Atentados contra o Brasil: a ditadura militar e o assassinato de JK

Parte 2 de "Atentados contra o Brasil: do tiro em Lacerda à facada em Bolsonaro"

Juscelino Kubitschek recebe, de volta, mandato de senador
Juscelino Kubitschek recebe, de volta, mandato de senador


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O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi marcado pela política nacional desenvolvimentista que teve na construção de Brasília a sua principal marca. A tolerância política permitiu o retorno à cena pública de grandes nomes comunistas que viviam na clandestinidade, como Luiz Carlos Prestes e Carlos Marighella, dando um fôlego à trôpega democracia brasileira. Em 1961, foi sucedido pelo udenista Jânio Quadros. Sem sintonia com os problemas do país, preocupou-se em proibir as rinhas de galo, as corridas de cavalo durante a semana e os biquínis na televisão. Renunciou em agosto daquele ano, provocando uma enorme crise política.

Não que o campo político estivesse preocupado com Jânio, todas as atenções estavam voltadas ao seu vice: João Goulart. Jango possuía destacada atuação política, foi também vice presidente de JK e, antes, ministro do trabalho de Getúlio Vargas. Herdeiro do trabalhismo varguista, assumiu o cargo de presidente e propôs ousadas medidas modernizadoras, como reforma política, reforma urbana, reforma agrária, reforma eleitoral etc. Após o episódio dos tiros em Carlos Lacerda, que levou à acentuação da crise política e ao suicídio de Getúlio Vargas, a chegada de Jango ao poder significava, para a direita liberal conservadora, o retorno da ideologia e da força política trabalhista que há décadas era combatida sem sucesso.

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No início de 1964, o clima político era de enorme tensão. Jango era chamado de “comunista” e seu governo acusado de “corrupção”. As bandeiras do combate à corrupção e do anticomunismo foram acionadas como parte de uma manobra para acobertar os planos de ruptura dos setores da direita, barrar as reformas de base e tornar legítima a ditadura militar que se instalaria a partir de então e se aprofundaria nas décadas seguintes. Em primeiro de abril, Jango foi deposto. No dia da mentira, como uma ironia da história para a farsa política montada pelas Forças Armadas - com apoio das classes médias urbanas, das elites empresariais, da grande mídia, dos políticos conservadores, de líderes religiosos e dos Estados Unidos - contra o Brasil e os brasileiros.

A “frente ampla” ameaçava a ditadura militar

O início da ditadura militar, em 1964, foi marcado pela perseguição às principais lideranças civis brasileiras. Inicialmente, políticos associados à esquerda foram acossados, mas logo figuras à direita, que apoiaram o golpe, começaram a ser devoradas pelo monstro que trouxeram à vida. Um deles foi o próprio JK, que teve seus direitos políticos cassados, sob orientação dos Estados Unidos, ainda em junho de 1964, por ser o candidato favorito às eleições presidenciais do ano seguinte. A campanha difamatória da mídia, denunciando os supostos esquemas de corrupção que envolveram a construção de Brasília, foi fundamental para desqualificar JK.

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Desde 1966, Juscelino Kubitschek, o presidente deposto pelo golpe, João Goulart, e mesmo o outrora opositor udenista, Carlos Lacerda, lançaram a “frente ampla”, composição política formada por lideranças civis que se opunham à ditadura militar. Após anos de perseguições políticas, torturas, estupros, assassinatos e ocultação de cadáveres, o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) propôs a “distensão lenta, gradual e segura” para o retorno dos civis ao poder.

Nos anos 1970, a Operação Condor – uma cooperação efetivada pelas ditaduras militares da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai -, contava com amplo apoio técnico, logístico e financeiro dos Estados Unidos. No Chile, estabeleceu-se um laboratório responsável por desenvolver biotecnologias que pudessem matar pessoas sem deixar vestígios. O “projeto Andrea” surgiu em Santiago e desenvolveu 10 venenos para aniquilar os “inimigos” das ditaduras.

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No início de 1976, JK registrou em seu diário a visita de Roberto Marinho que, na ocasião, o alertou: “os militares pretendem coisas dramáticas sobre você, tome cuidado”. No mesmo período, o então ministro da Justiça, Armando Falcão, o avisou no mesmo sentido. Àquela altura, JK já havia recuperado seus direitos políticos e despontava como favorito para a presidência da República. Em 22 de agosto daquele ano, o ex-presidente e seu motorista morreram em um acidente automobilístico muito controverso, na via Dutra, próximo à Resende, no Rio de Janeiro.

A Comissão Nacional da Verdade recusou-se a investigar, a fundo, a morte de JK - restringindo-se aos documentos fraudulentos produzidos pelo inquérito da época do acidente. Mas um grupo de pesquisa, composto por professores e estudantes da Universidade de São Paulo, levantou uma série de documentos que comprovam: JK foi assassinado pela ditadura militar com apoio dos Estados Unidos e contando com a grande mídia para a divulgação de informações falsas que sustentaram, junto à opinião pública, a versão do acidente.

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O trabalho resultou num livro e concluiu que a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek foi gestada por ameaças de assassinato, pela Operação Condor, pela operação Para-Sar e pela Operação Código 12 (código utilizado para eliminar oponentes fazendo parecer morte por acidente). Seu motorista, Geraldo Ribeiro, também foi vítima, apesar de não ser o alvo preferencial. Os assassinatos foram ocultados por uma perícia fraudulenta da ditadura, realizada após homens fardados serem vistos, no local do “acidente”, alterando a posição dos automóveis. O laudo da morte foi produzido pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli, o mesmo que criou e forjou o laudo da morte de Zuzu Angel, hoje amplamente documentado e comprovado que se tratou de uma fraude. A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo declarou que JK foi vítima de perseguição política pela ditadura militar, teve seus direitos políticos cassados, foi exilado, publicamente humilhado e difamado. Foi vítima de uma campanha pública, realizada pela grande mídia, para destruir sua reputação e sua honra a partir de um complô nacional, com cooperação estrangeira, para assassiná-lo. Quanto a este caso, a historiografia brasileira jamais ousou questionar a versão oficial e segue tratando o assassinato de JK como um acidente automobilístico. 

A “frente ampla” morre do coração

No exílio, João Goulart também incomodava a ditadura militar e foi avisado, por Miguel Arraes (à época, exilado na Argélia), que havia uma conspiração para mata-lo. Como apontaram inúmeros depoimentos, seu nome constava em lista de pessoas que deveriam ser eliminadas pela Operação Condor. Alguns meses após o assassinato de JK, Jango morreu de infarto, em sua fazenda, na província de Corrientes, na Argentina. Desde o início, Leonel Brizola e outras figuras próximas ao ex-presidente denunciaram que não se tratava de uma morte natural. A suspeita é que houve a troca de medicamento, já que os remédios que tomava para a cardiopatia desapareceram e todo o seu velório foi feito acompanhado por agentes da ditadura militar. À época, não se permitiu a autópsia dos restos mortais, nem no Brasil, nem na Argentina. O médico que primeiro recebeu o corpo de Jango e a havia solicitado morreu de atropelamento de trânsito, repentinamente, antes que pudesse realiza-la.

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A tentativa de apuração do evento fez com que pessoas ligadas ao ex-presidente Jango, de alguma maneira, viessem a óbito. Ao todo, 18 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a situação da morte de Jango faleceram, 15 delas de ataque cardíaco. Em 2000, foi instalada uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados para investigar as circunstâncias da morte de Goulart. Apesar de não comprovar que se tratou de um assassinato, diversos depoimentos e documentos mostraram que a morte do ex-presidente interessava à Operação Condor.

O historiador Moniz Bandeira, autor de uma importante obra lançada em 1977 sobre a história de Jango, sempre refutou veementemente a hipótese de assassinato devido à ausência de documentos que a comprovassem. Fato é que seria surpreendente se houvesse documentos. É razoável pensar que aqueles que realizaram uma conspiração internacional para matar um ex-presidente da República e outras importantes figuras políticas latinoamericanas não iriam deixar documentos que comprovassem, à posteridade, suas responsabilidades. Esse tipo de coisa não se faz por escrito.

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Em maio de 1977, Carlos Lacerda internou-se para tratar uma gripe e morreu um dia depois, de acordo com a imprensa, vítima de enfarte do miocárdio. Num intervalo de nove meses, as três figuras da “frente ampla” contra a ditadura morreram sob circunstâncias controversas. A eliminação das principais lideranças que poderiam fazer água ao plano de “distensão lenta, gradual e segura”, de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, viabilizou o retorno dos civis ao poder mediante um amplo acordo de conciliação e acomodação. Este, jamais permitiu a punição dos militares que violaram os direitos humanos e, até hoje, impede que investigações efetivas sejam realizadas para apurar o que realmente houve naquele período vergonhoso da nossa história republicana. O objetivo da Operação Condor era, também, assegurar que não houvesse lideranças políticas autênticas na América Latina. Assim, foi mantido o domínio das ditaduras militares sobre os processos políticos da região e a subordinação desses países aos interesses dos Estados Unidos. A condição de subdesenvolvimento para o Brasil estava, portanto, garantida.

Indicações de Leitura, Documentário, Entrevista e Conferências:

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“Quase todos os assassinos de JK”. Paulo Henrique Amorim entrevista Alessandro Octaviani: https://www.youtube.com/watch?v=FHw_xJtSgoA&t=2s

Lançamento do livro “O assassinato de JK pela ditadura: documentos oficiais”: https://www.youtube.com/watch?v=pxZ99pzDMl8

“Dossiê Jango”. 2013. Dir. Paulo Henrique Fontenelle: https://www.youtube.com/watch?v=axFgLsWSYGA&t=4228s

OCTAVIANI, A.; MEDEIROS, L. V.; BRAGA, M. A. (orgs) “O assassinato de JK pela ditadura: documentos oficiais”. São Paulo: Liber Ars, 2016.

COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO “RUBENS PAIVA”. Relatório. Tomo II. “Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985)”. Disponível para acesso em: http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-ii/downloads/II_Tomo_Dossie-ditadura-mortos-e-desparecidos-politicos-no-brasil-1964-1985.pdf

Reportagem: https://istoe.com.br/37854_MATARAM+LACERDA+/

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