As muitas vitórias de Gabriel Boric e da sua geração no Chile
Para Rogério Tomaz, com a vitória de Boric, o Chile "poderá ser a primeira nação a extirpar o neoliberalismo dos seus estatutos jurídicos e políticas públicas"

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Por Rogério Tomaz Jr
No dia 11 de março de 2022, se nada extraordinário ocorrer, Gabriel Boric Font será o primeiro chileno nascido em Punta Arenas, região de Magalhães, extremo-sul do país, a ocupar o cargo de presidente da República. O deputado de 35 anos será também a pessoa mais jovem a comandar o país andino em mais de dois séculos como nação independente.
Fã de rock e da Nova Canção Chilena, especialmente de Violeta Parra e do Inti Illimani, Boric cursou Direito, mas revelou que jamais pensou em exercer a advocacia. Com passagem pelo movimento anarquista, sua trajetória foi marcada pela experiência de presidir da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, vencendo a eleição de 2011 contra Camila Vallejo, o rosto mais conhecido das manifestações que sacudiram o país no primeiro governo de Sebastian Piñera. Em 2013, Gabriel e Camila, juntamente com Giorgio Jackson, que presidia a federação estudantil da Universidade Católica do Chile, foram eleitos deputados. O trio é muito próximo e ainda ouviremos falar deles por décadas quando o assunto for política chilena.
O triunfo de Boric neste domingo é a vitória de uma geração que nasceu nos estertores da ditadura de Pinochet. Uma geração de militantes que herdou e abraçou as lutas dos pais e avós, mas que deu muitos passos à frente quando decidiu romper a polarização entre as duas coalizões que se alternavam no governo do Chile desde 1990.
Essa ruptura foi favorecida, de forma inesperada, pela “explosão social” de outubro de 2019, que trouxe novos atores políticos – felizmente, progressistas – ao tabuleiro chileno. Não fosse aquele processo, que segue em curso na elaboração da nova Constituição, Boric provavelmente nem teria sido candidato a presidente. Numa entrevista de 2018, ele dizia que não disputaria novamente uma vaga na Câmara e se dedicaria a escrever um romance.
O aumento do transporte público de Santiago, somado à posterior repressão aos protestos contra essa medida, transformaram o país para melhor, ao contrário dos 20 centavos de São Paulo em 2013. O Chile perdeu um escritor e ganhou um presidente que gosta das ruas e conhece o dialeto que é falado nelas.
A derrota de Kast é a quarta consecutiva da direita chilena em pouco mais de um ano: os conservadores foram surrados no plebiscito constitucional, na eleição dos convencionais constituintes e nas eleições regionais. Conseguiram recuperar terreno agora e deram um susto no mundo com os números do amigo de Bolsonaro, mas não tiveram força suficiente para superar a “nova esquerda” unida à onda renovadora que emergiu em 2019.
Boric, filho de um militante do Partido Democrata Cristão, passou a campanha inteira lutando contra as mentiras e preconceitos da extrema-direita e da direita neoliberal tradicional. Se viu obrigado a fazer um teste que detectava o uso de drogas, diante dos ataques sistemáticos que o apontavam como tolerante com o narcotráfico. O teste deu negativo e foi apresentado no último debate presidencial do segundo turno, numa jogada que foi um balde de água glaciar no seu adversário.
Agora, terá pela frente o desafio, junto com a Convenção Constituinte, de sepultar de vez o pinochetismo no Chile. Quase cinquenta anos após o golpe que derrubou Salvador Allende, o país que foi o primeiro laboratório para aplicar as teses elaboradas pelos abutres da Escola de Chicago e da Sociedade Mont Pèlerin poderá ser a primeira nação a extirpar o neoliberalismo dos seus estatutos jurídicos e políticas públicas.
Essa vitória tem uma carga simbólica gigantesca para o mundo. Que os ventos dos Andes cheguem à Colômbia de Gustavo Petro e ao Brasil de Lula em 2022.
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