Bolsonaro e a responsabilidade nos crimes de guerra contra o coronavírus

"Na terra dos governantes de mente plana, a guerra é contra a ciência e as evidências exponencialmente confirmatórias. Os profissionais de saúde alertam que dados estão sendo falseados ou encobertos e que é iminente a catástrofe que devastará a vida de milhares de pessoas, em especial dos mais frágeis e dos socialmente mais vulneráveis", diz a jurista Carol Proner sobre a gravidade da pandemia em um país com governo inepto

(Foto: Alberto Coutinho/GOVBA)


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O coronavírus já inspira a liturgia da guerra em vários países. Macron foi enfático quanto ao inimigo invisível. Trump invocou ato de produção de defesa civil para garantir álcool gel e máscaras em escala militar. Merkel qualifica o vírus como o maior desafio da Alemanha desde a 2ª Guerra Mundial. Mas por aqui, na terra dos governantes de mente plana, a guerra é contra a ciência e as evidências exponencialmente confirmatórias. Os profissionais de saúde alertam que dados estão sendo falseados ou encobertos e que é iminente a catástrofe que devastará a vida de milhares de pessoas, em especial dos mais frágeis e dos socialmente mais vulneráveis.

É claro que o vírus acéfalo, que veio de avião e frequentou as colunas sociais nas festas e casamentos de famosos, já se espalhou nas comunidades carentes. E não foi por acaso que uma das primeiras mortes tenha sido a da empregada de 63 anos que cuidava dos patrões em quarentena na zona sul do Rio de Janeiro, um casal recém chegado da Itália e que passa bem.

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Zizek, um dos primeiros intelectuais a opinar em meio à crise, tem insistido no argumento de que “estamos todos no mesmo barco”, de que saídas individuais não resolverão e que estamos diante da oportunidade de um “novo comum”, uma mudança ética que possa resgatar a racionalidade humana para salvar vidas. Mas talvez o filósofo esloveno, comovido pela solidariedade de outros países à Itália, mude de ideia ao conhecer a evolução do coronavírus no Brasil, onde a concentração de renda e de privilégios é extrema e que, por força dos golpes e das guerras híbridas, vem sendo governado por um bando de loucos violentos.

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra. Talvez achem que a circulação no barco de que fala Zizek possa ser feita com as pulseiras fosforescentes de acesso privilegiado, como estas que são usadas nos cruzeiros de luxo e festas de bacanas, evitando a entrada do vírus nos andares superiores. Nos porões do Brasil, mesmo com um programa de assistência única de saúde que pode ser considerado um exemplo para o mundo, estarão as vítimas mais numerosas, como já previnem os especialistas. No porão também está a multidão prisional, que já é grandemente formada por mortos-vivos, mas isso também faz parte da guerra.

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Se é guerra, identifiquemos o inimigo e suas armas. E evoquemos a legislação com a mesma licença analógica dos dirigentes europeus, adaptando os tipos de crime às condutas a partir dos efeitos mórbidos. Se álcool gel é arma contra o vírus das multidões, qual será a arma contra um governo terraplanista que nega a gravidade da doença? Negar, sonegar, deixar de prover recursos para a saúde, não informar, desinformar, mentir e aplicar a perversidade das fake news contra as vidas humanas. Que tipo de novo crime é esse? Como qualificar os agravantes místicos das teorias conspiratórias e a responsabilidade de religiosos oportunistas no descarrilar da pandemia no Brasil?

O que Bolsonaro faz é lesa humanidade ou é diretamente genocídio? Sim, porque a única dúvida seria a de como enquadrar “tecnicamente” a atitude do capitão aos marcos do direito internacional, um exercício teórico relativamente inútil, já que os mortos, em proporção bélica, logo estarão na superfície.

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Talvez Olavo de Carvalho, após estimular as multidões a comparecerem às ruas no dia 15 de março, tenha gostado de pensar, sugerindo ser coisa de Bill Gates, que o coronavírus foi criado para reduzir a população. Eis algo que pode inspirar os sonhos distópicos dessa gente: inocular no coronavírus a aporofobia que contamina as relações sociais no Brasil e no mundo, pulseirar o vírus com o ódio aos indigentes e restringi-lo aos porões de parasitas, em especial os pobres idosos, numa versão brasileira do filme de Bong Joon Ho.

Neste mesmo bairro da zona sul onde trabalhava a cuidadora do casal em quarentena, as panelas bateram com força nessa quarta-feira, acompanhadas de gritos de “louco”, “miliciano” e “assassino”. Já é um começo, mas o tom deverá subir quando ficar evidente que Presidente da República é um aliado do coronavírus e que o comportamento governamental é criminoso diante de um novo tipo de guerra internacionalmente considerada.  

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Carol Proner*

*Doutora em Direito Internacional, membro-fundadora da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).

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