Bispo culpa governador do Amazonas por violência

Em documento entregue pelo arcebispo de Manaus à procuradora-geral de Justiça do Amazonas, 51 organizações sociais solicitam a responsabilização criminal do governador, Wilson Lima (PSC), pelo clima de violência gerado pela PM nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba



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Por Marcelo Auler, em seu blog

Em documento entregue pelo arcebispo de Manaus, dom Leonardo Ulrich Steiner, à procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Nascimento Albuquerque, 51 organizações sociais solicitam a responsabilização criminal do governador do estado, Wilson Lima (PSC), pelo clima de violência gerado pela Polícia Militar nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (a 150 quilômetros de Manaus). A partir de uma “desastrosa operação policial”, em agosto ocorreram sete mortes entre indígenas, ribeirinhos, policiais militares, adolescentes e um suposto traficante. Três jovens estão desaparecidos, entre eles um indígena. Há feridos e diversas denúncias de torturas e maus tratos cometidas pela força policial.

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O documento – Manifestação contra a violência da Polícia Militar no Rio Abacaxis e na Terra Indígena Coata-Laranjal, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (íntegra abaixo) – pede ainda “que sejam de imediato afastados dos seus respectivos cargos o Secretário responsável da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Amazonas (coronel Louismar Bonates); o Comandante Geral da Polícia Militar (coronel PM Ayrton Norte) presente no local e citado diretamente na prática de torturas; o Corregedor Geral do SSP (delegado George Gomes) e delegados também presentes na operação” . Enfim, as entidades da sociedade civil querem o afastamento de toda a cúpula da segurança pública no Amazonas.

Segundo o documento divulgado na manhã desta segunda-feira (17/08) em entrevista coletiva “improvisada” na sede da arquidiocese, pelos “relatos dos moradores da região, tudo indica que houve uso indevido de forças policiais para serviços particulares, tortura, cerceamento de liberdades individuais e coletivas, queima de casas e até execuções estão na lista de crimes que foram praticados na região durante ações da polícia militar nos últimos dias”.

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Para o arcebispo, “a questão é grave e espero que o estado se mexa. É preciso apertar o governo do estado. Não podemos continuar desse jeito. Não podemos continuar a massacrar os pobres. Não podemos continuar a matar. Não temos o direito de matar ninguém. Seja através da morte matada, seja devagarinho, colocando estas pessoas de tal forma para dentro das florestas que não tenham como sobreviver. É tarefa do governo, é tarefa do estado dar segurança às pessoas, às populações indígenas, às populações ribeirinhas”.

“Não podemos deixar em branco, não. Não é o único caso.”

Dom Steiner insistiu: “meu apelo é de que o estado assuma as responsabilidades. O estado tem uma responsabilidade. A polícia militar está ligada diretamente ao estado. Não quero condenar os policiais, que as vezes estão apenas executando ordens. Mas o estado precisa se responsabilizar. O estado tem que se responsabilizar pelas mortes e pelas torturas feitas. Não podemos deixar em branco, não. Não é o único caso. Os outros não têm vindo à tona ainda, mas os povos indígenas têm encontrado muitas dificuldades. Realmente esperamos que seja apurado e sejam responsabilizadas as pessoas. Não podemos continuar assim no estado do Amazonas.”

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A operação policial, conforme vem sendo denunciado nos últimos dias, foi uma espécie de retaliação à proibição, em 24 de julho, do ingresso de uma lancha, sem autorização legal, no Rio Abacaxis, para a prática de pesca esportiva. A área é habitada pelo Povo Indígena Maraguá, por isso de acesso limitado.

Na embarcação de turismo estava o secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa. Eles não tinham licença ambiental para ingressarem na área e ainda estavam desrespeitando a quarentena e o isolamento social recomendados nesta época de COVID-19. No enfrentamento ocorrido, Rezende Costa foi ferido no braço.

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O Rio Abacaxis, como lembrou o procurador da República Fernando Merloto Soave também presente à entrevista, “não é um rio de trânsito, não leva de uma cidade a outra cidade. Então não tem porque ninguém entrar lá a não ser o próprio povo que usa aquele território. Isso é um detalhe importante que não se fala. Enfim, quem tem direito a usar um rio que sequer é de trânsito – ele não é o Purus, não é o Juruá, não é o Negro no sentido de ter que levar de um local para outro -, é aquele povo. O povo que vive lá, o povo indígena, o povo ribeirinho. Qualquer outro uso que saia dessa dinâmica, necessita a consulta àquelas populações, autorização legal”. Foi a cobrança desta autorização que gerou o enfrentamento no qual Rezende Costa saiu ferido.

Por conta do ferimento no secretário, a mesma embarcação de turismo que tentou fazer a pesca esportiva retornou à região, em 4 de agosto. Levava policiais militares à paisana, “o que é algo bastante temerário”, no entendimento de Soave. Nesta operação, o sargento Manoel Wagner Silva Souza e o cabo Márcio Carlos de Souza foram assassinados, provavelmente em um enfrentamento com supostos traficantes que se escondem na região onde além do povo indígena estão dois assentamentos do Incra. Isso desencadeou operações ainda maiores, com mais de 50 policiais militares ocupando a região, sem qualquer comunicação à Funai.

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Neste clima de violência o corpo do indígena Josimar Moraes de Silva, de 26 anos, apareceu, na sexta-feira (07/08) boiando em um rio. Seu irmão Josivan, 18 anos, que viajava na mesma rabeta (pequena embarcação), continua desaparecido. Na véspera, eles tinham se deslocado ao centro do município de Nova Olinda do Norte com outros indígenas em outras seis embarcações. Foram buscar mantimentos. No retorno, depois que cruzaram com uma lancha da Polícia Militar, os índios que estavam mais à frente, ouviram tiros e não mais avistaram os dois irmãos.

“Queria que a polícia fosse homem para dizer: ‘A gente matou por engano’. Foi erro deles entrarem em área indígena, eles não têm autorização”, disse a cacique Munduruku Alessandra Macedo, 30 anos, da aldeia Laguinho, à Agência de Notícias das Favelas, como consta da reportagem PM do Amazonas é acusada de torturar e matar indígenas em operação. Segundo a mesma notícia, a Secretaria de Segurança Pública disse que “a suspeita é que [Lopes] tenha sido assassinado por traficantes da área, ainda sem motivação esclarecida”.

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“É necessária a revisão das práticas policiais no estado”

No domingo (09/08), outros três corpos foram localizados por ribeirinhos no Rio Abacaxis. Eram de Anderson Barbosa Monteiro, 34 anos, sua mulher Vandrelania de Souza Araújo, 34 anos e o filho do casal, Matheus Cristiano Araújo, 14 anos. Moravam na comunidade Monte Horebe, pertencente ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Abacaxis 2, do Incra. Segundo ribeirinhos, os três foram obrigados a entrar numa lancha da PM, na quinta-feira (06/08), sob o pretexto de servirem de guia aos policiais militares de Manaus. Seus corpos ficaram boiando durante três dias na beira da Aldeia Terra Preta onde encontra-se o Povo Maraguá, poluindo a água que os indígenas usam para consumo.

A partir das denúncias de ribeirinhos e indígenas, o Ministério Público Federal conseguiu junto à Justiça Federal o envio da Polícia Federal para o local. Foram investigar a invasão de terras indígenas e os possíveis crimes ali cometidos. Na sexta-feira (14/08), a partir da intercessão da Sexta Câmara Federal do MPF em Brasília, a Força Nacional enviou 30 agentes para auxiliarem na segurança da região.

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Como explicou o procurador da República Soave. há uma ação civil pública na Justiça Federal pedindo que a Polícia Militar suspenda suas operações na região. A Secretaria de Segurança alega que investigam uma organização criminosa responsável por tráfico de drogas, entre outros crimes. Apontam, inclusive, alguns dos que morreram como envolvidos na quadrilha. Mas nada fica claro.

Para o procurador, diante das denúncias que surgiram de atrocidades cometidas pela Polícia Militar, “é de bom tom não só a justiça determinar (a retirada da PM), mas o próprio governo do Estado do Amazonas adotar uma postura no sentido de demonstrar a sua isenção nessa apuração. Se houve ou não ilícitos, que isso seja investigado. Mas seja investigado por quem, em tese, não sejam os denunciados. Não há investigação legítima sem que seja dessa maneira”.

Há um total descrédito das forças de segurança do estado. Tanto assim que no documento divulgado nesta segunda-feira, está posto de forma clara:

“As entidades que subscrevem esta carta, além de denunciarem essa inaceitável violência praticada no rio Abacaxis e na Terra Indígena Coatá Laranjal, clamando pela apuração rigorosa dos fatos ali transcorridos, vêm a público expressar sua preocupação com a necessidade de revisão completa das práticas policiais no estado”.

O procurador da República lembrou que a “região é muito complexa do ponto de vista territorial. Há terras indígenas demarcadas e homologadas, como o caso dos Munduruku. Há territórios indígenas pleiteados, como o caso dos Maraguás, que se sobrepõem a assentamentos extrativistas do Incra, assentamento que é de uso tradicional, que não são aqueles assentamentos clássicos”.

Segundo ele, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS há tempos denuncia “ilícitos que acontecem nessa região. A própria população denuncia o tráfico, a mineração ilegal, tudo fruto de anos e anos de omissão do poder público, da fiscalização. Não só lá, mas em toda a Amazônia”.

Procuradora-geral: “não é o primeiro caso de tortura no AM”

Ao receber o documento da mão do arcebispo, a procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Nascimento Albuquerque, depois de esclarecer medidas já adotadas – uma equipe com técnicos e dois promotores esteve na região – acabou confessando certa limitação no seu trabalho:

“É importante que movimento social e as entidades que lidam e acompanham diuturnamente estas lutas dos povos indígenas e populações tradicionais no nosso estado se unam realmente. Que tenham voz nesse momento. É muito importante a voz da sociedade civil em um momento como este. As autoridades não podem tudo. Muitas vezes o Ministério Público tem muita vontade de alcançar determinado desiderato no sentido de contribuir com a luta destas populações e não tem a ressonância devida junto àqueles que têm o poder de decisão. O movimento social cumpre esse papel de somar forças”.

Pelo jeito, ela não duvida da possível prática de tortura por parte da força policial pois, como disse, “não é o primeiro caso que se tem registro de torturas no Estado do Amazonas. Fiz questão de convidar para este momento aqui o dr. Gaspar que coordena um trabalho de prevenção e combate à tortura, à frente de um comitê com este fim, para demonstrar todo o nosso interesse em contribuir no combate a este tipo de prática. Podem ter certeza, não vamos aceitar O que o Ministério Público estadual puder fazer para contribuir com esta luta, nós faremos”.

As exigências do documento

No documento divulgado ontem, as 51 entidades cobram das autoridades dez medidas imediatas, a saber:

1. O cessar imediato de todo tipo de repressão e/ou violência que vem sendo cometido contra comunidades tradicionais, o Povo Indígena Maraguá e Povo Indígena Munduruku, que habitam os Rios Abacaxis e Rio Marimari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba.

2. Que a Polícia Militar dê por finalizada a operação e retire-se da região.

3. Que se constitua uma comissão especializada do Conselho Nacional de Direitos Humanos para realizar uma visita nos Rios Abacaxis e Marimari, e elaborar um informe sobre as violações de direitos fundamentais das comunidades tradicionais, Povo Maraguá e Povo Munduruku, que habitam nos Rios Abacaxis e Marimari.

4. Que a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Defensoria Pública e Ministério Público do Estado realizem as investigações devidas para a apuração dos fatos, com a realização de uma missão independente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

5. Que se providencie o deslocamento para a região de equipe do corpo de bombeiros para buscas da vítima desaparecida que pertence ao Povo Munduruku.

6. Que a Polícia Federal permaneça na região pelo menos durante 60 dias para resguardar a segurança e integridade física das comunidades e povos indígenas da região.

7. Que se realize uma audiência pública na aldeia Laguinho da Terra Indígena Coata Laranjal do Povo Indígena Munduruku, na qual todos os fatos possam ser relatados e denunciados com segurança.

8. Que haja a presença da Força Nacional, garantindo a segurança dos indígenas e comunitários, e a apuração dos crimes relatados, haja vista as denúncias de envolvimento da polícia militar do Amazonas nas mortes de ribeirinhos e indígenas.

9. Que sejam de imediato afastados dos seus respectivos cargos o Secretário responsável da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, o Comandante Geral da Polícia Militar presente no local e citado diretamente na prática de torturas; do Corregedor-Geral do SSP, e Delegados também presentes na operação.
10. Determine-se a responsabilidade do Governador do Estado, Wilson Lima, pela desastrosa operação policial.

Leia aqui: Bispo e 51 entidades cobram explicações do governo do AM

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