Bolsonaro não é imbatível
“O maior desafio da esquerda é conquistar a liderança da oposição a Bolsonaro. Mas esta posição está em disputa”, afirma Valério Arcary. “A luta pela direção da oposição será encarniçada”
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As grandes dores são mudas.
A dor conta os segundos,
a felicidade esquece as horas
(Sabedoria popular portuguesa)
O Brasil sofre. Centenas morrem todos os dias. Temos pressa. Ninguém pode prever o que vai acontecer nos próximos dois anos. Não é possível. As margens de incerteza são imensas. Mas Bolsonaro não é imbatível. Nossa missão é derrotá-lo.
O que acontecerá se a vacinação for caótica, e daqui a um ano ainda não se tiver conseguido a imunidade de grupo? O que acontecerá com a suspensão do auxílio emergencial e o desamparo de um desemprego rondando os 20% da população? O que é certo é que a tensão social irá aumentar muito com as sequelas devastadoras de uma pandemia à deriva, e de uma estagnação econômica crônica. A resistência vai continuar, e mobilizações de massas em grande escala poderão eclodir. Nesse contexto, três grandes blocos vão medir forças daqui até as eleições de 2022.
O bolsonarismo – uma aliança de várias alas de extrema-direita – que se apoia na massa da burguesia e em setores exasperados da classe média; a oposição de esquerda – PT, PSol e PCdoB- que se apoia nos movimentos da classe trabalhadora organizada, nos movimentos sociais de juventude, mulheres, negros, populares, ambientais, LGBT’s; e a oposição de direita liberal - PSDB, DEM e MDB – que se apoia no núcleo duro da classe dominante. Há um quarto bloco na oposição a Bolsonaro que se articula em torno de Ciro Gomes, mas é, comparativamente, muito mais fraco: alas empresariais periféricas e camadas mais escolarizadas da classe média que, provavelmente, vai oscilar na direção de quem estiver mais forte na oposição.
Duas estratégias estão claras. A estratégia de Doria e Maia será impedir a esquerda de chegar ao segundo turno, e nada será mais importante do que isso. Eles contam com o apoio da extrema-direita contra a esquerda. A estratégia da esquerda deve ser impedir Bolsonaro de chegar ao segundo turno, custe o que custar. Podemos aprender com as lições do combate que tirou Russomano (ex-candidato a prefeito de São Paulo) do segundo turno. Porque só a autoridade conquistada na luta contra a extrema-direita, pode abrir condições para derrotar a direita liberal.
Bolsonaro ainda hesita. Deu um passo atrás nas provocações bonapartistas no meio do ano, formou um segundo ministério com a saída de Moro e a entrada do centrão, saiu enfraquecido das eleições, e sabe que a turbulência vai aumentar como já se vê com a “guerra das vacinas”, mas pode, também, girar de novo para a aventura do autogolpe.
O maior desafio da esquerda é conquistar a liderança da oposição a Bolsonaro. Mas esta posição está em disputa. A luta pela direção da oposição será encarniçada. A direita liberal venceu em quinze capitais, e saiu fortalecida diante do governo Bolsonaro. Tem apoio em uma maioria do STF, em grande parte dos governadores, da Rede Globo, e no imperialismo. E procura atrair o apoio da esquerda para conquistar as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
Derrotar Bolsonaro é a única estratégia que interessa à esquerda e, quanto mais cedo melhor. O desafio será ganhar audiência de massas para o Fora Bolsonaro. Mas não vai ser simples. O desgaste do governo tem sido lento, e preserva apoio. A última pesquisa divulgada confirma que a dinâmica do desgaste do governo Bolsonaro é desigual, muito maior nas grandes cidades do que no Brasil profundo. Ainda sofremos as sequelas das derrotas acumulados nos últimos anos, mesmo se há elementos de uma inflexão mais favorável. Se for possível confrontá-lo com mobilizações de massas em 2021, melhor. Construir as condições para um impeachment deve ser o centro da tática.
Mas, se a trágica experiência da pandemia, da suspensão do auxílio emergencial, e do desemprego, ou das reformas administrativa e tributária, das privatizações da Eletrobrás e dos Correios não forem suficientes, então a tarefa será impedir que Bolsonaro possa chegar ao segundo turno.
Dessa estratégia decorrem variadas táticas. Mas a esquerda não deve ter duas caras. Não pode ter uma cara quando fala para o povo, e outra quando negocia no Congresso Nacional. Coerência tem importância. No primeiro turno da votação para a presidência da Câmara dos Deputados, os partidos de esquerda podem e devem apresentar uma candidatura unificada com um programa comum. Claro que não somos indiferentes ao desenlace desta disputa. Se Bolsonaro conquistar para Artur Lira a presidência, Bolsonaro ganhará blindagem incondicional até o fim do mandato. Mas a eleição de uma candidatura articulada por Maia não garante, tampouco, a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. A oposição liberal de direita aposta nas eleições de 2022. O papel da esquerda é fortalecer a disposição de luta das massas populares pelo Fora Bolsonaro.
Temos um programa de ação para os primeiros meses de 2021. Vacinação para todos, já! Auxílio emergencial, já! Trabalho para todos, já! Essas são reivindicações que podem incendiar a consciência de milhões. Elas são uma ponte para o Fora Bolsonaro. Sem o Fora Bolsonaro não se vê aonde queremos chegar. Mas sem as reivindicações concretas não é possível caminhar na direção certa. Essa é a arte de um programa transicional que faz mediações, mas aposta na dinâmica de uma radicalização que abre um caminho.
Uma esquerda que ambicione futuro não pode ter duas caras. O centro da tática é a disputa pela liderança da oposição a Bolsonaro. A renúncia à apresentação de uma candidatura de esquerda seria um erro, porque deixa a esquerda oculta atrás da oposição de direita.
É verdade que a luta pelo “impossível” pode inspirar boa poesia, mas não política marxista séria. As massas populares só se colocam em movimento quando acreditam na vitória. As condições objetivas impõem limites que são intransponíveis. Mas organizações socialistas devem ter como primeiro objetivo estimular, inspirar, inflamar a confiança dos trabalhadores em si mesmos, a começar pela juventude, onde o ardor é maior. Assim se mudam as condições objetivas.
A defesa de uma política revolucionária repousa em um “voluntarismo” dos sujeitos sociais, e na força de uma linha de independência de classe. Sem uma vontade organizada, uma determinação de combate, uma paixão consciente não é possível vencer.
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