Biden: Virada à esquerda?

O Presidente Biden martelou que o Estado deve investir para trazer soluções aos problemas da sociedade, ele deve ser o motor para transformar a sociedade! Ser de esquerda ou não, ninguém pode criticar as medidas sociais contidas no plano de relance do presidente americano



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Esta reflexão surge depois de assistir as reações de alguns jornalistas e intelectuais brasileiros e franceses classificando o novo presidente americano Biden de esquerda...De esquerda ou não os 100 dias de Joe Biden no cargo da presidência americana teve anúncios surpreendentes! Seu plano de relance é o mais social de todos os tempos nos Estados Unidos. Ele não se limita aos estímulos econômicos, ele rompe com o tabu da dívida pública e redesenha o papel do Estado providência americano numa virada Keynesiana que põe em causa os 40 anos de neoliberalismo. Bastou uma frase de Biden para despertar uma enorme curiosidade e empolgar a ala esquerda do partido democrático. Joe Biden afirma que a teoria do “trickle-down” nunca funcionou! O presidente Biden quer acabar com o tratamento fiscal preferencial que beneficia os ricos. No dia 28 de abril, o presidente dos Estados Unidos propôs uma série de medidas com o objetivo de aumentar os impostos para o 1% mais rico, preservando a classe média. Joe Biden disse que havia chegado hora das empresas americanas e o 1% mais rico dos americanos começarem a pagar sua parte justa. Tributar o capital financeiro era coisa impensável no império.

Para explicar ao grande público do jornal, essa teoria econômica não comprovada e criticada por uma maioria de economistas defende uma redução dos impostos para os mais ricos. O Estado deve permitir o enriquecimento dos que estão em melhor situação (os mais ricos) para que eles reinvistam no sistema econômico – através da poupança. (investimento) ou consumo - renda auferida. Isso ajudaria a estimular a atividade econômica e o emprego para o resto da sociedade. M. Biden com seu plano de relance enterra a teoria do “tricle-down”. 

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A pergunta então surge : Joe Binden é hoje de esquerda?

Vejamos que as principais medidas do plano Biden prioriza as famílias de baixa renda com créditos fiscais substanciais; Uma das medidas mais marcantes previstas é sem dúvida, a ampliação dos créditos tributários para as creches, que até então não eram acessíveis as famílias mais modestas. Um novo cheque de US $ 1.400 para a maioria dos americanos, a extensão dos benefícios de desemprego ou as dezenas de bilhões de dólares alocados para vacinas e escolas Covid-19 – já são bem conhecidas. Mas segundo o jornal britânico The Guardian, dentro das principais medidas a lei também prevê "o maior investimento da história para os nativos indígenas americanos" (US $ 31 bilhões) e "as maiores provisões para fazendeiros negros em meio século" (5 bilhões). Um plano digno do "legado de Roosevelt", afirma o jornal.

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O Presidente Biden martelou que o Estado deve investir para trazer soluções aos problemas da sociedade, ele deve ser o motor para transformar a sociedade! Ser de  esquerda ou não, ninguém pode criticar as medidas sociais contidas no plano de relance do presidente americano. 

Os fatos mais relevantes a serem levados em conta, é que a pandemia Covid-19 trouxe para a realidade a dureza das desigualdades nos Estados Unidos. Neste grande país mais rico do mundo, não existe rede de segurança social e a taxa de poupança é baixa ou mesmo inexistente para as famílias mais modestas, principalmente para as minorias negras e hispânicas. Joe Biden denunciou o "escândalo" da crise da fome, por esta razão ele assinou dois decretos em 22 de janeiro para fortalecer a ajuda alimentar e os direitos sociais.

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O certo é que este Plano de relance nos questiona. Infelizmente, não houve a mesma reação quanto a virada da esquerda para a direita. Para ser mais explicita, por que não questionar quando os governos ditos de esquerda põem em pratica medidas de direita, tal como as políticas de austeridade? Vale ressaltar que todos os governos socialistas da Europa nos últimos anos aceitaram a governança mundial que defendia uma concepção de estado empresarial e a morte do Estado providência. Nenhum desses governos, com raríssimas exceções, contestou os Acordos gerais de serviços da OMC que eliminava serviços públicos considerados como bem comum (educação, água, eletricidade, saúde, cultura entre outros). O acordo pregava a privatização desses serviços. Estava também dentro desse acordo a mudança da propriedade intelectual etc. O governo Biden quando diz que ele é favorável a quebra das patentes das vacinas contra o Covid 19, ele balança os alicerces da propriedade intelectual atualmente...Chegou a hora de reativar o debate sobre esta instituição da governança mundial!

O notório é que os governos de esquerda nas últimas décadas, na sua maioria não percebe que o modelo neoliberal com a governança mundial estava lançando as bases da ideologia neoliberal...Para entender melhor, vamos aos exemplos da União Europeia, os 27 países que integram a UE, estão sujeitos à austeridade orçamentária decretada pelos critérios de Maastricht, segundo os quais, por exemplo, as instituições não podem exceder 3% do déficit. Os Estados cumprem esses requisitos e isto vem colocando, há mais de uma década, os serviços públicos sob pressão, ao ponto de torná-los completamente desvitalizados. A pandemia retirou a máscara do neoliberalismo econômico em sua prática e ideologia. A criação da governança mundial, nessas últimas décadas, orientava que os Estados deveriam abandonar o seu papel na gestão dos serviços públicos, deixando às empresas a responsabilidade dessa missão. A governança mundial decretou a falência do Estado Previdência para dar lugar ao Estado Empresarial. A privatização dos serviços públicos seria então inevitável. 

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 As políticas neoliberais da França, (meu país de adoção) na última década, afetaram consideravelmente seu modelo social. Em nome da eficácia econômica, muitos hospitais na França foram fechados, havendo diminuído o número de leitos e serviços de urgência. Há pouco meses, antes da pandemia, todos os chefes de serviços dos hospitais públicos na França se demitiram coletivamente, em protesto às políticas neoliberais do governo Macron.  A nova pandemia trouxe à tona as desigualdades que estruturam nossas sociedades em todos os níveis. 

A questão principal não deve ser centralizada na questão de Biden ser ou não ser de esquerda. 

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O fundamental é verificar que a postura política de Joe Biden enquanto Presidente pode fornecer à esquerda muitos elementos de reflexões sobre a passagem do modelo econômico neoliberal em ideologia. Os intelectuais de esquerda não podem ficar vendo a banda passar...Ficamos focalizado no modelo econômico e não questionamos a governança mundial que vai legitimar o neoliberalismo como ideologia. Nesse período eleitoral tanto na França como no Brasil devemos tomar o exemplo dos Estados Unidos para lançar um alerta  pós-pandemia para que os países não sejam tentados novamente pelas instituições da governança mundial em nome da austeridade voltem a corroer suas redes de proteção social.

O que esta pandemia revelou é que existe uma urgência de revitalizar o Estado Providência, nesse sentido o Presidente americano percebeu que a teoria do “trickle-down” nunca havia funcionado, os ricos não investiram na economia real, a desindustrialização a galope, as infraestruturas americanas estão quase toda deterioradas, as desigualdades territoriais explodem com um sistema de proteção inadequado. O país mais rico do mundo tem hoje uma pobreza enraizada... Entre os 40 países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os Estados Unidos estão em quarto lugar na taxa de pobreza, com quase 18% dos americanos cuja renda está abaixo da linha da pobreza. 

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Quem pode ser contra Joe Biden que quer que as creches americanas sejam gratuitas, que o estado venha ao socorro para consertar a infraestrutura dilapidada do país? Que os ricos devem  pagar mais impostos ?  Não podemos negar que Biden e os democratas, estão promovendo outra prioridade muito mais ambiciosa e há muito negligenciada: a luta contra a pobreza e a desigualdade, entre outras prioridades raciais. Eles incluíram um plano de moradia, alimentação, saúde e até mesadas de família no estilo europeu, de até US $ 3.600 por ano por criança.

No máximo podemos provocar os Estados Unidos e dizer que o Biden é o Lula americano! Ele também tem o seu plano de inclusão social! 

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O que temos que levar em conta é que Biden entendeu os mecanismos de "financeirarização" da economia americana que destruiu a economia real americana. Ele age para restaurar a potência americana priorizando resolver os problemas internos causados pela ideologia neoliberal apropriada hoje pela extrema direita mundial. Ele busca também restaurar a imagem internacional dos Estados Unidos deteriorada pelo governo de Trump. 

Biden é apenas um centrista que pressionado pela ala esquerda do partido e pela ascensão de movimentos populares no Estados Unidos, graças a esta correlação de forças, diga-se de passagem bem diferente da época de Obama, adota medidas bem progressistas e tem repercussão positiva junto a população marcada também pela pandemia do Covid19. De acordo com o Pew Research Center, 70% dos americanos aprovam, incluindo 42% dos eleitores republicanos.

Vamos ficar atentos! Ser ou não de esquerda. Esta não é a questão! 

1. (https://data.oecd.org/fr/inequality/taux-de-pauvrete.htm#indicator-chart)

 

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