Ato pela Terra foi vitorioso e marcou de forma eficaz e inteligente a volta de movimentos sociais às ruas
O Senado desligou o motor que movia o “Pacote da Destruição”. Na Câmara, Lira ainda não compreendeu simbologia do movimento nem reconheceu a força do movimento
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Por Luís Costa Pinto
Havia muito tempo que Brasília não via uma multidão ruidosa, multicolorida, pluripartidária e sintonizada como aquela que se postou diante do gramado do Congresso Nacional para mostrar aos Três Poderes que a sociedade civil está viva, alerta e razoavelmente organizada.
Liderados pela genialidade lúcida e pela voz octogenária e firme de um Caetano Veloso totalmente sintonizado com as lutas contemporâneas, personalidades do mundo da música, do cinema, da TV e influenciadores de mídia nas redes sociais como Seu Jorge, Maria Gadú, Daniela Mercury, Nando Reis, Duda Beat, Lázaro Ramos, Bruno Gagliasso, Bela Gil, Paola Carosela integraram a comissão de frente e a bateria silenciaram os solos de tuba dos pesos-pesados do agronegócio e impuseram a suavidade compassada da ciranda. E ciranda de roda é uma melodia envolvente para se ouvir compartilhando. Desafio alguém a escutar uma ciranda e não se descobrir envolvido pelas histórias que surgem enquanto ecoam as cifras.
Mais de duas centenas de organizações não-governamentais, associações profissionais, movimentos sociais, institutos científicos e partidos políticos se fizeram presentes. O grupo, representativo e de tamanho significativo para esses tempos ainda pandêmicos, esteve com lideranças dos poderes Legislativo e Judiciário. Não se deu ao trabalho, porém, de ir ao Executivo. Seria inútil, posto que lá só encontrariam ouvidos-de-mercador. Quando a representação destacada para negociar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, encerrou a pungente audição do refrão de “Terra” no Salão Negro do Congresso, lia-se na face do político a vitória dos reivindicantes.
Pacheco, que tenta escrever uma biografia política capaz de levá-lo a voos mais audaciosos – e aos 45 anos dá-se ao luxo de saber o tempo que tem para isso – suspendeu de pronto a tramitação dos projetos-de-lei 6299/2002, 3729/2004, 510/2020 e 2633/2020 na Casa Legislativa que preside.
Esses quatro textos estabelecem maluquices tresloucadas tais como:
- registro de novos agrotóxicos (que deixariam de ser chamados de agrotóxicos, nome incômodo para marcas comerciais, e passariam a ser “pesticidas”) concedidos apenas pelo Ministério da Agricultura, sem necessidade de análise e aval do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária;
- anistia a quem invadiu e desmatou terra pública até dezembro de 2014;
- emissão de novos títulos de posse para quem já invadiu terras públicas no passado, ou seja, legalizando a grilagem;
- dá titularidade de áreas desmatadas a quem as desmatou – mesmo que siga em dívida com as multas e penalidades decorrentes de desmate ilegal;
- extinção da regra de licenciamento ambiental para obras de grande porte que impactem objetividade o Meio Ambiente;
- dispensa de 14 atividades econômicas do controle prévio de recursos naturais, entre elas obras nas áreas de saneamento básico, geração de energia, agropecuária, silvicultura e pecuária extensiva.
Ato contínuo ao freio de arrumação dado na patrol governista e dos empresários do agronegócio que desejavam surfar na onda da Guerra da Ucrânia para aprovar tamanho rol de barbaridades como se fizessem pit-stop em box da Fórmula 1, Pacheco anunciou a retirada de seu nome como pré-candidato à Presidência da República. Não só porque tal projeto não fazia sentido algum, dada a escassez de votos na lavoura do político nascido em Rondônia e radicado em Minas, mas porque é candidato a uma reeleição que deseja mais que tudo, para o mesmo posto, em 2023. Com calma, e distante do ambiente já envenenado pelos ares de campanha eleitoral, Rodrigo Pacheco fará dessa pauta um dos eixos da disputa que pretende vencer em fevereiro do próximo ano.
Na Câmara, Arthur Lira ignora Ato pela Terra e dobra a aposta a favor do governo e dos ruralistas
Se encontrou terreno fértil às suas reivindicações no Salão Azul do Senado, o movimento derrapou nas trincheiras pedregosas do Salão Verde da Câmara. Lá, a arrogância imperial e embrutecida de Arthur Lira sequer parou o rolo compressor da Bancada Ruralista. Em paralelo ao desenrolar do Ato pela Terra no Pavilhão das Bandeiras, avenida que separa o gramado legislativo da Esplanada dos Ministérios, o presidente da Câmara acionava os botões de comando do bólido de chofer do Centrão e patrocinava a aprovação do requerimento do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), destinado a turbinar a velocidade de tramitação do projeto-de-lei 191/2021. Mortífero como arma química, eis o que ele estabelece o PL 191, que não precisará passar pelas comissões temáticas da Câmara – sequer pela de Constituição e Justiça, que avaliaria o potencial de inconstitucionalidade desse texto imoral e aético:
- regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos (ou seja, caça e extrativismo, por exemplo) em terras indígenas, possibilitando até a construção de hidrelétricas nas áreas preservadas;
- validação de pedidos de empreendimentos para exploração de minérios nas reservas indígenas, mesmo que eles tenham sido feitos anteriormente à sanção do PL;
- fim da consulta a representantes dos territórios indígenas afetados sobre atividades de exploração em áreas determinadas.
Além disso, Lira manteve a tramitação normal do PL 490/2007 que afeta ao menos 70 mil indígenas distribuídos em 440 mil hectares de reservas ao aplicar o “marco temporal” a tais demarcações e retroceder os atos jurídicos a 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Os projetos-de-lei 191/2021 e 490/2007, que estão na Câmara, terão ainda de passar pelo Senado – e isso é um alento, porque daí se unem ao cesto de contenção oferecido pelos senadores depois do Ato pela Terra.
A mobilização de 10 de março foi alvissareira e colheu frutos. Que seja, de fato, o marco de retorno dos movimentos sociais às ruas e siga ecoando na resistência a essa agenda destrutiva da Era Bolsonaro.
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