Bancos transferem prejuízo das Americanas para a população

Essa é uma estratégia conhecida: o lucro é privado porque o mérito é da instituição; mas os prejuízos são divididos com a sociedade

(Foto: Tânia Rego/ Abr)


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Lula vem criticando as metas de inflação, as quais diagnostica, com inteira razão, como prejudiciais ao crescimento e pressiona a equipe econômica para rever os dados e redefinir as metas. As metas para inflação, que neste ano está em 3,25%, obviamente forçam uma política monetária mais restritiva (ou seja, com juros mais altos). O presidente Lula, que corre literalmente contra o tempo, percebeu que, com taxas de juros reais próximas de 8%, não tem como fazer o transatlântico da economia brasileira se colocar em marcha, ou seja, a economia não irá crescer neste ano.

Dependendo do conjunto da política macroeconômica (na qual a política de juros é central), o Brasil não crescerá também em 2024, o que significaria o comprometimento de metade do mandato da presidência da República, em termos de crescimento econômico. Vale lembrar, a retomada do crescimento com geração de empregos foi um eixo nuclear da campanha eleitoral em 2022. Ademais, no final de 2024 haverá eleições municipais, que normalmente são, em boa parte, um veredicto da população sobre a gestão federal, como qualquer político tarimbado bem sabe.

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Se os diretores do Banco Central do Brasil (BCB) não têm subordinação hierárquica, de caráter público, sua atuação fica sem mecanismos de controle. A medida correta neste grave momento que o Brasil atravessa seria justamente a ação oposta, ou seja, aumentar o controle e a transparência do Banco, colocando as suas políticas ao serviço do desenvolvimento do país. A independência do BCB, considerando como funcionam no Brasil essas estruturas burocráticas, na prática garante o controle do Banco Central pelos banqueiros, por meio de seus representantes.

Antes da chegada da lei da independência, o BCB já tinha total autonomia operacional, ou seja, ele operava a política definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O certo é que antes da independência o BCB tinha grande liberdade para agir dentro de determinados marcos e atingir o seu primeiro objetivo legal previsto, que é o de combater a inflação. Por exemplo, Henrique Meirelles, presidente do BCB entre 2003 e 2011, gozava de total liberdade para fazer suas políticas no Banco, que inclusive, de certa forma colidiam com a perspectiva mais desenvolvimentista de outras áreas do governo à época. Sintoma dessa independência era o fato de que o vice-presidente naquela ocasião, José Alencar Gomes da Silva, se queixava recorrentemente da política de juros explosivos praticada por Meirelles. Salvo a hipótese de ser mero jogo de cena, o fato indica que o BCB exercia na prática independência técnica e política.

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Banco central independente no Brasil significa um banco nas mãos do sistema financeiro nacional, que é extremamente poderoso. Apesar da retórica dos liberais de que o Banco Central deveria cuidar apenas da estabilidade de preços – utilizando, ademais, uma arma limitada, que é a taxa de juros –, não pode haver dúvidas que a instituição deveria também contribuir com políticas que possibilitem o crescimento da economia e do emprego no país. O Banco Central não pode desenvolver política monetária que desconsidere a estratégia mais geral do governo, de crescimento da economia. A defesa de mandato único do Banco Central (o controle da inflação) explica em parte o Brasil praticar durante décadas as taxas de juros mais elevadas do mundo, interesse visceral e direto dos bancos, que embolsam fortunas com essa política.

Há todo um esforço dos setores conservadores no sentido de apresentar discutíveis razões técnicas, para algo que, fundamentalmente, é de interesse dos banqueiros e seus apaniguados. O banco central sempre foi dominado pelo capital financeiro, guardadas as devidas especificidades de cada período histórico. É evidente, inclusive, que com a onda neoliberal, que alcançou o Brasil ainda no final da década de 1980, essa dominação amplificou, fato comprovado até pela citada presença de Henrique Meirelles nos governos do Partido dos Trabalhadores.

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Estamos mais uma vez vendo o poderio dos bancos no escândalo financeiro das Lojas Americanas, que colocou milhares de pequenos e médios fornecedores, e pequenos investidores em ações, na rua da amargura. Na lista de credores, enviada pela empresa no decorrer do processo de recuperação judicial, estão alguns dos mais importantes e atuantes bancos do país: Deutsche Bank: R$ 5,2 bilhões; Bradesco: R$ 4,5 bilhões; Santander (Brasil): R$ 3,6 bilhões; BTG Pactual: R$ 3,5 bilhões; Votorantim: R$ 3,2 bilhões; Itaú Unibanco: R$ 2,7 bilhões; Safra: R$ 2,5 bilhões; Banco do Brasil: R$ 1,3 bilhão; Caixa Econômica Federal: R$ 501 milhões. Esses valores totalizam mais das metade da dívida anunciada das Americanas, cerca de R$ 43 bilhões.

Segundo estimativas da XP Investimentos, elaboradas em janeiro último, esse impacto negativo poderia ser da ordem de 20 a 30% no caso dos bancos mais expostos, como BTG, Santander e Bradesco e, de cerca de 10%, nos casos de Itaú e Banco do Brasil. O relatório da XP aponta que os níveis de provisões para devedores duvidosos, dos cinco grandes bancos de capital aberto podem chegar a cerca de R$ 8 bilhões.

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A fraude que vinha sendo operada pelas Americanas, beneficiava todas as grandes empresas envolvidas. A indústria emitia as faturas para pagamento, a Americanas atrasava meses, e a indústria bloqueava o fornecimento. A Americanas atrasava em média mais de 180 dias. A empresa pegava o empréstimo no banco a taxas mais favoráveis, mas não pagava o fornecedor, atrasava o mais que podia. E o dinheiro, claro ia para a especulação. Ao mesmo tempo, iam manipulando o balanço, escondendo o nível de endividamento.

Esse sistema foi montado com indústrias, bancos e fundos, que tinham vantagens no modelo. Não se pode ter certeza, até agora, que os parceiros tivessem conhecimento de possíveis práticas irregulares na Americanas. Mas os montantes envolvidos nessas operações eram cada vez mais robustos, o que dava para desconfiar. Indústrias, bancos e a Americanas se beneficiavam desse esquema. A indústria voltava a vender e a movimentar o seu estoque, e essa negociação era relevante em períodos em que os fabricantes precisavam repassar estoques para frente. Os bancos ganhavam na transação por meio dos juros, e a Americanas conseguia montar uma transação de pagamento de longo prazo.

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Conforme previram especialistas independentes do mercado financeiro, os bancos já estão transferindo seus prejuízos com as Americanas para a sociedade. O Bradesco, segundo maior banco privado do país, e segundo maior credor das Lojas Americanas, está utilizando um mecanismo contábil, conhecido como “receita cessante”, para transferir boa parte do prejuízo para a União. Ao determinar o lucro real do trimestre, o banco dobrou o valor estimado para Provisionamento para Devedores Duvidosos (PDD), reduzindo assim o Lucro Líquido calculado do banco. O Bradesco elevou a rubrica para devedores duvidosos para R$14,9 bilhões, o que irá significar uma redução de R$1,8 bi a título de impostos, valor equivalente a 40% da dívida das Americanas com o banco.

Ainda que baseada em um problema real de inadimplência, a estratégia dos bancos, de manejar o balanço financeiro para pagar menos impostos, é bastante conhecida. O pior é que essa transferência do prejuízo do banco para o Estado (na verdade, para a população que sustenta o Estado), tem base legal. A Resolução 2682/1999 do Banco Central, criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, possibilita que essa manobra contábil seja realizada.

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Itaú e Santander, outros dois grandes credores das Americanas, já provisionaram 30% das dívidas das Americanas na rubrica Devedores Duvidosos. Essa é uma estratégia conhecida: o lucro é privado porque o mérito é da instituição; mas os prejuízos são divididos com a sociedade. Novamente podemos constatar o impressionante poderio que o grande capital, especialmente os grandes bancos, possuem no Brasil.

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