Autoridade monetária no palanque
"O presidente do BC vem se articulando politicamente, comportando-se como uma espécie de bastião da direita incrustado no governo petista", conta Helena Chagas
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Roberto Campos Neto tem feito declarações positivas sobre o novo arcabouço fiscal apresentado por Fernando Haddad, num discurso aparentemente conciliador, mas na prática tem passado a interlocutores a convicção de que está disposto a peitar o presidente Lula e não ceder no principal: a taxa de juros. Mais do que isso, nos bastidores o presidente do BC vem se articulando politicamente, comportando-se como uma espécie de bastião da direita incrustado no governo petista. Seja para se defender no Senado de um eventual pedido de Lula por sua demissão, seja para alçar vôos futuros na política, Campos Neto vem se aproximando dos políticos, com quem vem tendo conversas frequentes. Numa estratégia midiática, vem abrindo também seu gabinete para conversas com jornalistas.
Essa agenda do presidente do BC começou a ser turbinada a partir de meados de fevereiro, logo depois que Lula redobrou as críticas aos juros altos e a ele. O presidente da República já disse — inclusive em entrevista à TV 247 — não ter intenção de comprar a briga pela demissão de Campos Neto nesse momento. O ato teria que ser aprovado por no mínimo 41 senadores, maioria que os articuladores governistas acreditam não ter hoje. Mas, à medida em que o Banco Central resiste em baixar a estratosférica taxa de 13,75% nas reuniões do Copo, Lula tem ouvido mais e mais sugestões nesse sentido por parte do PT.
Campos Neto, diferentemente da postura pacífica que tenta passar pela mídia, está se preparando para a guerra. Se até dois meses atrás os principais compromissos da autoridade monetária eram, como deve ser, com representantes do setor financeiro, agora a agenda mudou. Campos Neto até tinha, no ano passado, encontros com políticos, como o então líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra. Mas não eram habituais nem diversificados. Também muito esporadicamente recebia jornalistas, como mostra sua agenda oficial de setembro, outubro, novembro e dezembro.
Nos últimos 40 dias, ao menos uma dezena de parlamentares passou por seu gabinete ou participou de jantares e almoços com o presidente do BC, segundo registros oficiais. Entre eles, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco. Deputados de partidos de centro e da direita, como os deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Julio Lopes (PP-RJ) e Danilo Forte (União-CE), entre outros, também estiveram com ele.
Entre os senadores — a quem cabe votar a demissão do presidente do BC — recebeu Irajá Silvestre Filho (PSD/TO) e Vanderlan Cardoso (PSD/GO). Campos Neto também tem feito questão de comparecer a solenidades em homenagem a políticos, como a entrega da Comenda da Ordem do Mérito do Tribunal Superior Eleitoral Assis Brasil ao presidente do Senado e a sessão solene dos 130 anos do TCU. Nesse período, teve conversas também com autoridades influentes da República, como os ministros Gilmar Mendes (STF) e Antônio Anastasia (ex-senador, hoje no TCU).
Além de comparecer ao programa Roda Viva, onde fez um discurso conciliador, e dar coletivas, Campos Neto recebeu também ao menos uma dúzia de jornalistas e dirigentes de órgãos da grande imprensa no BC nas últimas semanas. Na maioria deles, para conversas em off.
Para alguns, Campos Neto, após a exposição provocada pelas críticas de Lula, estaria querendo investir numa carreira política. Afinal, se foi alvo do presidente, do PT e dos aliados de esquerda — que segundo o Datafolha, teriam o respaldo de 80% da população — ele teria o apoio de setores do campo da direita e do bolsonarismo.
Mas se essa ambição existir, e os movimentos de Campos Neto tiverem como objetivo ir além de uma articulação para evitar sua demissão, ele pode estar a um passo de cair no abismo. Tudo o que a autoridade monetária do país não pode passar é a ideia de estar agindo politicamente, prestes a subir no palanque. Estará confirmando as acusações de ser bolsonarista e agir como tal. Além de perder a guerra para Lula, que nessa hipótese muito provavelmente acabaria conseguindo demiti-lo, também estará fulminando de vez o controverso instituto da autonomia do Banco Central.
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