Ativistas presos são pivôs de disputa sobre limites a protestos
Cabe aos que levam demandas justas às ruas reverem suas táticas e se contentarem com a interrupção do direito de ir e vir, que constitui um preço aceitável a pagar pelo exercício do direito constitucional de reunião e manifestação
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Na grande mídia, nas redes sociais e na blogosfera de esquerda e direita há um tsunami de debates sobre as prisões de cerca de duas dezenas de ativistas de São Paulo e do Rio de Janeiro que, de junho de 2013 para cá, ganharam ampla exposição devido ao seu protagonismo em protestos que, via de regra, começam “pacíficos” e terminam violentos.
As prisões ocorreram a partir de investigação dos serviços de inteligência das polícias civis dos Estados mais afetados pelos protestos violentos, com destaque para o Rio de Janeiro, onde tais protestos atingiram um nível crítico, pois transformaram a capital daquele Estado, literalmente, em uma zona de guerra em que, inclusive, já foi perdida uma vida humana.
Os protestos violentos que vêm ocorrendo no país desde o ano passado começaram sob o mote do transporte público gratuito para todos – o tal “passe livre” – e, após governadores e prefeitos cederem e cancelarem os aumentos do preço das passagens de ônibus e metrô, os ativistas buscaram na Copa do Mundo em solo pátrio a nova desculpa para protestar.
Em um processo inédito no pós-redemocratização, o Brasil de 2013 inaugurou uma era em que protestos – em maioria, violentos – foram se tornando parte da rotina dos grandes centros urbanos. E, quando não há violência, há cerceamento na liberdade de locomoção de quem não participa desses atos públicos, o que vem torturando trabalhadores que empreendem demoradas viagens entre casa e trabalho no transporte público.
Os que desencadearam esse processo lograram uma grande vitória. Em um primeiro momento, provocaram um grande debate na sociedade sobre o transporte público, fazendo as populações dos grandes centros urbanos acordarem para a situação inaceitável nessas regiões.
De repente, as pessoas começaram a se dar conta de que suas vidas não eram tão boas assim. Apesar da renda das famílias e dos salários virem crescendo, apesar do alto nível de empregabilidade e da intensa distribuição de renda durante os governos Lula e Dilma, da porta de casa para fora a vida dos brasileiros continua muito dura.
O nível de tensão social acumulado no Brasil é muito grande. Em quase 12 anos de governos petistas não foi possível resolver uma situação social que se deteriorou durante séculos e, assim, a paciência da sociedade se esgotou lá pelos idos de 2002. Desesperados com uma vida que nunca melhorava, os brasileiros apelaram a ele, ao bicho-papão que a mídia conservadora construiu lá em 1989. Eleger Lula, em 2002, foi o primeiro indicativo do esgotamento da paciência popular.
A melhora da qualidade de vida dos brasileiros ao longo da década passada, foi expressiva. Hoje, ninguém mais sabe o que é a virtual impossibilidade de conseguir emprego que perdurou no Brasil durante décadas, desde o estertor do regime militar até 2002. Os salários, arrasados entre o fim da ditadura e o fim do governo Fernando Henrique Cardoso, idem.
Porém, grupos políticos de esquerda souberam identificar um problema de solução extremamente difícil: os serviços públicos não melhoraram na mesma medida que emprego e salário. Saúde, Educação e Segurança Pública são problemas bem mais difíceis de resolver.
Salários e nível de emprego podem ser melhorados com mais facilidade. O governo pode escolher quem ganha e quem perde. Até 2002, a conta era espetada na plebe para poupar a aristocracia. Lula inverteu essa equação.
Mas Segurança, Saúde e Educação não estão nas mãos do governo federal. Apesar de este poder traçar políticas macro de fomento à melhora desses setores, eles são administrados por Estados e municípios extremamente endividados e/ou geridos por governantes que se elegem para governar para a elite, como no caso do governo paulista.
O escândalo do cartel dos trens em São Paulo explica a situação trágica do setor. Não se trata de corrupção para comprar votos no Legislativo, trata-se de roubalheira mesmo, empreendida para enriquecer políticos. Já no caso da capital paulista, a situação de penúria nos serviços públicos decorre de um orçamento engessado por uma dívida impagável.
E agravada por a prefeitura ter que arcar com as cláusulas contratuais que a obrigam a pagar às empresas de ônibus o que a população não paga nas catracas, o que anula a vantagem da população ao não ter tido aumento da passagem, pois paga do mesmo jeito com seus impostos.
Seja como for, o péssimo nível dos serviços públicos prestados pelo Estado brasileiro produziu um manancial de oportunidades para grupos políticos de oposição desgastarem os governantes de plantão. Contudo, era preciso um tratamento de choque na população para que refletisse que tudo não se resume a salário e emprego.
Até aí, tudo bem. Contudo, a radicalidade do tratamento acabou aprofundando a doença do paciente. Se em um primeiro momento os protestos ganharam forte apoio devido à conscientização da miríade de problemas sociais que o país não resolveu – e que, se resolver, irá demorar décadas –, em um segundo momento a estratégia para “sacudir” a sociedade se tornou mais um problema.
Os partidos políticos de esquerda que se opõem aos governos federal, estaduais e municipais – porque esses partidos não governam praticamente nada – estimularam ou condescenderam com energúmenos que acreditam na violência como forma de luta política. Eles foram úteis para “sacudir” a sociedade. Contudo, abusaram do “remédio” e os protestos violentos se tornaram uma ameaça à própria democracia.
São Paulo e Rio de Janeiro, os centros urbanos mais torturantes do país, ficaram ainda piores. O transporte, que já era difícil, ficou infernal com manifestantes impedindo o tráfego da população. As cenas de guerra campal, com incêndios, depredações e até violência física que os manifestantes desencadearam, fizeram a sociedade entender que esse não era o caminho.
Contudo, devido aos bônus que a violência nos protestos concedeu aos seus autores, eles não querem abrir mão dela. Até porque, sabem que sem violência esses protestos se tornarão parte da rotina das cidades. A sociedade, por sua vez, cobra providências das autoridades e a grita por endurecimento com os manifestantes violentos se torna ensurdecedora.
Os autores desse tipo de protesto, então, adotam uma estratégia pretensamente esperta: negar relação com a violência que invariavelmente ocorre em seus atos públicos. Aí a polícia entra em campo. Investiga e descobre que os autores dos protestos, ao contrário do que afirmam, não apenas estimulam a violência, mas também a organizam.
O clímax dessa situação ocorre no estertor da Copa do Mundo. Como a violência dos protestos os esvaziou fortemente e o evento transcorreu sem grandes problemas, os autores desses protestos violentos decidem organizar uma última cartada.
Com a derrota vexaminosa da Seleção brasileira e o mau-humor popular dela decorrente, estava pronto o palco para uma catástrofe que desmoralizaria o Brasil internacionalmente e predisporia a sociedade à revolta contra o governo de plantão, ou seja, contra o governo federal, que os protestos transformaram em alvo principal.
A prisão de cerca de duas dezenas de organizadores desse plano às vésperas da final entre Alemanha e Argentina desarticulou o plano. Intimidou os que dele pretendiam participar e, enfim, a tragédia não ocorreu.
Os autores da tática de “sacudir” a sociedade – os quais, em 2013, obtiveram os resultados políticos esperados –, então percebem que a violência nos protestos se inviabiliza com a responsabilização criminal de seus autores e se põem a berrar que o país vive uma “ditadura” devido ao Estado coibir a violência com as prisões de seus organizadores.
Os grupos políticos que passaram a berrar slogans sobre “ditadura” e “Estado de Direito”, pois, travam uma batalha surda pelo “direito” de organizar protestos violentos. Professores e acadêmicos envolvidos com os grupos que organizaram toda essa estratégia dão “carteiradas”, do alto de seus diplomas universitários. Buscam desqualificar prisões que impediram uma tragédia na final da Copa, como mostra reportagem do Jornal Nacional na última segunda-feira (21).
A polícia, por sua vez, cumpriu a promessa de exibir as provas em “cerca de dez dias” após as prisões. Como anteviu esta página, gravações mostraram que os “inocentes ativistas” planejavam compra de gasolina para fazerem coquetéis molotov.
Chega a ser aterrador imaginar o que esses jovens pretendiam fazer com os explosivos que preparavam. Com centenas de milhares de turistas no Rio, o Brasil poderia ter sido palco de uma tragédia real, não uma “tragédia” esportiva como a derrota deprimente da Seleção.
A estratégia de desqualificar a reportagem do Jornal Nacional por ter sido feita pela Globo era previsível, mas a matéria é estarrecedora e de difícil contestação, pois mostra um fato inquestionável: “inocentes” ativistas conversaram sobre preparação dos explosivos e comemoraram o uso deles contra policiais militares.
A despeito da conhecida truculência das PMs, convenhamos que gás de pimenta e balas de borracha contra bombas incendiárias coloca os dois lados em uma situação-limite em que o lado mais forte (a polícia) pode abrir mão do armamento leve e, assim, usar armas de fogo.
Torna-se óbvio que os organizadores daquele ato buscam um ou mais cadáveres. De preferência, entre os manifestantes.
Eis que se chega à seguinte situação: se os que pretendiam “impedir” a Copa e, depois, a final da Copa não responderem por seus atos, a tática da violência nos protestos vence e continuará sendo usada até atingir seu objetivo ideal: uma tragédia de grandes proporções, com perda de vidas humanas.
Por outro lado, a responsabilização criminal dos mentores de um protesto que visava provocar uma tragédia será um forte golpe nessa tática da violência. Esvaziará esse tipo de protesto, pois serão poucos a se arriscar.
Há exemplos, ao longo dos últimos 12 meses e tanto, de protestos que transcorreram sem violência de ambas as partes (polícia e manifestantes) devido aos seus autores não terem apelado para a violência. E, sem violência, o direito de protestar estará garantido.
Cabe aos que levam demandas justas às ruas reverem suas táticas e se contentarem com a interrupção do direito de ir e vir, que constitui um preço aceitável a pagar pelo exercício do direito constitucional de reunião e manifestação.
Para concluir: muitos se espantaram com a enorme aprovação do governo Geraldo Alckmin revelada por recente pesquisa Datafolha. Como paulista e paulistano, este blogueiro pode explicar por que um governo responsável por um sistema caótico de trens urbanos, por escassez de água nas torneiras e por uma insegurança pública crescente é tão bem avaliado.
A população paulistana não suporta mais os protestos, sobretudo os violentos. Há uma irritação generalizada. As pessoas querem repressão aos protestos e Alckmin entregou o que a esmagadora maioria quer. Ou seja: os autores dos protestos violentos só fizeram fortalecer o responsável por uma das polícias mais violentas do país.
Um dos objetivos dos grupos que organizaram os protestos violentos é impedir a reeleição de Dilma Rousseff. A despeito da análise que cada um tiver a respeito do sucesso desse objetivo, este Blog sugere a esses grupos que reflitam sobre o que seria deles em um governo federal do PSDB. Como amostra, podem usar o governo tucano de São Paulo.
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