Bolívia: Bolsonaro acusa o golpe

Para Carol Proner, a decisão da justiça boliviana que condenou Jeanine Ánez tornou-se uma advertência para novas tentativas de golpe com aparência de legalidade

Jair Bolsonaro e Jeanine Áñez
Jair Bolsonaro e Jeanine Áñez (Foto: Alan Santos/PR | Reuters/Marco Bello)


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Por Carol Proner

Entre tantos temas internacionais importantes nas últimas semanas, uma decisão da justiça boliviana chamou a atenção de Jair Bolsonaro: a sentença que condenou a ex-Presidenta Jeanine Añez por atuação ilegal na irrupção violenta da ordem constitucional de 2019.

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A decisão do Tribunal Primeiro Anticorrupção de La Paz responsabilizou, no último dia 10 de junho, além da ex-senadora, o ex-comandante das forças armadas Williams Kalimar e o ex-comandante de polícia Yuri Calderón, atribuindo a cada um a pena de 10 anos de prisão. Também foram condenados outros integrantes das Forças Armadas e policiais por atuação direta no violento golpe cívico, político e policial que impediu a continuidade do governo de Evo Morales e do Movimento ao Socialismo (MAS) após vitória nas eleições em primeiro turno.

Bolsonaro acusou o golpe ao criticar a sentença. Comparou a decisão ao que considera um arbítrio da justiça brasileira pela condenação de apoiadores e parlamentares de extrema direita que agiram contra a independência dos poderes e contra o Estado Democrático de Direito.

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Podemos até concordar com Jair Bolsonaro. Não só é possível, como recomendável comparar Bolívia e Brasil, tanto pela independência judicial e capacidade soberana de censurar atos antidemocráticos como pela similitude quanto aos métodos e o projeto de desestabilização antidemocrática de certos setores que premeditam contra a vontade popular.

Durante o juízo oral, Jeanine Añez queixou-se da falta de apoio de ex aliados e da ausência de testemunhas de defesa que poderiam esclarecer o que realmente aconteceu. A ex-mandatária alegou ter sido “convidada” a ocupar a presidência, tendo sido conduzida no helicóptero presidencial e recebida com honras de chefe de Estado perante a Assembleia Legislativa Plurinacional, momento em que se autoproclamou Presidenta em uma sessão absolutamente irregular, sem quórum, com a ausência de legisladores do partido majoritário MAS e antes da renúncia formal de Evo Morales e do vice-Presidente Álvaro García Linera.

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Por certo, sabe-se que, além dos partidos da oposição, também empresários, setores da igreja católica, grupos militares e policiais premeditaram a investidura ilegal nos dias que se seguiram à irrupção violenta deflagrada por um relatório da OEA questionando o resultado eleitoral em primeiro turno. O fato insólito e decisivo da Missão de Observação Eleitoral da OEA é estudado como um exemplo de violação da isenção por parte da OEA, ferindo gravemente o princípio de não intervenção em assuntos internos.

Desde então, e com a renúncia e o exílio forçado de Evo Morales e de outros integrantes do MAS, os episódios de violência e repressão vitimaram 37 vidas, mais de 500 feridos e produziram o encarceramento político de aproximadamente 1500 pessoas, crimes que serão avaliados em processos judiciais pendentes de julgamento.

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Dos incidentes odiosos ocorridos no frustrado processo eleitoral de 2019, muitos podem ser recordados como uma espécie de aviso aos navegantes no Brasil: de comitês cívicos paramilitares, incendiando casas e juntas eleitorais, às “motociatas” de opositores armados intimidando mulheres indígenas pelas ruas de La Paz. 

Os métodos de terror e violência que ocorreram na Bolívia apontam para a materialização das ameaças bolsonaristas de corte fascista e suas graves consequências caso a vontade das urnas não seja respeitada em outubro deste ano.

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Além disso, há outras pontes entre o Brasil de Bolsonaro e a Bolívia de Añez no que se refere à defesa mútua de investiduras farsescas. Informações da diplomacia boliviana dão conta de que o então embaixador brasileiro em La Paz, Otavio Côrtes, fez parte das tratativas da sucessão inconstitucional, participando de reuniões com embaixadores de outros países e com os líderes da oposição Carlos Mesa e Fernando Camacho. 

Lembremos que, desde o primeiro momento, o Brasil reconheceu a legitimidade do mandato forjado, alinhando-se aos Estados Unidos de Donald Trump, à Colômbia de Iván Duque e à Argentina de Maurício Macri, além da própria OEA secretariada por Luis Almagro. 

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Com a restauração da legalidade e da legitimidade dos poderes públicos, o Estado boliviano tem a obrigação de investigar os fatos e puni-los, sendo o poder judiciário o único habilitado a fazê-lo, garantindo um processo de transição para o restabelecimento da memória, da verdade e da justiça orientado sob os princípios de autodeterminação, do devido processo legal e da não ingerência nos assuntos internos.

Em tempos de ameaças híbridas que desestabilizam toda a América Latina, a decisão da justiça boliviana vai além do próprio país, tornando-se um referencial e uma advertência para as novas tentativas de golpe que se valem de ritos farsescos com aparência de legalidade.

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