Bolsonaro: interdição, impeachment e luta política

Jair Bolsonaro tem, desde o início de seu governo, se esmerado em desvios de conduta

(Foto: Divulgação)


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Jair Bolsonaro tem, desde o início de seu governo, se esmerado em desvios de conduta. Sua relação com larga parte da imprensa é a pior possível. Trata a oposição como um grupo de inimigos, em uma guerra constante, em que usa o ressentimento e a disposição verbal para a violência como métodos de estímulo aos seus seguidores nas redes sociais.  

Em dias recentes, multiplicaram-se pelas redes sociais pedidos de sua interdição. A tag #InterdiçãoJá ganhou força no Twitter, após Bolsonaro assumir uma postura de relativizar e subestimar os riscos e efeitos da pandemia do vírus Covid-19 no Brasil, chegando ao limite de sair à rua para cumprimentar aliados, enquanto estava de quarentena, sob suspeita de contágio.

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Ato contínuo, houve vários artigos publicados por juristas e intelectuais nesse sentido, e um pedido formal de um coletivo jurídico para que o Ministério Público Federal o obrigue a se submeter a um exame psiquiátrico. Pedido semelhante já fora feito pelo advogado e professor de Direito, Antônio Carlos Fernandes, em ação popular, em setembro de 2019, arquivada monocraticamente pelo juiz federal da 21ª Vara em Brasília.

É de duas ordens o debate que se coloca quando se intenta sugerir que Bolsonaro possa ser afastado por um processo de interdição. O primeiro é que todos reconhecem que ele já cometeu crimes de responsabilidade em mais de uma ocasião, passíveis de afastamento legal. O pedido de interdição, desse modo, além de objetivar desgastar o governante, indica ser uma forma de evitar o impeachment, por ter um procedimento lento e de difícil previsão. 

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Então, na política, seria encurtar o caminho para afastar Bolsonaro da presidência da República, evitando toda a problemática que envolve o julgamento no Congresso Nacional, sobremaneira nos tempos que vivemos, de paralização. Enquanto o impeachment tem tramitação lenta, obedecendo a etapas sucessivas, a interdição pode ocorrer com considerável velocidade.

O segundo, que decorre desse, é mais complicado. 

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De fato, é tentador acreditar que Bolsonaro possa habitar um mundo etéreo, onde não domine suas faculdades mentais. E que os desatinos por ele cometidos, em atos e palavras, decorra de transtornos de personalidade. Tentador e perigoso.

O grande paradoxo é que, os que pedem para que Bolsonaro seja submetido compulsoriamente a exames, o tratam como doente e, portanto, não responsável por seus atos. Terminam, mesmo que não seja essa a intenção, por redimi-lo. Isso porque, sendo mentalmente doente, seu autoritarismo, sua misógina e racismo, seriam problemas de saúde, não de caráter.

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O Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado durante o governo de Dilma Rousseff, que regulamentou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, considera pessoas com deficiência as que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. 

Nesse sentido, o próprio debate sobre interdição requer um maior aprofundamento, sob pena de, indevidamente utilizado para outros fins, comprometer o acúmulo conquistado pelos movimentos sociais militantes dessa pauta.

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Por outro lado, como o comportamento público de Jair Bolsonaro é o mesmo desde que ele está na política, basta lembrar de suas entrevistas defendendo a tortura e afirmando que se virasse presidente daria um golpe “no mesmo dia”, de exaltação de torturadores, de ameaças infindas e agressões nunca compatíveis com o cargo que exercia, seria, então, de se reconhecer que seu transtorno metal é de caráter crônico e persistente, e que o impedimento para o exercício do cargo de presidente são válidos desde muito antes, o que tornaria todas as ações e procedimentos contra ele - inclusive a condenação por ter agredido verbalmente a deputada Maria do Rosário - anuláveis.

Não. Bolsonaro não é doente mental no sentido clínico. Ele é um indivíduo profundamente autoritário, autocentrado e ignorante. Não tem maturidade nem capacidade intelectual ou emocional para estar no cargo que ocupa. E, principalmente, sente-se fora do alcance de qualquer punição, por isso pratica crimes de responsabilidade como quem diz “boa tarde!”. Não tem apreço nenhum à democracia, por isso desrespeita as instituições e verbaliza acusações sem nexo, afirmando que vai provar uma acusação de crime e depois finge que nunca disse. Relativiza uma pandemia porque entende que isso iria garantir estabilidade ao seu governo, ludibriando a população e escondendo os riscos reais. E tudo isso faz usando as piores e mais grotescas palavras.

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Bolsonaro não sabe usar argumentos. Muitas vezes porque eles não existem mesmo, mas também porque a ele não interessa responder o que lhe é questionado. É um indivíduo que faz suas escolhas de acordo com os valores morais que professa, e que seu livre arbítrio permite. No caminho, sua perversidade e bizarrices se chocam com princípios de direitos humanos e de democracia, e é quando gesta, em muitos de nós, a tentação de imputar-lhe a pecha de doente. 

Erramos quando pedimos interdição de Bolsonaro. E não apenas porque, mais uma vez, jogamos a decisão politica para o Poder Judiciário, o que já é um erro em si mesmo, renitentemente reiterado por muitos que se colocam no campo democrático. Também não só porque tratamos um debate de saúde pública de forma pouco refletida. Mas também, e sobretudo, porque retiramos dele a responsabilidade consciente por seus erros e crimes. E afastamos da sociedade o direito de imputar-lhe responsabilidade por todos os seus atos e falas altamente censuráveis.

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Os pedidos de impeachment, por sua vez, apresentados por duas deputadas e um deputado do Psol e pelo deputado Alexandre Frota, embora possuam embasamento legal formal, deram entrada sem qualquer aglutinação de forças de fora para dentro, capazes de lhe proporcionar qualquer impulso.  Feito em momento que não há olhos da sociedade para um tema tão denso, sobretudo quando o parlamento sequer está em funcionamento normal. Como consequência, não houve qualquer repercussão da solicitação e, com isso, o risco de banalizar o instrumento, enfraquecendo-o para que fosse oferecido em momento propício, após discussão com o conjunto da sociedade, entidades e partidos, está dado.

Se quisermos ter a chance de mudar o rumo das coisas, temos que cultivar os ensinamentos de acumular forças, discutir com os coletivos, alimentar as condições que, ao que tudo indica, estão sendo criadas. A popularidade do presidente boçal despenca, em qualquer pesquisa que se faça, diante do óbvio que ele não tem condições de dirigir a nação. 

Sermos atuantes é observarmos como se move a sociedade neste momento, ao mesmo tempo em que discutimos, elaboramos e oferecemos saídas e alternativas para atravessar a tormenta e para depois dela, em que, definitivamente, o país e o mundo não serão os mesmos. 

Cultivar e estimular o espírito de solidariedade entre as pessoas, como antítese do ódio que vem predominando os últimos tempos; acompanhar, passo a passo, as ações do Estado, fiscalizando, criticando e indicando rumos. Essa me parece a tarefa do agora. 

A queda de Bolsonaro caminha lado a lado com isso e será consequência da percepção sobre sua incapacidade de condução do país em todas as áreas da vida social. O crescimento da rejeição ao “mito” tende a crescer de forma proporcional ao Covid-19. 

Ao invés de nos precipitarmos, precisamos construir as condições objetivas para que ele seja apeado do poder. Inclusive nos preparando para a reação que pode vir, tendo em conta que, um indivíduo com a personalidade dele, quando acuado, tende a ficar ainda mais perigoso para a democracia.

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