Aterrissagem no 247



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Minha geração no jornalismo teve privilégio semelhante ao de um homem das cavernas que conseguiu viver para assistir e participar da revolução industrial. Assim tem sido para nós, que nos profissionalizamos na era analógica, escrevendo em emperradas máquinas manuais, rabiscando laudas, recebendo e transmitindo noticiais por telex. Num átimo de tempo, chegamos vivos e ativos à era da Internet, da alta conectividade e da interatividade. Alguns ficaram pelo caminho, é verdade, mas os que chegaram são portadores dos fundamentos e das melhores tradições do oficio jornalístico. Devem somar-se aos jovens nativos digitais neste tempo em que o jornalismo muda mas continua mais necessário do que nunca: para a construção de sociedades melhores e de democracias mais sólidas.

A Internet, com as notícias em tempo real e a interatividade,  subverteu as regras que há dois séculos regiam o jornalismo. A periodicidade deixou de ser imperativa e os veículos/jornalistas deixaram de ser vozes unidirecionais. Acabou-se o tempo em que um falava para muitos, o tempo do emissor/receptores. Veículos e jornalistas ainda são mediadores entre a notícia e os cidadãos mas estes deixaram de ser passivos e tornaram-se coatores na produção da informação, que pode ser assimilada, contestada e enriquecida pela interatividade e pelas redes sociais.

Estas digressões me ocorrem enquanto busco o que dizer neste texto inaugural num espaço exclusivamente digital: este blog em parceria com o Brasil247, em cuja plataforma será disponibilizado, interagindo com o portal que vem desbravando com mais eficácia e profissionalismo a selva das novas mídias independentes propiciadas pela Internet. Se as velhas mídias impressas demoraram para compreender o novo cenário, limitando-se inicialmente a transpor textos do impresso para o digital, boa parte das experiências individuais ou coletivas de jornalismo eletrônico, nem sempre praticadas por jornalistas, negligenciaram os fundamentos básicos do oficio: independência, liberdade, compromisso com a verdade, fidelidade aos fatos e honestidade em sua interpretação.

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Nos início dos anos 80, já repórter de política, vivi os espantos de minha geração com a rápida informatização das redações. Dez anos depois, a popularização da Internet. Colunista de O Globo, atividade que exerci por 21 anos consecutivos, fui beneficiária do tempo real, que aumentou a atualidade das colunas, da edição online, do socorro do Google, sem nunca deixar de gastar sola de sapato, de sentir a vibração politica dos ambientes, o calor dos fatos e mesmo dos boatos. Os leitores deixaram de ser apenas leitores, passagem a interagir com os colunistas, que nesta altura passaram a ter blogs, cobrando, protestando, corrigindo. Nos últimos 10 anos, a digladiar e a agredir também mas isso é parte da paisagem política.

As mídias tradicionais, além de atordoadas pelas mudanças que ameaçaram seu modelo de negocio e difusão da informação, passaram no Brasil por uma transfiguração. A chegada de um novo bloco politico ao poder, liderado pelo PT, desvelou a antiga postura “apartidária” dos grandes veículos comerciais – impressos e eletrônicos. De 2003 para cá, a mídia imbuiu-se do papel de fazer oposição e de ditar a agenda nacional. Brigou com os fatos, negligenciou a apuração, esmaeceu limites entre informação e opinião. Este é um longo inventário, que comporá o capítulo da história recente da imprensa brasileira. Vivi-os, provei da intolerância, do sacrifício da pluralidade, do controle dissimulado da liberdade das redações.

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Entre 2007 e 2011, dediquei-me a uma tarefa que julguei importante para a democratização das comunicações, a implantação de um sistema público de radiodifusão, gerido pela EBC, do qual fui a presidente-fundadora, composto por canais públicos de televisão (TV Brasil e TV Brasil Internacional), rádios e agência de notícias. Encerrado o mandato na EBC, voltei ao colunismo político nos Diários Associados. O quadro anterior até se agravara, com maior hegemonia do pensamento único, emanado dos aquários, e a exigência do espírito de manada para sobreviver.

Estes são os caminhos que me trouxeram até aqui, à estreia deste blog no Brasil247. Pretendo fazer o jornalismo que sempre fiz: o que informa sem brigar com os fatos, o que interpreta e analisa com a maior honestidade possível, o que respeita a inteligência do leitor-cidadão. A ele, não ao jornalista, pertence o direito à informação. Para respeitar tal direito, o jornalista tem que ser, antes de tudo, livre.

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Acompanhei o Brasil247 desde seu nascimento, observando sua afirmação como produto do novo tempo tecnológico e da paisagem democrática brasileira.  Muito antes de trabalhar num grande veiculo da mídia tradicional, nos idos da resistência à ditadura, atuei na chamada imprensa alternativa. No Versus, Cidade Livre, Opinião. Plataformas como o 247 guardam um parentesco com aquelas publicações que oxigenavam o ambiente asfixiado da ditadura, apesar das diferenças na forma, na tecnologia, no tempo e no conteúdo. Mas é o que espero encontrar e oferecer aqui: terra arada para o jornalismo, este oficio cada vez mais necessário, justamente quando passa por tantas transformações.  Por alguns anos ele ainda habitará diferentes plataformas mas seu futuro está aqui, na Internet.

 

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