Babel

Do infinitivo ao infinito, esitare, amare, temere e soffrire encarnam a beleza de borboletas coaguladas em âmbar

(Foto: Luanna Falcão)


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I

Há pouco menos de uma semana, retomei meus estudos de italiano (a língua dos meus bisavós Davide e Elisa) e logo pude descobrir por que o poeta florentino Dante Alighieri foi o escultor da língua italiana.

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Farfalle é um tipo de macarrão, cuja massa policromática mimetiza as asas das borboletas (farfalle). Embebida em molho de tomate [pomodoro, o fruto de ouro (pomo d’oro)], a colher fumegante não vai até a boca; ela, literal e literariamente, alça voo.

Que dizer das ragazze italiane (moças italianas), que, ao invés de fazerem luzes em seus cabelos, recebem colpi di sole (golpes de sol)? (Ao pezinho do ouvido de Beatrice, Dante lhe sussurra que se trata não de golpes, mas de afagos do sol.)

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II

O conceito de verbos no infinitivo sempre me intrigou. Ainda que, para um escritor, narrar seja uma ação tangível, só consigo sentir o suspiro cálido da vida em verbos conjugados com nossa angústia e esperança: hesitamos, amamos, tememos, sofremos.

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É como se, ao rosto enternecido de quem diz “eu te amo”, correspondesse a máscara de olhos vazios do verbo amar. Também por isso, Mário de Andrade assim sentenciou, pesaroso: “Amar, verbo intransitivo”.

Em italiano, no entanto, os verbos no infinitivo surrupiam as asas de Ícaro e se veem alçados às nuvens de verbi all’infinito.

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Do infinitivo ao infinito, esitare, amare, temere e soffrire encarnam a beleza de borboletas coaguladas em âmbar.

Com o cigarrinho percolado à boca, o vô Ricardo esboça um sorriso e afaga meu cocuruto com bonomia. Ele tem os olhos marejados.

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(Nesta vida, não conheci meu vô Ricardo, que faleceu em Dracena, interior de São Paulo, em 1974. Mas, ao me lembrar desse dedim de prosa que não tivemos, entendo o que Freud quis dizer quando, em seu ensaio “O estranho”, o pai da psicanálise assim sentenciou: “O amor é a saudade de casa”.)

– Ah, vô... Então é por isso que dizem que todos os caminhos levam a Roma?

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Flávio Ricardo Vassoler

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Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (Brasil), com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (Estados Unidos). É autor das obras O evangelho segundo talião (nVersos, 2013), Tiro de misericórdia (nVersos, 2014), Dostoiévski e a dialética: Fetichismo da forma, utopia como conteúdo (Hedra, 2018) e Diário de um escritor na Rússia (Hedra, 2019) e Metamorfoses, os anos de aprendizagem de Ricardo V. e seu pai (Nômade, fiel como os pássaros migratórios, 2021). É colunista do site Brasil 247, para o qual escreve ficções, semanalmente, sobre sua experiência nômade no continente europeu. Colabora para os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, bem como para as revistas Veja, Carta Capital e Piauí. Canal no YouTube: www.youtube.com/c/FlávioRicardoVassoler

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