Bolsonaro convida os trabalhadores a voltarem aos seus postos, como se cruzassem o portão de Auschwitz

"Jair Bolsonaro, insiste na volta ao trabalho, consciente do risco de morte dos trabalhadores, por coronavírus. Quando esses acorrerem aos seus postos, talvez estejam caminhando para o contágio e o fim", escreve a jornalista Denise Assis

(Foto: Reprodução)


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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

“O Trabalho Liberta” – os dizeres encimavam o portão do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde se estima que o aparato de guerra nazista tenha assassinado 1,3 milhão de pessoas – principalmente judeus, mas também poloneses cristãos, ciganos e soviéticos. No domingo (10), a Secom do governo afirmou em mensagem no Twitter que “o trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”. Bastava bater os olhos e a ligação entre um momento e outro se fazer de imediato. 

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Foi o que aconteceu com Michel Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP) e representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso. Ao ler a expressão, com construção próxima à de um slogan do nazismo, rebateu de pronto, em declaração à BBC News Brasil: “agride a memória de vítimas do Holocausto e ofende a sensibilidade de sobreviventes”, disse. 

E pouco adiantou o secretário Fabio Wajngarten espernear tentando desmentir o teor de sua mensagem, alegando ser ele um “judeu”. Isto não o redime de integrar um governo fascista, que já precisou demitir Roberto Alvim do cargo de secretário de Cultura, por ter gravado discurso inspirado na declaração do ideólogo nazista Joseph Goebbels. O estrago estava feito. A reação da colônia judaica brasileira - ou pelo menos parte dela, pois é bom lembrar que uma parcela ajudou a eleger Bolsonaro -, foi estridente.

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E tanto mais, que justo naquela data o Brasil computava 10 mil mortos pelo coronavírus, vivendo aproximadamente 50 dias de quarentena, levando Câmara e Senado a decretar luto oficial por três dias.

A imagem das bandeiras a meio mastro, tremulando sob o céu de Brasília não tocou Bolsonaro, que preferiu vestir trajes esportivos e zarpar para um passeio sobre as águas do Lago Paranoá, montado numa moto-aquática. Sua atitude pode ser enquadrada numa espécie de protesto. Desde que a pandemia foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que ele desfaz da sua gravidade e tenta fazer com que as pessoas voltem ao trabalho, para não comprometer a economia e, por tabela, o seu futuro político.

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É aí, neste momento, em que o slogan do portão de Auschwitz e a frase cunhada pela Secom, se encontram. Aos olhos dos que estavam de fora do campo de concentração, ali era um “local de trabalho”. Quando as famílias judias cruzavam aquele limite, no entanto, caminhavam para a morte. Cinicamente, na mensagem subliminar dos nazistas, uma “libertação”. (E quantos não se suicidaram, preferindo libertar-se das atrocidades, através da morte?). 

Já, Bolsonaro, insiste na volta ao trabalho, consciente do risco de morte dos trabalhadores, por coronavírus. Quando esses acorrerem aos seus postos, talvez estejam caminhando para o contágio e o fim.

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Tem razão o líder da colônia judaica em estabelecer a semelhança entre um slogan e outro. A dramaticidade daqueles tempos é revivida em obras e mais obras, filmes e mais filmes. Mas, tal como afirmou Hannah Arendt, “não existem paralelos à vida nos campos de concentração. Seu horror não pode ser inteiramente alcançado pela imaginação, justamente por situar-se fora da vida e da morte”. As covas rasas de Manaus nos lembram as cenas do holocausto. E não há como apagar isto. 

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