Boaventura de Souza Santos e as esquerdas
O conceito de esquerda ampliou-se em relação à movimentação histórica do socialismo, à medida que foi se expandindo para além da luta (mais que atual e necessária) pela igualdade social, rumo a uma miríade de demandas surgidas em nome das liberdades individuais e coletivas
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O Trilhas da Democracia do domingo, 22 de dezembro, recebeu o sociólogo e jurista português Boaventura de Sousa Santos para uma entrevista de uma hora de duração. Na primeira parte, o diálogo girou em torno do recém lançado O fim do império cognitivo. A afirmação das epistemologias do sul (Belo Horizonte: Autêntica, 2019). Na segunda parte, a conversa deslocou-se para Esquerdas do mundo, uni-vos! (São Paulo: Boitempo, 2018).
A permear as duas partes da entrevista com o intelectual que tem a sua trajetória intimamente vinculada à história do Fórum Social Mundial, a preocupação central com a construção de um projeto contra-hegemônico, que seja capaz de fundamentar o combate às três principais modalidades sistêmicas de opressão/exploração erigidas e/ou reforçadas no curso da modernidade ocidental: o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado.
Para tanto, Boaventura apresenta a necessidade de “aprendizagens globais” geradas por um “Sul epistemológico” originado do conjunto das lutas sociais e políticas travadas exatamente contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, “tanto no Norte geográfico como no Sul geográfico”, dando forma a um mecanismo de alimentação e retroalimentação entre saberes/conhecimentos e lutas anti-sistêmicas.
Com a sua defesa das “epistemologias do Sul”, o professor da Universidade de Coimbra não estabelece uma ruptura apenas com o “Norte epistemológico” ocidentalocêntrico, mas também com a tradição socialista e comunista que, desde meados do século XIX, localiza na luta de classes o espaço central da conflitualidade social – uma noção que hierarquiza os tipos de luta social tendo como base uma “ontologia do ser social” que não resiste à observação da multiplicidade de fundamentos objetivos que propulsionam diversos sujeitos históricos a se fazerem presentes na gigantesca arena de conflitos existentes politicamente desde, pelo menos, a grande virada de 1968.
Dito de outra maneira, o conceito de esquerda ampliou-se em relação à movimentação histórica do socialismo, à medida que foi se expandindo para além da luta (mais que atual e necessária) pela igualdade social, rumo a uma miríade de demandas surgidas em nome das liberdades individuais e coletivas, bem como na direção do reconhecimento dos direitos relativos à afirmação da diversidade.
Com isso, o conceito de esquerda estaria, hoje, muito mais próximo da versão contra-hegemônica dos direitos humanos do que propriamente de uma ideia de socialismo que insiste em situar na luta de classes a decisiva chave de compreensão e superação das relações de exploração e opressão existentes na atualidade, ainda que recorrendo à “varinha de condão do uso das múltiplas mediações”.
Em tempos sombrios como os que vivemos, cujos riscos de regressão passam pela ofensiva do “fascismo político” num cenário que já é de “fascismo social”, talvez seja uma questão de sobrevivência – política e física – para as esquerdas superar as disputas inócuas em torno de qual luta é mais central, por intermédio da distinção entre “lutas urgentes” e “lutas importantes” (para fazer, outra vez mais, uso do vocabulário utilizado por Boaventura de Sousa Santos).
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