Boulos e Erundina: judeus esquerdistas e progressistas estão com vocês!
Não posso deixar de denunciar publicamente o golpe baixo, sujo e desonesto que membros da parte direitista da comunidade judaica perpetraram contra o nosso setor: criaram há alguns dias um vídeo acusando os judeus apoiadores de Boulos de serem os ‘Kapos’ de hoje. ‘Kapo’ é o nome sob o qual eram conhecidos os judeus designados pelos nazistas para supervisionar o trabalho forçado nos campos de concentração
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A comunidade judaica brasileira não é das maiores do mundo. Estima-se que cerca de 120 mil judias e judeus vivam no Brasil, a esmagadora maioria sendo cidadãos brasileiros e uma pequena minoria de outras nacionalidades. Ainda assim, mesmo que este número seja minúsculo em um país de 210 milhões de habitantes, a grupo social se faz muito presente na sociedade brasileira por possuir uma assertiva cultura participativa.
A comunidade judaica do Brasil é plenamente plural em termos políticos. Desde as eleições de 2018, pode-se afirmar que ela é praticamente rachada em dois. Uma metade esquerdista e uma direitista, logicamente incluindo também os mais centristas que também tendem mais para um lado ou para o outro do espectro político. Nas disputas presidenciais ficou claro como grande parte dos judeus apoiou veementemente o cidadão que venceu, e grande parte se organizou enfaticamente contra ele.
Passados dois anos, o cenário se mostra praticamente o mesmo. No primeiro turno houve apoio aos mais diversos candidatos e no segundo é evidente mais uma vez esta dual separação. Assim, uma verdadeira guerra de argumentos está sendo travada dentro da comunidade a favor de ou contra Boulos e Covas.
Neste artigo trago à luz o apoio dos judeus esquerdistas e progressistas à campanha de Boulos e Erundina, afinal faço parte desta parte da comunidade. Friso aqui mais uma vez que este texto não possui de maneira alguma a intenção de representar a comunidade judaica como um todo, de modo que só deve se sentir representado aquele que se irmana às posições que aqui coloco. Assim, reconhecendo a legitimidade da pluralidade deste grupo social, peço ao leitor que se possuir interesse em se informar acerca da argumentação direitista pró-Covas, fique à vontade para fazê-lo em qualquer outro veículo de informação que disponibilize esta informação.
Muito bem, esclarecida tal questão, vamos lá: por que apoiamos Guilherme Boulos e Luiza Erundina? Ora, ao meu modo de ver, eles são a escolha óbvia neste segundo turno para qualquer um que se conduza nas pautas da Democracia, da Justiça Social e dos Direitos Humanos. É interessante salientar que, ainda que no primeiro turno houvesse votos judaicos progressistas a outros candidatos (principalmente a Jilmar Tatto), a maioria desta parte da comunidade se comprometeu com Boulos já no dia 15 de novembro. Esta informação que lhes passo é fruto de um estudo interno na comunidade que eu mesmo realizei.
Sendo assim, com os apoios oficiais do PT através de Tatto, Haddad, Lula e de vários outros partidos de Esquerda, os judeus esquerdistas se unem agora de maneira mais vigorosa do que nunca para tentar realizar esta missão – que, sabemos, é quase impossível – de eleger Boulos prefeito da maior cidade da América Latina. E independente do resultado, é incrível fazermos parte desta empreitada. Só o fato de alguém progressista como Boulos estar nesta posição, já é algo incrível, dado o contexto social, político e sobretudo ideológico em que o Brasil hoje se encontra.
Dito isto, preciso agora conjecturar a respeito dos argumentos que os judeus de Direita colocam para deslegitimar Boulos. Primeiramente abordo então a principal acusação fabricada: de que Boulos seria antissemita. Esta imputação é plenamente infundada e eu argumentarei o porquê. Mas antes explico: em que os direitistas se baseiam para acusá-lo de antissemita? Simples. Boulos é ativo com relação à causa palestina, que busca acabar com a opressão realizada pelo governo direitista/ultradireitista de Netanyahu, causa esta à qual nós judeus progressistas e esquerdistas também fazemos parte. É um argumento tradicional da Direita judaica (não só brasileira, mas mundial) afirmar ou insinuar que qualquer crítica a Israel configure antissemitismo. Nós progressistas não enxergamos esta questão absolutamente desta maneira. Assim como Boulos, nós também criticamos ininterruptamente o Sionismo de Direita que impede que haja resolução pacífica para o conflito, assim como criticamos igualmente as forças fundamentalistas palestinas que também só contribuem para com tragédias e desacordos. Desta forma, partimos já deste princípio: criticar a opressão de Israel não caracteriza automaticamente antissemitismo.
E caro leitor, não me entenda mal, por favor. Diante do posicionamento de Boulos com relação a Israel e Palestina, nós esquerdistas tivemos a preocupação e o cuidado de nos aproximarmos dele e questioná-lo acerca desta temática. Queríamos nada mais do que a verdade, e se descobríssemos que por trás das críticas a Israel houvesse de fato um homem antissemita, nunca o teríamos apoiado. Nunca “passaríamos pano”, como se diz na expressão popular, para qualquer racista, seja contra os judeus ou contra quaisquer outros povos, seja esta pessoa de Esquerda ou de Direita. Isso é inegociável. Desta forma, apresento a seguir diversos elementos que explicam a ausência de razões que legitimem a acusação de antissemitismo sobre Boulos.
Uma delas se deu através do convite que fizemos a ele para dialogar com nosso setor da comunidade judaica. Ele e Erundina prontamente aceitaram e esta memorável conversa se deu em 3 de outubro de 2020. Eu pessoalmente indaguei Boulos sobre a questão Israel-Palestina, inclusive deixando claro qualquer incômodo que pudéssemos ter acerca de possíveis mal-entendidos que pudessem ter-se dado no passado. A resposta do candidato foi:
“O que eu defendo para aquela região é um projeto de paz. E no meu entendimento, a paz passa por algo que envolva os fins das ocupações que hoje o governo de Israel desenvolve na Cisjordânia contra toda a norma internacional, tem que passar por direitos iguais para os árabes que vivem em Israel em relação aos judeus que vivem também lá, e pelo direito de retorno dos refugiados palestinos que estão jogados na Jordânia, na Síria, no Líbano, em campos de refugiados em condições indignas. Com esses três critérios, se a solução será um estado único ou dois estados, não cabe a mim dizer. Agora, estes três critérios para mim são parte de uma solução humanitária para o conflito que existe naquela região. Eu tive a oportunidade de estar lá e de visitar, e quando visitei pude conhecer os dois lados, pude estar em territórios palestinos na Cisjordânia, e visitei o Museu do Holocausto, conversando inclusive com militantes do Sionismo de Esquerda em Israel. E o posicionamento que eu tenho é justamente esse.”
A resposta de Boulos é plenamente equilibrada e se alinha ao anseio de muitos de nós que militamos em nome da resolução do conflito. Ele inclusive diz que se a solução seria um ou dois estados, não cabe a ele dizer, o que me agrada, afinal ele próprio tem consciência de que não possui conhecimento específico e especializado sobre o tema a ponto de poder opinar sobre os seus pormenores. Outro ponto importante em sua resposta é o reconhecimento da legitimidade do Sionismo de Esquerda. Há muita gente que não compreende este conceito e que desrespeitosamente refuta sua genuinidade, o que é visto por muitos sionistas de Esquerda, eu inclusive, como uma agressão.
Cabe também acrescentar que nesta longa conversa Erundina externou de forma belíssima seu respeito e apreço pelos judeus, se lembrando inclusive que algumas pessoas da comunidade que fizeram parte de sua trajetória:
“Eu lembraria do saudoso Paul Singer (economista), queridíssimo nosso, (atuou na Secretaria de Planejamento no governo Erundina) e mesmo depois na câmara dos deputados, onde fizemos um trabalho juntos em torno da questão da economia solidária. Raquel Rolnik (arquiteta), que construiu nosso plano diretor, inovador, moderno, em certo sentido revolucionário, por uma nova concepção de cidade e de gestão democrática e participativa. Enfim, sou devedora a essa comunidade, inclusive como representante do povo paulista e como ex-gestora dessa cidade. Eu avalio, compreendo, valorizo a enorme contribuição que a comunidade judaica dá à Economia, à Ciência, à Pesquisa, à Cultura em São Paulo e no Brasil.”
Cabe também comentar que Boulos e Erundina assinaram pessoalmente a ‘Carta de compromisso com os Direitos Humanos’, proposta pelo Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil, entidade importante e reconhecida no país. Além disso, há alguns dias Boulos gravou um breve vídeo com relação às acusações de antissemitismo. Ele diz:
“O antissemitismo é algo que abomino e não tem lugar em nossa candidatura. Associar o nosso posicionamento solidário (aos palestinos) a esse fenômeno repulsivo, não só é desonesto, ofensivo, como extremamente irresponsável. Nossa solidariedade com o povo palestino é compartilhada inclusive por judeus no Brasil e no mundo todo. Quando fui candidato à Presidência da República viajei para a Palestina e para Israel e me encontrei com diversos judeus israelenses opositores às políticas desumanas de Netanyahu e preocupados com a sua aliança com ao bolsonarismo aqui no Brasil. Eu defendo a liberdade, igualdade e justiça para o povo palestino, ao mesmo tempo que me oponho radicalmente ao antissemitismo e a todas as formas de intolerância. Isso é coerência, é defesa dos Direitos Humanos e está em linha com o Direito internacional e as resoluções da ONU. Eu visitei o Museu do Holocausto em Israel, saí de lá com a certeza redobrada de que é urgente aprender com a história para que ela não se repita.”
Por fim, não me esquivo de abordar um assunto delicado que, ainda que não se relacione diretamente com Boulos, faz parte das pautas do PSOL. O partido apoia institucionalmente a instituição BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que visa boicotar o Estado de Israel economicamente, culturalmente e academicamente, com o intuito de fazer com que a opressão do governo sobre os palestinos termine. Esta questão é um “prato cheio” para os direitistas acusarem o partido de antissemitismo.
Minha posição sobre isto é a seguinte: eu não apoio o BDS – assim como a maioria das instituições judaicas esquerdistas também não o apoiam – pois acredito que este movimento seja completamente inadequado por ser não somente injusto, mas também ineficaz. Boicotes são historicamente parte legítima de um processo de protesto e sou convicto de que podem ser eficientes em diversas conjunturas. Entretanto, o BDS erra em sua essência ao focar no Estado de Israel como um todo, ao invés de ter como alvo somente o governo Netanyahu e seus apoiadores (inclusive internacionalmente). Ao tentar boicotar Israel inteira, está ocorrendo na verdade um auto-boicote do próprio movimento, afinal assim eles tentam prejudicar também judeus israelenses que são militantes da causa palestina e também árabes-israelenses. Seria o equivalente a decidirmos boicotar o Brasil por causa de Bolsonaro e ao invés de focarmos em instituições e empresas que apoiam o bolsonarismo, atacássemos todos, inclusive os que fazem resistência e oposição ao Governo. Por isso sou contrário ao BDS. Todavia, dito tudo isso, defendo o direito legítimo da instituição existir (afinal este é o caminho democrático) e não a considero antissemita, afinal ela não ataca deliberadamente os judeus. Parte de seus apoiadores pode ser antissemita? Claro, isso é totalmente possível. Mas acusar a instituição em si de antissemitismo porque ela boicota um país não é correto, ao meu modo de ver.
Desta forma, acredito que seja um desfavor o PSOL apoiar essa instituição e espero que tal situação seja revista em algum momento. Mas o apoio não caracteriza o partido institucionalmente como antissemita. E o mesmo que coloquei sobre o BDS, coloco sobre o partido: Parte de seus apoiadores pode ser antissemita? Claro, isso é totalmente possível, assim como é possível em todos os partidos do Brasil e do mundo. E isso deve ser combatido sempre. Um passo importante a este combate foi o fato do presidente do PSOL ter vindo a público em 20 de novembro para refutar este tipo de racismo no partido:
“Difundiram a mentira de que nós seríamos antissemitas. Isso não é verdade. O PSOL respeita os direitos da comunidade judaica no Brasil e fora do Brasil, reconhece o direito de existência do Estado de Israel, mas denuncia há muito tempo a violência dos governos israelenses contra o povo palestino. Tenho certeza de que todos os judeus progressistas no Brasil e em todo o planeta também repudiam ações violentas contra a comunidade palestina. Então aqui não se trata de antissemitismo, se trata de defender os direitos do povo palestino, reconhecendo o Estado de Israel e reconhecendo o papel que a comunidade judaica tem tão importante no Brasil.”
Por fim, não posso deixar de denunciar publicamente o golpe baixo, sujo e desonesto que membros da parte direitista da comunidade judaica perpetraram contra o nosso setor: criaram há alguns dias um vídeo acusando os judeus apoiadores de Boulos de serem os ‘Kapos’ de hoje. ‘Kapo’ é o nome sob o qual eram conhecidos os judeus designados pelos nazistas para supervisionar o trabalho forçado nos campos de concentração. Os criadores deste vídeo, intitulado “Os Kapos de Boulos”, não somente nos acusaram disto, mas também – e de maneira criminosa – incluíram fotos de diversos de nós, retiradas de um vídeo que fizemos de apoio a Boulos. Assim, mais uma vez, a Direita mostra suas violência e sua maneira de agir.
Concluo o texto na esperança de ter esclarecidos para judeus e não-judeus um pouco sobre o cenário da comunidade judaica nas históricas eleições de 2020, nas quais tanto está em jogo. Deixo um abraço a Boulos e a Erundina e espero que os laços entre eles e os judeus progressistas se estreitem cada vez mais. E se a vitória eleitoral não vier desta vez, que venha em uma próxima. Estamos com vocês e com todos e todas aqueles que combatem o Neonazifascismo e promovem a Humanidade.
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