Borba Gato e os pretos inconvenientes
A ação contra a estátua de Borba Gato foi iniciativa de jovens pretos periféricos de São Paulo. O jornalista Mauro Lopes celebra mais essa irrupção da juventude preta na cena política
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Por Mauro Lopes
Jovens negros das favelas de São Paulo organizados no grupo Revolução Periférica irromperam na cena política neste fim de semana e foram os protagonistas do incêncio da estátua de Borba Gato. Um grande viva a eles!
A consagrada jornalista Laura Capriglione conversou com um dos líderes da Revolução Periférica e ele contou como foi a organização da ação, com uma série de assembleias preparatórias nas favelas (leia aqui).
A ação incomodou segmentos da esquerda. Foram dois os argumentos dos incomodados.
O primeiro é que o incêndio da estátua atrapalharia a luta contra Bolsonaro porque desviaria atenção das manifestações do 24J e porque abriria o flanco para ataques da direita.
O temor não se concretizou. Só a extrema direita atacou a ação.
Assistimos a uma situação curiosa na noite de sábado e ao longo do domingo. A mídia conservadora tradicional deu cobertura simpática à ação da queima da estátua de Borba Gato, informando que ele foi um assassino que escravizou, torturou e matou negros e indígenas, estuprando as mulheres. E, sem perder o foco, cobriu também de maneira favorável as manifestações de sábado.
Fiz um levantamento sobre as edições impressas da mídia conservadora. Só a Folha de S.Paulo deu o incêndio da estátua na capa -e, mesmo assim, sem fazer um ataque aberto à ação. Nenhum outro jornal destacou o tema - examinei capas de 26 jornais de todo o país deste domingo e só a Folha destacou o assunto. Vários desses jornais veicularam artigos simpáticos à ação, da mesma maneira que a mídia eletrônica conservadora de uma maneira geral.
O segundo argumento é de que tais estátuas seriam “monumentos históricos”. O argumento é falacioso. Estátuas existem em boa medida para chancelar a vitória de alguém sobre outrem -sim, ao estabelecerem-se como celebração dessas vitórias tornam-se monumentos históricos, mas de uma determinada visão da história. No caso brasileiro, estátuas como essa de Borba Gato existem para celebrar a vitória dos bandeirantes e das elites locais sobre os povos originários e negros.
Argumenta-se que o Brasil é o que é em boa medida pela ação dos bandeirantes e que isso seria parte de “nossa história”. Tudo é parte da história. O capitalismo alemão é o que é devido, também, à aceleração da acumulação de capital propiciada pelo período nazista.
É significativo que este incômodo não tenha aflorado enquanto eram derrubadas as estátuas de racistas e “conquistadores” na Europa e Estados Unidos em 2020. Tanto lá como cá a ação contra as estátuas não foi um ato de apagamento da história, mas de escrita da história a partir da perspectiva dos esmagados e esmagadas pelas classes dominantes.
Aqui e ali ainda há os que acusam a ação de “identitarismo”. Essa é uma acusação que está desmoralizada mas ainda ressurge de vez em quando. É algo como dizer que a agenda preta e feminista seria “minoritária” e desviaria a atenção daquilo que “verdadeiramente importa”, a luta de classes. Bem, se há uma agenda de fato identitária -e vitoriosa- no país é a dos homens brancos. São eles que exercem seu poder sobre negros e mulheres. Mulheres e negros são maioria da população. Imaginar que exista uma “luta de classes” dos manuais descolada da opressão contra mulheres, pretos e indígenas é desconhecer por completo o país em que se vive.
A luta de classes expressa-se no Brasil cotidianamente no massacre às mulheres, aos negros, aos povos originários e à massa de explorados e exploradas pelas múltiplas relações de trabalho e poder que permeiam a sociedade.
Em vez de incomodar segmentos de esquerda, a ação dos jovens pretos das favelas deveria ser celebrada.
Os jovens pretos inconvenientes incomodaram setores da esquerda estabelecida. Mas ela deverá se acostumar à presença deles na cena política, com sua agenda própria. Em vez de ataques, os jovens pretos periféricos merecem celebração e apoio.
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