As tensões do PT e do PSOL
Colunista Aldo Fornazieri afirma que o PT e o PSOL "vêm negligenciando o problema da organização popular e da constituição de força social e política organizada, tanto para sustentar reformas pela via da política institucional, quanto para conquistar direitos e aprofundar a democracia e mudanças via a mobilização popular"
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Por mais que se diga que o centro tático do momento conjuntural seja o enfrentamento do governo Bolsonaro e todas as suas políticas nefastas, os partidos de esquerda e os partidos em geral têm como foco as eleições de 2022. A CPI da pandemia não parece ser capaz de deslocar esse centro tático. Os partidos tomam iniciativas de propor o impeachment, mas mesmo com a queda da popularidade de Bolsonaro e com 49% a favor e 46% contra o impedimento, nada indica que ele prosperará.
As esquerdas e os movimentos populares ensaiam uma retomada das mobilizações no final do mês. Será um teste para averiguar seu poder de convocação. Convém lembrar que, desde 2015, o poder de convocação e de mobilização vem se mostrando débil. Para que o impeachment se coloque como uma possibilidade factível algumas condições são necessárias: grandes mobilizações, queda ainda maior da popularidade de Bolsonaro, agravamento das condições de governabilidade no enfrentamento da pandemia e agravamento da crise social e econômica.
A pesquisa Datafolha, que dá 41% para Lula, 23% para Bolsonaro, 7% para Moro e 6% para Ciro, reforça a hipótese que defendi no último artigo (Bolsonaro: Derrota no primeiro turno ou impeachment 03/05/21), que indica a possibilidade de um segundo turno sem Bolsonaro. A deterioração do apoio ao presidente subsidia esta hipótese. Claro, em 2022 a pandemia deverá arrefecer e a economia estará melhor. Mas o governo não tem tempo suficiente para se recuperar significativamente. E Bolsonaro não deixará de ter um enorme passivo.
Com as eleições se colocando na ordem do dia dos partidos prematuramente, observa-se um aumento das tensões no interior do PT e do PSOL. No PT, os movimentos de Lula e da direção se dirigem rumo ao centro. O encontro entre Lula e Sarney é a evidência maior desse caminho. A aproximação com o PSD e outros líderes do MDB também reforça essa sinalização. Nada foi dito do encontro entre os dois ex-presidentes. A boa política sugere que deveriam ter emitido uma nota pública conjunta após a reunião.
A política de Lula e da direção do partido está clara: montar uma aliança que vai da esquerda ao centro para vencer as eleições. Esta estratégia tem sua lógica e sua razão de ser. Considera-se que a tarefa central consiste em impedir nova vitória de Bolsonaro e, depois, reconstruir o desmanche do atual governo, reconstruir o Brasil com condições adequadas de governabilidade. Além disso, buscar alianças com setores de centro visaria impedir que uma eventual candidatura de centro-direita hegemonizasse esse campo político.
Esta política, porém, vem sendo criticada pelas correntes e dirigentes mais à esquerda. A esquerda preconiza uma frente democrática popular, que seja capaz de enfrentar o neoliberalismo, o capital financeiro, o oligopólio da mídia e de garantir a retomada do emprego e da industrialização, entre outras reformas democráticas. Sugere que a aliança ao centro seria uma espécie de repetição da experiência dos governos petistas, que foi importante, mas limitada. Quais são as razões da esquerda petista? Não enganar-se novamente com os setores de centro, conquistar o poder para fazer as mudanças estruturais para além de políticas sociais, fim da conciliação com grupos dominantes. Propõe uma política de conflito com o setor financeiro e com o agronegócio. Em síntese: política de desenvolvimento econômico comandada pelo Estado e autonomia política à classe trabalhadora, tirando-a da condição de ponto de apoio a setores da elite.
As tensões surgiram também no PSOL: a maioria da direção partidária e o grupo de Guilherme Boulos inclinam-se a fazer uma aliança com o PT e Lula. Este setor parece também avaliar que a principal tarefa consiste em derrotar Bolsonaro e a extrema-direita. Mas, para viabilizar a aliança, o PT teria que fazer concessões. Por exemplo, as mais importantes: Boulos candidato ao governo de São Paulo e, provavelmente, Freixo no Rio de Janeiro. O presidente do partido, Juliano Medeiros, publicou um artigo chamando a volta às ruas, mas sem explicitar uma centralidade tática.
A ala esquerda do PSOL, porém, defende uma candidatura própria. Um manifesto assinado por seis dos dez deputados federais do partido e por mais de três mil militantes indica a candidatura do deputado Glauber Braga e defende quatro eixos programáticos: derrotar o rentismo e o neoliberalismo, derrotar o modelo concentrador de terras e destruição ambiental, em defesa do serviço público com controle popular e mais direitos.
Tanto as duas alas do PT, quanto as duas do PSOL têm suas razões e desrazões. Lula e a maioria da direção do partido estão certos em querer vencer as eleições. O problema é que não dizem no que e como aprofundariam o programa de mudanças. Governariam cedendo aos aliados de centro?
A ala esquerda petista, também está certa em defender uma radicalização programática e mudanças estruturais. Os treze anos de governos petistas, sem dúvida, melhoraram o Brasil, mas não o mudaram estruturalmente. Esta é a questão de fundo que a ala esquerda procura resolver e que os moderados não respondem. Mas a ala esquerda teria que responder a seguinte questão: como garantir a governabilidade radicalizando o programa de reformas.
O PSOL vem se fortalecendo aos poucos, afirmando sua autonomia política disputando eleições com candidaturas próprias. Talvez seja um crescimento demasiadamente lento. O partido não administrou nenhuma prefeitura de envergadura, com exceção de Belém. Parece que a direção do partido e Boulos entendem que é preciso acelerar o crescimento buscando vencer em centros maiores de poder. A aliança com Lula poderia ensejar este caminho.
Já a ala esquerda do PSOL vê perda de autonomia política e programática se for feita uma aliança com Lula, ainda mais se ele atrair setores de centro. O risco seria a descaracterização do projeto do PSOL. A preocupação faz sentido. A autonomia política e programática é uma questão decisiva para vencer e mudar. Mas para isto é preciso ter força organizada. A ala esquerda não consegue mostrar claramente uma estratégia de crescimento do partido.
O problema de fundo, tanto do PT quanto do PSOL, no entanto, parece ser a aposta prioritária na estratégia institucional, eleitoral. Ambos os partidos vêm negligenciando o problema da organização popular e da constituição de força social e política organizada, tanto para sustentar reformas pela via da política institucional, quanto para conquistar direitos e aprofundar a democracia e mudanças via a mobilização popular.
A experiência dos governos petistas mostra que sem força organizada as mudanças não se sustentam. Não só são derrotadas, mas podem ocorrer graves retrocessos, como este que estamos vivendo. Os partidos de esquerda têm o dever de realizar publicamente o debate sobre os caminhos estratégicos para que a opinião pública progressista, de esquerda e democrática possa contribuir nas escolhas que visam interferir nos destinos do Brasil e do povo nos próximos anos.
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