Bancos de dados, Facebook e violações da privacidade

O direito à privacidade garante proteção contra os abusos do poder político e econômico. Desde o nascimento até a morte, os cidadãos fornecem informações para o Estado e – nesta era virtual tecnológica – as informações individuais abastecem os bancos de dados de grandes grupos econômicos privados

Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, em evento na sede do Facebook em Menlo Park, Califórnia, EUA 27/09/2015 REUTERS/Stephen Lam
Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, em evento na sede do Facebook em Menlo Park, Califórnia, EUA 27/09/2015 REUTERS/Stephen Lam (Foto: Marco Aurélio de Carvalho)


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Por Marco Aurélio de Carvalho e Tiago de Lima Almeida*

A conhecida frase de que informação é poder – e portanto sempre tem gente interessada em guardar para uso próprio – reverberou na semana passada no depoimento do poderoso empresário do Facebook, Mark Zuckerberg, perante autoridades e parlamentares norte-americanos.

Embora tenha feito um pedido público de desculpas sobre o fornecimento de 87 milhões de perfis de usuários durante a campanha eleitoral que resultou na vitória de Donald Trump, reconhecendo o erro, mostrou-se evasivo e pouco convincente. O ícone da maior plataforma do mundo não deixou claro se a empresa estaria disposta a mudar seu modelo de negócios para garantir a privacidade individual.

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Enquanto especialistas e autoridades mergulhavam no oportuno debate mundial sobre a (ir) responsabilidade das mídias sociais na proliferação de fake news, descobre-se, agora, que as redes digitais podem ser autoras e cúmplices de flagrantes e graves violações do direito à privacidade e suas consequências.

Consagrado internacionalmente, está previsto no artigo 12 da Declaração de Direitos Humanos que assegura: "ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, família, no seu lar ou na sua correspondência, nem ataques a sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito a proteção da lei contra tais intromissões ou ataques".

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No Brasil, o artigo 5 da Constituição Federal considera que são "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral, decorrente de sua violação".

Enquanto sociedades com longa e sólida tradição democrática rechaçam com vigor qualquer ameaça ao direito da privacidade, o Brasil pode consagrar esta semana, embutido no projeto do Cadastro Positivo (PLP 441/2017), um grave retrocesso.

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O projeto autoriza os bancos de dados de instituições financeiras e birôs de credito (Serasa, SPC, Boa Vista, entre outros) a captarem informações dos consumidores, sem consentimento. Para compor o tal cadastro, sob o pretexto de baixar juros – legítima aspiração nacional – o projeto inclui obrigatoriamente o cidadão no cadastro positivo.

Serão usados os dados do sigilo bancário, informações do Facebook, contas de luz e etc. Cabe ao consumidor, depois de ter os dados captados e o nome incluído, pedir em até 30 dias a retirada de seu nome da lista. Para quem, como e com qual garantia de retirada, o projeto também não esclarece, pois os birôs de crédito não sofrem qualquer fiscalização e regularização. Importante ressaltar que uma vez captado, com as tecnologias digitais de hoje, o dado ficará para sempre registrado.

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O PLP tem, ainda, a intenção de excluir o artigo 16 da Lei 12.414/11 para retirar a específica responsabilidade pelo mau uso dos dados do consumidor pelo banco de dados. Ora, se o cadastro positivo é supostamente tão transparente e benéfico aos consumidores, retirar um artigo que prevê a responsabilidade por eventuais danos provocados aos consumidores não seria um contrassenso?

A regra pétrea das garantias individuais é contar, a priori, com o consentimento explícito e a vontade do cidadão, em qualquer circunstância. O projeto oferece uma pretensa cortesia (juros baixos), mas na verdade empurra o consumidor para a inclusão permanente nos bancos de dados. Quem não pedir para sair, ficará por 15 anos alimentando gratuitamente o cadastro positivo com dados que poderão ser livremente vendidos.

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Enquanto EUA e países da Comunidade Européia insistem na regulamentação das plataformas digitais, no Brasil a interface do mercado com as novas tecnologias segue sem políticas efetivas de proteção dos dados individuais.

As novas tecnologias – do e-mail ao whatsapp – proporcionam ganhos na comunicação mas, em quase todas as plataformas, proliferam exemplos de invasão nociva dos dados pessoais, usurpados pelas empresas em virtude do potencial dos lucros previstos.

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Nos aparatos das redes, sem que saiba, o cidadão disponibiliza informações da vida privada como telefone, endereço, CPF, perfil de renda, hábitos de consumo, onde faz compras, etc.

Se a aprovação do cadastro positivo não significa exatamente uma boa notícia para os consumidores, felizmente a Justiça está atenta à violação da privacidade. A apropriação e a exploração indevida de dados individuais por algumas empresas (recentemente redes de farmácia e empresa de telefonia) transformaram-se alvo de ações do Ministério Público, uma vez que a venda ou a manipulação de tais informações significam flagrante desrespeito ao direito consagrado da privacidade.

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O poder das redes sociais e dos bancos de dados do sistema de proteção ao crédito despertam fantasmas e episódios trágicos da história.

A tecnologia dos cartões perfurados para efetuar censos, foi parceira de Hitler e útil para o Terceiro Reich, de acordo com as evidências do jornalista Edwin Black no livro "Nazi Nexus." As sinistras etapas de identificar, excluir, confiscar, deportar e exterminar judeus contaram com o suporte de banco de dados.

No Brasil, no auge da ditadura militar, o Serviço Nacional de Informações, com escritórios regionais, produziu milhares de dossiês com informações de jornalistas, professores, políticos, artistas, lideranças e opositores do regime. Resultado: perseguições, mortos e desaparecidos.

O direito à privacidade garante proteção contra os abusos do poder político e econômico. Desde o nascimento até a morte, os cidadãos fornecem informações para o Estado e – nesta era virtual tecnológica – as informações individuais abastecem os bancos de dados de grandes grupos econômicos privados.

O Brasil, do cadastro positivo, evoca estes riscos. Cabe a sociedade o alerta e o convite para combater o retrocesso.

* Marco Aurélio de Carvalho e Tiago de Lima Almeida são sócios da CM Advogados.

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