Barbárie "à brasileira"

O apresentador de uma conhecida emissora de TV brasileira, cujo dono é judeu, sugeriu que fossem criados campos de concentração no país, para internação das pessoas contaminadas pela covid-19. Não é a primeira vez que se fala nesse tipo de providência entre nós

Marcão do Povo
Marcão do Povo (Foto: Reprodução)


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"Hoje, só se pode alimentar a esperança em nome dos desesperançados". (Valter Benjamim).

 O apresentador de uma conhecida emissora de TV brasileira, cujo dono é judeu, sugeriu que fossem criados campos de concentração no país, para internação das pessoas contaminadas pela covid-19.  Não é a primeira vez que se fala nesse tipo de providência entre nós. Em Pernambuco, a família Lundgren (Casas Paulistas), durante a segunda guerra mundial, manteve campos de concentração para minorias judaicas no Estado. E a escritora Rachel de Queiroz alude à existência de "currais" onde os flagelados da grande seca de 1915 eram confinados.

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Antes, porém, de apresentar as fontes teóricas mais problemáticas dessa proposta, gostaria de fazer aqui uma pequena digressão sobre os autores que forneceram o suporte metodológico desse trabalho: Luciano Oliveira, Michel Foucault e Aquilles Mbembe. O debate sobre as novas formas de dominação social, na sociedade contemporânea.

A proposta é sintomática da patologia social e política que tomou conta de parte da população brasileira, nas últimas eleições presidenciais. A ideia de um espaço concentracionário na sociedade moderna (panóptico) não é nova. Surgiu de um autor utilitarista inglês, Jeremy Bentham, e foi apropriada por um filósofo contemporâneo chamado Michel Foucault, numa obra intitulada "Vigiar e Punir". Segundo eles, as sociedades modernas são dominadas por uma lógica concentracionária e uma modalidade onimoda de poder (Big Brother) presente nas escolas, nas fábricas, nos hospitais, nas prisões, etc. Paradoxalmente, teria sido graças a essa lógica que teria nascido o "indivíduo disciplinar", o cidadão moderno.

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A questão que se coloca é como transpor essa teoria para a sociedade brasileira. Existe ou não uma sociedade disciplinar, panóptica, concentracionária, semelhante à europeia ou norte-americana? - Sobre este ponto, as opiniões se dividem: uns como o professor Luciano Oliveira, duvidam muito dessa hipótese; e ele nem precisa recorrer à famosa tese da malandragem no Brasil. Estudioso da sociologia jurídica entre nós, acostumou-se a pesquisar as formas "alternativas" de prestação da Justiça entre nós (veja o seu livro: Sua excelência, o comissário). Outros abraçaram simplesmente a tese foucaultiana e transpuseram - sem mais- a ideia de que a sociedade é um enorme cárcere sem grades, onde a pessoa introjeta a autoridade em si, tornando-se sua própria polícia. Essa tribo é grande e são muitos os historiadores e cientistas sociais que se agarram a ela.

Na verdade, a sociedade brasileira parece um híbrido institucional composto da malandragem pragmática e da lógica concentracionária. Embora se possa dizer que a ideia da concentração social tenha avançado muito no Brasil, a par de uma modalidade de biopolítica ou necropolítica voltada para a eliminação dos mais fracos, a tese antropológica da malandragem persiste, sobretudo na elite social.

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Quando se afirma que a tese do espaço concentracionário avança ente nós, é no sentido de que ela assumiu recentemente traços neofascistas que se manifestam não só nessa cultura misógina, homofóbica e racista entre religiosos das igrejas pentecostais e neopentecostais, mas acima de tudo no formato das políticas públicas adotadas pelo atual governo, inspiradas na suposição de que "os pobres e miseráveis já não tem lugar nenhum na história e na sociedade" (Oliveira) e, portanto devem ser eliminados. Ou seja, não há porque se incomodar mais com eles e "gastar" recursos públicos com esses.

Reorientar a política social e fiscal no sentido de remunerar os investimentos especulativos e rentistas do grande capital apátrida e seus associados no país. Como disse o chefe do executivo, que as famílias cuidem de seus idosos, doentes e miseráveis. Esta não é mais a função prioritária do estado de "direito democrático". Daí a caçar e prender os recalcitrantes que teimam em contaminar o resto da população sadia e consumidora, é só um pequeno salto. A ideia do campo de concentração é uma grande alegoria social adequada aos tempos "de cólera" em que vivemos: os espaços de sociabilidade foram reservados para poucos. O contingente humano excedente deve ser eliminado, já que não pode ir para as câmaras de gás. É a revivescência do antigo "darwinismo social", a tese da seleção natural e da sobrevivência dos mais aptos, posta em prática por um tipo de neoliberalismo de tinturas nazistas, abençoado pelas igrejas que veem no verdugo um emissário de Deus.

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