Bolsonaro e os comandantes militares testam os nervos sensitivos das instituições do país
"Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas pretendem assegurar a total impunidade para os crimes cometidos por militares na desastrosa gestão da pandemia", escreve Milton Alves
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O fato político mais relevante da semana foi o pronunciamento unificado dos comandantes militares e do ministro da Defesa bolsonarista, general Braga Netto, ameaçando os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI da Covid] em curso no Senado.
O rompante ameaçador dos comandantes das três armas seguiu o mesmo tom da fala do presidente Jair Bolsonaro, demonstrando uma unidade de propósitos entre o ocupante do Palácio do Planalto e as Forças Armadas.
O pronunciamento conjunto da caserna trata de inibir as investigações que envolvem os militares de diversas patentes, até de um cabo, com as nebulosas operações de compras de vacinas contra a Covid-19 pelo Ministério da Saúde — que, na prática, foi militarizado pelo general Eduardo Pazuello, dirigente da pasta durante o período de maior crescimento do número de mortes pela pandemia no país.
Na verdade, o presidente Jair Bolsonaro e os comandantes militares testam os limites das instituições da República, que atravessam um processo de intenso desgaste diante da população. Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso Nacional e o Ministério Público Federal (MPF) favoreceram as condições para o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff — o que abriu caminho para o surgimento de um governo autoritário com tinturas neofascistas.
Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas pretendem assegurar a total impunidade para os crimes cometidos por militares na desastrosa gestão da pandemia. O governo bolsonarista quer fugir das responsabilidades criminais com o avanço das apurações pela CPI, que liga, cada vez mais, os fios entre a negligência do enfrentamento à pandemia e a montagem de um perverso esquema de propinas na compra de vacinas e de insumos.
O velho recurso dos comandantes militares de bradar em nome de uma pretensa vocação de defesa dos valores superiores da nação, apenas revela uma história de golpes e quarteladas — e de intervenções abusivas na cena política do país.
As Forças Armadas [FFAA] atuam, desde do surgimento da República, como um braço político defensor dos interesses das classes dominantes e das próprias corporações militares, uma espécie de casta incrustada no estado nacional, com um sistema de justiça próprio, aposentadorias especiais, rede hospitalar exclusiva e o manejo de verbas bilionárias para projetos e a compra de armamentos.
Na transição acordada da ditadura para a democracia liberal de teto baixo – consagrada na Constituição de 1988 – as FFAA, além de garantirem a impunidade para os crimes cometidos durante os governos militares, buscaram uma interpretação particular sobre o artigo 142, estabelecendo uma legitimação da tutela militar permanente na vida institucional do país — um monstrengo constitucional, que foi agravado com emprego do dispositivo da Garantia da Lei da Ordem (GLO), recurso autoritário a serviço da repressão aberta contra a população.
Bolsonaro e o “partido militar” estão tensionando o cenário político também como uma resposta ao crescente isolamento político do governo da extrema direita. A provocação, com um claro sentido golpista e de intimidação, ocorre no momento da retomada das mobilizações populares da Campanha Fora Bolsonaro e das inúmeras pesquisas eleitorais que indicam um amplo favoritismo do ex-presidente Lula na corrida eleitoral de 2022.
Infestadas pelo bolsonarismo e o lavajatismo, a reação das instituições da República foi muito aquém da imperiosa necessidade de conter os arroubos autoritários de Bolsonaro e de seus generais.
Neste sentido, a esquerda não pode alimentar ilusões sobre a eficácia de instituições apodrecidas para barrar os planos golpistas do governo da extrema direita – em aliança com setores das PM estaduais e de milicianos. Deve, sim, apostar prioritariamente na agenda de mobilização do povo.
Somente o fortalecimento da frente única da esquerda e dos movimentos populares pode abrir uma nova relação de forças na sociedade, no bojo de uma poderosa onda de protesto e rebelião popular, esmagando os planos autoritários de Bolsonaro e da terceira via da velha direita neoliberal.
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