lutas por justiça, igualdade e liberdade.
Ao chegar aonde chegou, Erundina cumulou-se de sabedoria, de experiência e de prudência. Ela não é prudente, experiente e sábia porque é velha. Mas o é porque em seu caminho soube escavar dos duros rochedos da vida esses tesouros que nem todos alcançam. Por ser prudente, Erundina sabe que há momentos nas conjunturas em que é preciso ter cautela e que, em outros, é preciso ter ousadia. Este é um momento em que as circunstâncias exigem que se tenha ousadia. E ela teve a sabedoria de ser ousada ao aceitar ser candidata na chapa de Boulos.
A candidatura de Erundina deve ser vista também como uma homenagem aos velhos. Aos velhos que estão aqui e aos velhos que se foram. Aos velhos que se foram pela criminosa política de Bolsonaro na pandemia e que poderiam estar aqui. A candidatura deve ser vista como uma homenagem às qualidades e às capacidades dos velhos, vistos por muitos como pessoas inúteis e descartáveis. Nenhuma sociedade pode se dizer civilizada se não respeitar os idosos. Erundina soube envelhecer consciente de que é a sabedoria, a experiência, a razão e as emoções que geram coisas grandiosas em benefício das sociedades, da humanidade e do planeta. Se há algo que nós, como seres incompletos, podemos fazer neste mundo, é procurar completar a sua incompletude, pois os deuses o deixaram incompleto para que nele nós nos demos o significado da nossa existência.
Boulos, um homem jovem, já tem uma significativa experiência e deu várias provas de coragem. Ele sabe de muitas coisas. Mas a coisa mais importante que precisa saber é como muitas outras pessoas o veem. Ele é visto como a potência do grande líder, do líder que empalmará o cetro de Getúlio Vargas e de Lula e que dará continuidade às suas lutas e aos seus feitos, superando-os. Sim, superando-os, pois se os dois fizeram muito pelo povo e pelo Brasil, há muito mais ainda a ser feito para que o povo alcance aquelas condições de uma vida digna, justa e livre.
Desta forma. Boulos precisa se dar esse destino, essa vocação, de ser um grande líder, de ser o estadista do amanhã, capaz de conduzir o povo e o Brasil a um elevado patamar de direitos conquistados, de justiça e de dignidade. Neste caminho, certamente, encontrará muitas derrotas pela frente. Mas o líder vocacionado, o líder abnegado, é aquele que sabe se erguer quando cai, sabe curar as suas feridas e as feridas dos seus quando perde uma batalha. Ouso dizer que Boulos não tem o direito de se dar outro destino que não seja este. Por isso deve munir-se de todas as qualidades e virtudes que conduziram as grandes lideranças às grandes vitórias, que libertaram os seus povos.
Boulos tem o dever de devolver aos jovens o direito de sonhar por um novo amanhã e precisa ser capaz de transformar este direito em luta. Hoje os jovens não sonham. Temem! Ter medo é natural, humano. Geralmente é o medo que impulsiona a coragem. Este momento, por ser trágico, é propício para impulsionar a coragem de lutar pelos direitos, pelos sonhos, por um novo amanhã. Se sentimos medo, não podemos ficar prisioneiros desse medo. Só a coragem e a ousadia vencem o medo.
Boulos tem diante de si uma grande oportunidade, uma grande ocasião, uma ocasião maquiaveliana. O Brasil vive uma longa crise, uma crise praticamente insolúvel. Somente um líder criador, inovador, transformador, que comande uma grande força política e social, será capaz de superar este momento crítico, gerando uma nova sociedade, um novo Brasil. Ou os líderes ascendentes do presente percebem esta situação, ou farão lutas menores, meramente incrementais, que representam um passo à frente e dois ou três, quando não mais, passos atrás.
A candidatura Boulos-Erundina precisa ser concebida como um espaço e tempo a percorrer no caminho que conduz à subversão do poder que está aí. De superação desse sistema que exclui e que mata. O espaço da candidatura Boulos-Erundia deve ser o espaço da compreensão e da consciência de que as elites brasileiras e seus partidos se guiam por uma conduta venal e predatória, movida pelos desejos de explorar, de espoliar, de oprimir. Um desejo de morte. Não há como ter um tratado de paz e de concórdia entre o povo e esta elite. Ela sempre usou de uma astúcia criminosa para manter-se no poder, mesmo quando apareceram momentos de mudança. Por isso, o povo e seus líderes e lutadores precisam se munir com uma astúcia guerreira e combativa, oposta à injustiça e à dominação.
Se este é o espaço da candidatura Boulos-Erundina então esta candidatura não pode ser vista como alternativa à candidatura de Jilmar Tatto do PT. A candidatura de Tatto é legítima, respeitável e precisa ser respeitada. Não pode continuar sendo sabota por pessoas do próprio PT. A candidatura de Haddad seria consensual e teria apoio do próprio Tatto. Haddad preferiu não concorrer.
Diante disso, não se pode exigir a desistência de Tatto em favor de Boulos-Erundina e nem que Erundina ceda seu lugar a um vice do PT. A ideia de uma frente antifascista, sacramentada em uma candidatura única, não é procedente. Embora Bolsonaro não seja o adversário principal na disputa eleitoral, tanto o PT quanto o PSol empunharão bandeiras antifascitas. Mas a luta principal na cidade de São Paulo é contra o PSDB, contra Dória e seus aliados. Aqui há espaço para duas candidaturas. Se uma delas, Boulos ou Tatto, tiver chance de chegar no segundo turno, o eleitor saberá leva-la.
Retirar a candidatura Tatto seria desastroso para o PT. Enfraqueceria o partido no principal centro político do país. Enfraqueceria as campanhas nas cidades de São Bernardo, Diadema, Guarulhos e Osasco onde o PT tem chances de vencer.
Desconstruir a chapa Boulos-Erundia significa destruir a potência e o espaço políticos que precisam ser construídos e preenchidos com um novo conteúdo, com uma nova forma, com uma nova perspectiva de futuro. PT e PSOL precisam ter a sabedoria de perceberem quais são seus respectivos espaços políticos e construir seus caminhos sem confronto, andando em paralelo e somando sempre que possível.
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