Basta de invasões no DF. O meio ambiente pede socorro
Há 55 anos o Cerrado no DF encobria um verdadeiro rendilhado de águas. Hoje temos 600 mil habitações ilegais construídas em áreas de proteção ambiental e cerca de 60% destas nascentes não existem mais ou estão poluídas
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A questão da água é crucial. Não somente para os moradores do Saara e outros desertos do mundo. Não apenas para os paulistas que no último ano devem ter refletido bastante sobre a realidade de muitos nordestinos que nunca souberam o que é água na torneira e caminham quilômetros com um balde na cabeça entre o açude barrento mais próximo e sua casa.
A questão da água deve ser discutida também por nós moradores do Distrito Federal. O sonho de Bom Bosco de uma terra fértil e próspera é hoje realidade mas temos que cuidar dele para que não se transforme em pesadelo para nossos netos, o do racionamento.
Um dos motivos que levaram tantas missões, entre elas a Missão Cruls, de incentivar a vinda da capital do Brasil para o Planalto Central era, além do desenvolvimento da região e de maior segurança , o fato de que aqui se encontravam as nascentes dos grandes rios brasileiros que corriam para o norte e para o sul do país. Nossas Águas Emendadas.
Era necessário que aqui se instalasse a capital para garantir a preservação deste importante patrimônio nacional, as nascentes que contribuíam para garantir a saúde de grandes rios nacionais. Não foi exatamente isso que aconteceu, infelizmente, para as próximas gerações.
O problema da água no DF é uma realidade a ser pensada para já, para os próximos anos. Essa reflexão não pode ignorar o fator de maior peso no processo de deterioração da situação ambiental ao longo das últimas décadas: a grilagem de terras no DF, dentre elas terras da União, e a construção de moradias ilegais em áreas de preservação ambiental e nascentes.
É importante que a população saiba que 51% das ações da Terracap - autarquia fundada na época da fundação de Brasília - pertencem ao DF e que 49% pertence à União, portanto a União é também responsável pelas terras do DF e pela fiscalização do que ocorre de ilegal com elas.
As autoridades de uma maneira geral não tiveram uma ação coordenada para impedir a absurda ocupação ilegal de terras no DF ao longo do tempo, apesar de em Brasília se encontrar o Ministério Público do Distrito Federal, o Ministério Público da União, o Congresso Nacional, os tribunais superiores, o Tribunal de Contas.
Mesmo assim, o que aconteceu historicamente devido à irresponsabilidade de vários governos?
Até a década de 1980, isto é, até o governador nomeado Aimé Lamaison, Brasília se mantinha dentro do planejamento feito para a cidade por Oscar Niemayer e Lúcio Costa.
Depois em 1990, com as primeiras eleições, tivemos um brutal processo de desconstituição de Brasília. Como é que se deu isso?
Exatamente quando a governamental SHIS- Sociedade de Habitações de Interesse Social - deixou de construir habitação popular e passou a imperar a política do incentivo à invasão por parte de pessoas de baixa renda. Mais tarde isso veio a ocorrer também com a classe média alta.
No primeiro governo de Joaquim Roriz milhares de pessoas que não moravam no DF, não conheciam o DF, vieram para cá porque ficaram sabendo por meio de parentes e amigos que aqui tinha um homem que dava terras.
Entre 1994 e 1998, durante o governo Cristovam Buarque, houve uma paralização da doação de lotes, mas logo em seguida o homem que dava terras se elegeu novamente e a gente via filas imensas de pessoas nos orelhões da Ceilândia e outras regiões administrativas ligando para parentes e amigos no Piaui, no Maranhão, no Ceará, no interior do Goias, em Minas Gerais , pra todo lado, dizendo vem pra cá que o homem que dá lote ganhou de novo.
A classe média alta ficou na mão dos especuladores, grupos incorporadores tipo Tartuce, Encol, Ok, e outros, que passaram a vender apartamentos cada vez mais caros e de péssima qualidade.
Para fugir desta situação muitos começaram a procurar melhores condições de moradia comprando os lotes para construir sua própria casa e assim surgiram os condomínios, incentivados por grileiros ao arrepio da lei e com a anuência de autoridades.
Um exemplo absurdo de desrespeito ao meio ambiente foi o que aconteceu com a Colônia Agrícola de Vicente Pires, em terra da União, totalmente loteada ilegalmente, apesar de área originalmente planejada como cinturão verde da cidade.
Vicente Pires surgiu na frente da Casa do Governador, cresceu, se encheu de casas e mansões, cobrindo de concreto inúmeras nascentes de mananciais que abastecem o Lago Paranoá e contribuíam para garantir o equilíbrio ecológico da região.
Não muito distante dali tem Arniqueiras com construções de risco realizadas em áreas de colinas, o que nunca deveria ter acontecido porque agora em Brasília também temos áreas de risco de desabamento na época das chuvas.
Temos inúmeros exemplos como o Itapoã, que surgiu de terras das Forcas Armadas da Aeronáutica; o Grande Colorado, o Jardim Botânico, no Lago Sul, muitos construídos para atender a demanda da classe média, mas tudo feito ao arrepio da lei e rendendo milhões aos grileiros e facilitadores das ilegalidades, ou seja, autoridades coniventes, participantes e que recebiam também pela grilagem.
Aliado a isso temos as invasões anexas a áreas legalizadas como os casos das mansões dos lagos sul e norte. Niemeyer sonhou a orla do lago Paranoá como área de lazer para todos os brasilienses, mas muitos donos dos lotes das chamadas pontas de picolé invadem a área comum e colocam cercas para garantir privacidade nos decks onde estacionam seus barcos.
Com o passar dos anos os grileiros descobriram o filão de lotear áreas para vender também para a população de baixa renda e na região da Ceilândia surgiu: o Sol Nascente, hoje com 150 mil habitantes, ( uma área inteira grilada do que antes era região de produção agrícola ); o Por do Sol, com 1500 moradias, o Condomínio Porto Rico, em Santa Maria, que era uma área quilombola e foi grilada também.
A verdade é que existem 600 mil moradias ilegais no DF. A classe média cava poço artesiano, faz pavimentação, etc mas os pobres ficam morando na lama e bebendo água contaminada.
Portanto, a sociedade do DF tem dois grandes prejuízos com a grilagem de terras, um deles irrecuperável: os altos investimentos que tem que ser feitos pelo governo com o dinheiro de todos nós, para a infraestrutura destes locais; e a destruição ambiental .
É bom que a população saiba o quanto custa fazer a infraestrutura das invasões. Nós todos, por exemplo, que compramos lotes em áreas legais, estaremos pagando com nossos impostos cerca de 500 milhões para a construção do esgoto e do asfaltamento de Vicente Pires, e isso porque os investimentos com água já foram feitos.
A infraestrutura do Sol Nascente vai custar mais 300 milhões; a do Por do Sol 80 milhões; a do Porto Rico 150 milhões. E quantos milhões a mais custarão a de todos os outros condomínios como a do Jardim Botânico, por exemplo, uma das áreas mais ricas de Brasília?
Costumo dizer que a grilagem de terra do DF foi mais lucrativa que na Amazônia, em Rondônia, ou onde quer que seja. Aqui posso garantir que enriqueceu muito mais gente, como alguns senadores locais e muitos deputados federais e distritais, que se elegeram encima da questão fundiária do Distrito Federal.
Essa situação foi criada, lamentavelmente, por ações a margem do Estado mas com a conivência do Estado, e agora com toda essa destruição, invasão e desrespeito corremos o risco de no futuro termos racionamento de água.
A população brasiliense hoje paga por isso financeira e ambientalmente e o mais triste é verificar que as pessoas que fizeram isso e que deveriam estar na cadeia são ainda tratados como heróis.
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