Banalidade do mal no Senado

"Nula no mérito e abusiva no procedimento, a acusação contra Dilma, aprovada na Comissão Especial do Impeachment, não reflete as explicações de testemunhas nem os dados apresentados pelos peritos", escreve Paulo Moreira Leite; "O crime cometido esta manhã no Senado representa um ataque – burocrático e irresponsável – à democracia brasileira. Em nome do respeito à verdade, os senadores aliados de Michel Temer só precisariam recordar as palavras inesquecíveis de sua líder Rose de Freitas (“é tudo política”) para reconhecer que pronunciavam fantasias, fabulações e invenções para aparentar que nada mais faziam do que encaminhar um golpe de Estado", completa o jornalista; para ele, os votos de hoje pelo impeachment "contribuíram para apequenar as instituições democráticas"

Banalidade do mal no Senado
Banalidade do mal no Senado (Foto: Edilson Rodrigues)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

É preciso retornar a um dos períodos mais deprimentes da história humana, o julgamento do carrasco nazista Otto Adolf Eichmann, em Jerusalém, em 1960, para entender a decisão da Comissão Especial do Impeachment que deu sequência ao julgamento de Dilma Rousseff no Senado.

A acusação contra Dilma é nula no mérito e abusiva como procedimento. Se a única base para a denúncia eram crimes de responsabilidade, essa acusação nunca foi demonstrada. A votação, definida desde o início, não expressa fatos nem provas. Tampouco traduz o conteúdo dos debates, os argumentos das partes, a opinião dos peritos. Foi uma demonstração de truculência e força bruta. Expressa a relação de forças entre partidos no Congresso. E só. É política, e não jurídica, quando deveria ser o contrário.   

Ao longo dos trabalhos da Comissão, testemunhas deixaram claro que o governo realizou não só operações contábeis banais e corriqueiras, efetuadas por todos os antecessores porque não representam prejuízo aos cofres públicos nem envolviam qualquer tipo de ilegalidade. Apenas alteravam a distribuição interna de recursos, sem modificar os números finais, aqueles que registram o déficit fiscal. Estavam inteiramente de acordo com a legislação em vigor, no momento em que ocorreram.

continua após o anúncio

A incapacidade de caracterizar um crime explica o uso frequente de uma expressão criada por jornalistas, “pedaladas”, destinada a sugerir aquilo que não se consegue demonstrar.

A fragilidade é tão grande que, no momento máximo de vexame, o Ministério Público Federal reconheceu que não constituíam crime.    

continua após o anúncio

Construído por Hanna Arendt, a filósofa que estudou o nascimento das piores tiranias do século passado, a ideia da banalidade do mal ajuda a entender que crimes políticos podem ser cometidos num ritual burocrático, imperceptível, automático, de olhos fechados.

Principal responsável pela máquina de morte de Auschwitz, Eichmann disse em seu julgamento que não tinha nada de “pessoal” contra os judeus que pereciam sob seu comando -- aos milhões. Apenas queria – sem assumir qualquer responsabilidade -- fazer seu serviço profissional, burocrático. Não há remorso nem culpa.

continua após o anúncio

O crime cometido esta manhã no Senado representa um ataque – burocrático e irresponsável – à democracia brasileira. Em nome do respeito à verdade, os senadores aliados de Michel Temer só precisariam recordar as palavras inesquecíveis de sua líder Rose de Freitas (“é tudo política”) para reconhecer que pronunciavam fantasias, fabulações e invenções para esconder que nada mais faziam do que encaminhar um golpe de Estado.

Não é uma decisão definitiva nem é uma surpresa. Mas os votos pelo impeachment contribuíram para apequenar as instituições democráticas, condenando, sem prova, o mandato de uma presidente eleita por mais de 54 milhões de brasileiras. 

continua após o anúncio

Cedo ou tarde, serão chamados a explicar-se por isso. É a condenação inevitável daqueles que traem a democracia. Até por uma questão de respeito, contudo, recomenda-se que não exagerem em explicações nem desculpas lacrimosas.

continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247