Bolsonaro faz o que quer

"Com uma oposição adormecida e incompetente, ninguém o detém. Os tribunais superiores, na sua covardia, não interpõem a força da Constituição. O Congresso, mesmo amuado por não conseguir espaços no governo, o serve e avaliza a sua política econômica destrutiva de direitos estimulando o caráter predatório das elites. Os sindicalistas não conseguem curar a sua ressaca", diz o colunista Aldo Fornazieri

O mito da legitimidade
O mito da legitimidade (Foto: Marcos Corrêa/PR)


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A pesquisa do Datafolha, publicada na última segunda-feira, mostra uma desidratação significativa do apoio popular a Bolsonaro (de 33% para 29%) e um crescimento do número de brasileiros que consideram seu governo ruim ou péssimo (de 33% para 38%). Apenas 78% dos que votaram nele no segundo turno do ano passado votariam nele novamente. Se esta notícia, em tese, é péssima para o presidente, a pesquisa também não é boa para o PT e para Haddad: o número de eleitores que repetiriam o voto no candidato petista caiu para 88%. Dos 12% que não repetiram o voto em Haddad, 4% votariam em Bolsonaro. Já, dos eleitores que se declaram tucanos, o apoio ao presidente subiria de 35% em julho para 42% agora.

Se o conjunto dos números da pesquisa aponta para uma clara tendência de perda de apoio a Bolsonaro, não aponta, contudo, para nenhuma outra saída. Em tese, a esquerda e o centro não aparecem como alternativas atrativas para o eleitorado. Isso mostra a deterioração ainda maior do sistema político, a ausência de lideranças, o aprofundamento da descrença da população e falta de alternativas políticas consistentes e confiáveis. 

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De qualquer forma, a pesquisa não deve entrar muito na linha de cálculo de Bolsonaro para definir ações futuras ou para reformular os rumos de seu governo. Bolsonaro não se move por princípios utilitaristas ou consequencialistas e menos por qualquer ética da responsabilidade. O que o move é a vontade de um poder total. A vontade do poder total é o reino completo da vontade arbitrária, da vontade que não considera nenhuma mediação das instituições, das leis, da Constituição ou da realidade. Tudo o que se interpõe como obstáculo para realizar a vontade do poder total aparece como estorvo que deve ser aniquilado, removido, negado ou ignorado. É assim que se move Bolsonaro. Os seus desatinos até agora não alcançaram consequências ainda mais graves porque ele não tem um movimento totalitário que dê suporte à sua vontade de poder total.

Mas as evidências de que ele é portador desta vontade de poder total são substantivas: ataca os vivos e os mortos; glorifica ditadores e torturadores sanguinários; deseja exterminar os inimigos e expurga aliados; anula os dados científicos e se autoproclama e é proclamado o escolhido por Deus; manda sufocar a pesquisa científica e as universidades; transforma a verdade em mentiras e as mentiras em verdade; espezinha a cultura e a arte; naturaliza o machismo, o racismo e a homofobia; investe contra os direitos e despreza o sofrimento dos mais pobres; com suas palavras estimula a violência contra as mulheres, a violência policial e o fogo na Amazônia; não manifesta nenhum sentimento de piedade e de consternação ante o fogo devastador das florestas, exterminador de animais, aniquilador da biodiversidade. Impiedade e crueldade parecem ser as conselheiras noturnas de sua alma perturbada.

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Bolsonaro se move por uma pulsão de morte, é dominado por Tânato. Parece ter inclinações antropófagas, de comedor de gente, como já chegou a declarar. A sua vontade de poder total é vontade de pura violência. Se pudesse exercer o poder total destruiria reservas ambientais para dar lugar a resorts e balneários, mandaria invadir Fernando de Noronha, acabaria com as reservas indígenas e ordenaria ao exército concluir o extermínio dos índios. 

Bolsonaro faz o que quer. Com uma oposição adormecida e incompetente, ninguém o detém. Os tribunais superiores, na sua covardia, não interpõem a força da Constituição. O Congresso, mesmo amuado por não conseguir espaços no governo, o serve e avaliza a sua política econômica destrutiva de direitos estimulando o caráter predatório das elites. Os sindicalistas não conseguem curar a sua ressaca das bebedeiras dos tempos em que seus dirigentes se apascentavam à sombra do poder. Os juristas não conseguem deixar de depositar fé num Judiciário que não respeita as leis. 

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É preciso compreender que Bolsonaro não se orienta por nenhum sistema de mediações e de civilidade. Por isso, age sem decoro e sem solenidade que o cargo presidencial lhe exige. Assim como desrespeita o Nordeste, desrespeita mandatários europeus e países parceiros comerciais do Brasil, não nutre respeito pelo cargo presidencial. A vontade de poder total pessoal está acima do cargo presidencial. Está acima das leis, da Constituição, das instituições e do próprio Estado. 

Bolsonaro agride a letra e o espírito da Constituição quase todos os dias. A Constituição garante as reservas indígenas que ele quer destruir; garante as áreas de proteção ambiental que ele quer transformar em pasto e cinzas; garante direitos aos trabalhadores que ele os vê como estorvos sacrificantes dos empresários. 

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Aos poucos, Bolsonaro vai esvaziando o débil conteúdo democrático que o Estado tinha. Fez terra arrasada dos conselhos participativos; avança sobre as instituições de investigação e controle do Estado submetendo-as à sua vontade; determina a censura no cinema e em comerciais de TV e silencia os demais integrantes de seu governo desmoralizando vários ministros. 

No início de seu governo dizia-se que Bolsonaro seria controlado e tutelado pelos generais, que formariam o grupo racional do seu governo e seriam um contraponto ao desvario ideológico. Bolsonaro transformou Augusto Heleno de tutor mor da nação em subserviente serviçal e Villas Boas, de general avalista da democracia, se tornou um abonador das sandices do chefe. O vice, Mourão, recolheu suas armas e a lingua e conversa apenas com seus botões. Os demais generais seguem a lei do silêncio comprometendo a imagem do Exército com os desatinos de um que destrói a soberania e torna o Brasil subserviente aos Estados Unidos. 

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Bolsonaro se compraz com poucas coisas: com a afirmação do seu poder para suplantar a sua insegurança; com o estímulo e promoção do poder de seus filhos; com a promoção dos instrumentos de violência e de velocidade e com a destruição dos mecanismos de controle e redução de mortes. Bolsonaro se move por impulsos transgressores, delinquenciais, arruaceiros. 

Bolsonaro faz o que quer. Ninguém o detém. Ele só não destrói mais porque lhe faltam os meios de violência. Talvez os visualize nas milícias ou nos soldados do Exército. Em oito meses de governo já foi em 33 solenidades militares, segundo levantamento da UOL. Isto equivale participar de quatro eventos militares por mês. Como Bolsonaro faz o que quer ele estabeleceu um domínio completo sobre as mentes dos brasileiros, da grande e da pequena imprensa, da imprensa de direita e de esquerda, dos seus apoiadores e dos seus críticos. 

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Sem líderes, sem oposição e sem alternativas, a parte da sociedade que rejeita Bolsonaro mergulha numa espécie de niilismo, deixa-se apoderar por uma depressão social. Não consegue ver saídas e desacredita da luta. Assim, vai se naturalizado a passividade. A oposição que está aí é uma oposição de salão, dos atos solenes, dos piqueniques cívicos na Avenida Paulista, dos burocratas de altos salários nas direções de partidos, dos gabinetes parlamentares eivados de privilégios. É a oposição que Bolsonaro quer. 

O pouco que sobra de seriedade, de dignidade e de combatividade nas esquerdas precisa assumir a consciência de que a recuperação será lenta e longa. Que ela virá de um trabalho árduo e silencioso feito nas bases, na juventude, lá onde o povo pobre está. O mesmo povo pobre abandonado por todos e que as esquerdas o enxergam apenas como número, como voto. Somente este trabalho tenaz centralizado na formação, na organização e nas lutas poderá fazer surgir uma nova liderança, um novo campo progressista e de esquerda, corajosos e combativos, capazes de construir uma nova perspectiva de futuro.

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Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

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