Bispos, apoiados pela sociedade, divulgarão Carta dia 11
"Após esperarem uma manifestação – que não ocorreu – do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), bispos que organizaram a Carta ao Povo de Deus decidiram, em reunião no sábado, divulgar oficialmente o documento no próximo dia 11, quando a igreja comemora o dia de Santa Clara", informa o jornalista Marcelo Auler
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Por Marcelo Auler, em seu Blog - Após esperarem uma manifestação – que não ocorreu – do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), bispos que organizaram a Carta ao Povo de Deus – divulgada pela jornalista Mônica Bergamo, em 26/97, na Folha de S. Paulo – decidiram, em reunião no sábado (08/08), divulgar oficialmente o documento no próximo dia 11 (terça-feira), quando a igreja comemora o dia de Santa Clara. Até lá, o documento que inicialmente continha cerca de 150 assinaturas, tal como mostramos em Carta ao Povo de Deus: CNBB se cala, padres apoiam, poderá receber novas adesões.
Neste domingo (09/08) quando movimentos da sociedade civil, a começar pelo Projeto Brasil Nação, promoverão um ato ecumênico virtual em apoio à carta dos bispos, três representantes do episcopado brasileiro – dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus,(AM), dom Vicente de Paula Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG) e dom Zanoni Demettino Castro, arcebispo de Feira de Santana (BA) e bispo referencial da Pastoral Afro-Brasileira da CNBB, em mensagem gravada irão agradecer o apoio e conclamar a todos que assuma os compromisso que o documento propõe.
Inicialmente a Carta ao Povo de Deus, com um forte posicionamento contrário ao governo de Jair Bolsonaro, seria divulgada em 22 de julho, doa da Santa Maria Madalena, considerada a “Apóstola dos Apóstolos”. Os organizadores do documento, porém, preferiram antes apresentá-la ao Conselho Permanente da CNBB, composto pela diretoria da entidade e os presidentes das 18 Regionais e das suas 14 Comissões. Esperavam um pronunciamento dele.
Na última quarta-feira (05/08) durante a reunião do Conselho Permanente a Carta ao Povo de Deus n]ao foi discutida. Não houve qualquer manifestação. a cúpula da CNBB preferiu da ênfase a outro documento, o Pacto Pela Vida e Pelo Brasil que a entidade assinou junto com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), divulgado em 7 de abril, dia mundial da saúde.
É um documento forte, mas fica aquém do posicionamento dos bispos na Carta. Em o Pacto Pela Vida e Pelo Brasil, as entidades defendem a transparência nas políticas públicas e a prioridade do humano sobre o financeiro:
“Em face da expansão da pandemia e de suas consequências, é imperioso que a condução da coisa pública seja pautada pela mais absoluta transparência, apoiada na melhor ciência e condicionada pelos princípios fundamentais da dignidade humana e da proteção da vida. Reconhecemos que a saúde das pessoas e a capacidade produtiva do país são fundamentais para o bem-estar de todos. Mas propugnamos, uma vez mais, a primazia do trabalho sobre o capital, do humano sobre o financeiro, da solidariedade sobre a competição”.
O que para muitos pode parecer um recuo da entidade, para outros, inclusive bispos e religiosos, é uma atitude acertada, frente à divisão do episcopado brasileiro. Nele, não se pode esquecer, há uma parcela conservadora e até mesmo grupos bolsonaristas que não viram com bons olhos as críticas ao presidente. Que o diga o bispo de Itapeva (SP), dom Arnaldo Carvalheiro Neto, que sofreu críticas de seus paroquianos e precisou vir a público explicar o sentido da carta (ouça aqui).
Por isso, no entendimento de um dos bispos signatários da mesma, a Carta ao Povo de Deus, por se colocar “dentro do múnus apostólico dos bispos, está em Comunhão com o Papa Francisco, na defesa dos pobres”. Com ela, no entendimento daqueles que aderiram, evita-se “que a CNBB tenha que fazer um pronunciamento que venha a desgasta-la diante das críticas constantes feitas por setores da sociedade que se afirmam católicos, mas que desconhecem os mecanismos de comunhão dentro da Igreja, sobretudo depois do Concílio Vaticano II”. Isso, porém, precisa obter apoio amplo, bem superior às cerca de 150 assinaturas iniciais. Como lembra a fonte do Blog, “quanto mais bispos assinarem a carta, mais a CNBB estará sendo reconhecida”. Na Carta, os signatários defendem:
“O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos.”
Do ato ecumênico deste domingo – transmitido a partir das 11h pela TV dos Trabalhadores, emissora ligada à CUT (Central Única dos Trabalhadores) -, o apoio aos bispos virá de diversas outras religiões. Haverá participação de evangélicos, batista, luterano, anglicano, religiões de matriz africana, rabino, muçulmano, espírita. Além das mensagens dos bispos citados acima, haverá também uma manifestação do cardeal emérito de São Paulo, dom Claudio Humnes e o bispo emérito dom Angélico Sandalo Bernardino, um dos que assinaram o documento.
O ato surgiu por iniciativa dos coordenadores do Projeto Brasil Nação, entre eles o ex-chanceler Celso Amorim, o economista Luiz Carlos Bresser Pereira e a jornalista Eleonora de Lucena. No dia 31 de julho, dias depois de vazada a Carta na imprensa, o Projeto Brasil Nação soltou o documento de apoio ao abaixo-assinado dos bispos (leia na ilustração ao lado).
De imediato houve a adesão de 170 pessoas entre elas Margarida Genevois, Fábio Konder Comparato, João Pedro Stedile, Luciano Coutinho, Maria Victoria Benevides, Chico Buarque, Caetano Veloso, Raduan Nassar, Milton Hatoum, Luiz Gonzaga Belluzzo, Paulo Sérgio Pinheiro, Paulo Nogueira Batista Júnior, Carol Proner, Wagner Moura, Paula Lavigne, Monja Coen e Silvio Tendler.
Aberto ao público através da internet, o documento de apoio aos bispos já tinha recebido na manhã deste domingo (09/08) a adesão de mais de cinco mil pessoas. Ele pode ser endossado aqui
Diante do falecimento do bispo Pedro Casaldáliga, que também endossou a Carta, no ato ecumênico deste domingo ele será lembrado e homenageado pelo coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, João Pedro Stédile.
“Carta ao Povo de Deus”
“Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.
Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados […], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus […] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta.
É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.
O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.
Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença.
É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).
Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população.
O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.
O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.
No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.
Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).
Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?
O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.
Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).
Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).
O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós.
O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26).
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