‘Barca furada’
Quem tem de definir a política econômica do país, com forte impacto no dia a dia da população, é um governo eleito, e não técnicos financeiros. O governo não pode abrir mão de sua autoridade monetária
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Trata-se a independência do Banco Central como se fosse panaceia para os problemas do Brasil. O BC já dispõe de autonomia operacional para execução da política monetária conforme as metas de inflação fixadas pelo Poder Executivo por intermédio do Conselho Monetário Nacional. Essa autonomia garante ao BC fazer suas escolhas e dosar instrumentos que garantem o alcance da meta.
Autonomia não significa garantir a um segmento burocrático o poder de agir sem compromisso com o que foi definido pela autoridade eleita com a legitimidade das urnas. Órgãos burocráticos devem ter poder decisório, mas no limite de metas definidas por quem foi eleito pelo povo.
Os que defendem a independência, ou “autonomia formal”, sustentam que o BC está sujeito a pressões do Executivo para relaxar a política monetária e facilitar adoção de meios para impulsionar a atividade econômica. Mas esquecem que a burocracia estatal poderia ser capturada por conglomerados financeiros que têm interesses nas decisões do BC.
A história econômica do regime de metas de inflação no Brasil (1999 a 2013) desqualifica os argumentos dos que advogam a autonomia formal do BC. No governo Lula (2003-2010), o BC teve apenas um presidente e, no de Dilma, o cargo foi ocupado por Alexandre Tombini. No período, observou-se como regra o enquadramento da inflação anual efetiva dentro da meta. Os calendários de reunião do Copom foram publicados e integralmente observados. As decisões do Comitê são divulgadas ao público.
Há, no Brasil, um ambiente de estabilidade da direção do BC, e de ampla transparência de dados, informações e decisões. Esse quadro confirma a plena autonomia operacional do BC para responder aos choques de preços no curto prazo e para suavizar a variação da inflação ao longo dos ciclos econômicos. Há credibilidade da política monetária, embora possa ser também questionada, como a atual política de juros.
Em vez de se insistir na barca furada da independência do BC, é hora de nos voltarmos para a retomada do desenvolvimento, com geração de empregos, renda e justiça social. O desafio é aperfeiçoar a capacidade de coordenação dos instrumentos de política econômica (fiscal, monetário e cambial), ampliar mecanismos de financiamento do investimento de longo prazo, aprimorar modelos de parceira público-privada, ampliar a estrutura institucional associada à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico e tomar medidas que possibilitem maior justiça social, com sistema tributário e fiscal moderno e justo, que não mais privilegie a elite brasileira.
Quem tem de definir a política econômica do país, com forte impacto no dia a dia da população, é um governo eleito, e não técnicos financeiros. O governo não pode abrir mão de sua autoridade monetária. Mesmo porque ninguém garante que maior independência do BC signifique menores índices de inflação e menos privilégios para o setor financeiro.
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