As senhoras e os senhores dos absurdos que contribuíram para a morte de Paulo Gustavo
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Na última terça-feira (04/05), o ator e humorista Paulo Gustavo se uniu aos mais de 410 mil brasileiros, que perderam suas vidas para a Covid 19. Lutando há mais de um mês contra complicações decorrentes da doença, o criador de personagens como a “Dona Hermínia” de “Minha mãe é uma peça” e “Senhora dos absurdos” do programa “220 volts”, uma ácida e bem humorada crítica à elite brasileira e seus tradicionais preconceitos, não resistiu e nos deixou um pouco mais carentes de pessoas que, de alguma forma, fazem parte de nossas vidas.
O riso fácil, o jeito alegre, o carisma, e, principalmente, o talento que conquistaram o público brasileiro, mesmo tendo construído sua carreira por caminhos mais alternativos do que os convencionais, é uma prova de que Paulo Gustavo pertencia a mais brasileira das espécies. Tanto, que dois de seus principais personagens aqui citados, retratam com perfeição a alma do brasileiro. A boa e a ruim. Se dona Hermínia era aquela típica mãezona protetora, que mesmo cometendo alguns excessos, não abria mão de demonstrar o seu amor por eles, ainda que às vezes de forma meio “rústica”, a “Senhora dos absurdos” mostrava o oposto de tais sentimentos. O que era atenuado pela capacidade do ator de interpretar um personagem tão escroto, de maneira leve e cômica.
E foi justamente alguma “senhora dos absurdos” que colaborou para que ele partisse mais depressa para outro plano. Senhoras e senhores dessas que em tempo de pandemia, sai às ruas sem máscara, protestando contra as medidas de isolamento, disseminando um vírus de poder letal, pedindo intervenção militar, invocando o apoio de Deus para a sua estupidez e apoiando a um governo que representa o maior dos absurdos já produzidos fora da ficção brasileira. Senhoras e senhores do absurdo do Leblon e de Alphaville, que desprezam a vida humana e defendem apenas o próprio direito de viver e morrer como bem quiserem. Ninguém melhor do que Paulo Gustavo e a sua fictícia senhora elitizada e ignorante, com o perdão do pleonasmo, representou tão bem essa gente.
A leitura precisa expressa na interpretação do personagem, com certeza veio da percepção de quem se encaixava em uma das minorias perseguidas e discriminadas pela sociedade. Homossexual, casado e pai de dois filhos adotivos, Paulo soube bem o que é sentir-se discriminado em sua existência. Obviamente, o fato de ser branco lhe garantiu alguns privilégios dentro do preconceito sofrido. Uma compensação que o fez raciocinar para além do seu lugar de fala e de sentimento. Como no episódio “Sociedade Hipócrita” (https://www.youtube.com/watch?v=GQ3bxnkurbk ) exibido em 2016 no Multishow, onde a digníssima senhora por ele interpretada sugeria uma reorganização da sociedade. Abaixo um trecho do texto da esquete
“A história do negro, é outra coisa que me irrita. O negro sai na rua e sofre discriminação, reclama. Mas é assim desde que o mundo é mundo. O país é assim. Não tem que sair na rua o negro, tem que ficar em casa. Ou então, se não está satisfeito, vai pra outro lugar. Se quiser, a gente pega e junta todos os negros do país e manda lá pra fora. Ou vende e depois doa o dinheiro para Europa. Entende? Se você vender Salvador inteira, você já salva uma Grécia. É assim. Só não manda (o dinheiro) pra Portugal. Portugal, eu tenho horror deles. Foram eles que começaram com isso e encalacrou a gente. Mandou tudo pra cá num navio.”
Assim como a maioria da nossa elite branca e capitalizada, a “senhora dos absurdos” costumava externar o seu cansaço por não ser escutada em suas ideias excludentes, extraídas de seus sinceros sentimentos. Uma sinceridade habitual que a nossa elite faz questão de deixar transparecer, quando o assunto é manutenção das desigualdades e perpetuação de preconceitos. Do alto de suas luxuosas coberturas, outras dezenas de “senhoras do absurdo” seguem manifestando toda a sua ojeriza pelas diferenças e pela igualdade. O cúmulo dos absurdos se manifesta quando elas descem de lá, e, envoltas na bandeira nacional, perdigotam pelas avenidas atlânticas e paulistas do país, todo esse discurso sincero disfarçado de liberdade e patriotismo.
Nesse trecho https://www.youtube.com/watch?v=vTje9kf-1M8) de um outro episódio exibido no programa “220 volts”, já durante a pandemia, Paulo Gustavo resumiu com precisão o sentimento de imortalidade da nossa elite privilegiada e o seu descaso para com a vida dos demais pobres mortais que coabitam com eles o mundo do qual se sentem donos. Dizendo que não se preocupava em contrair o vírus, porque o seu poder aquisitivo lhe permitiria ser tratada num hospital 5 estrelas, caso fosse infectada, a “senhora dos absurdos” explica porque os ricos estão presentes nas ruas do país, protestando em defesa do direito ao trabalho. Logicamente, o direito de seus empregados trabalharem para produzir a riqueza que eles desfrutam. Em síntese, uma trama macabra que configura um homicídio planejado e qualificado, do qual muitas vidas, entre as mais de 410 mil que perdemos para o vírus, estão entre suas vítimas.
Infelizmente, nem todos conseguiram perceber como deveriam, a crítica à naturalização da opressão social, racial e de gênero, que havia por trás de seu personagem. Mais do que isso, o genocídio que se desenhava diante de nossos olhos, tendo a nossa elite como a “senhora” patrocinadora de tamanho crime contra a humanidade, e que ele, através do humor, chamava a atenção para o fato. A morte de Paulo Gustavo, simboliza a morte da alegria que estamos perdendo, ao nos vermos impotentes nas mãos de um governo incompetente, cruel e assassino. Jair Bolsonaro e suas senhoras e senhores apoiadores do absurdo que ele representa, estão nos matando um pouco a cada dia. Seja de indignação, seja contribuindo para a morte de um de nós.
Espero que a dor que estamos sentindo nesse momento, não apenas pela perda um famoso, mas também pelas outras milhares de vidas igualmente valiosas que se foram, nos sirva de lição e não permita mais que elejamos o absurdo como política de governo. A morte não pode continuar a governar o país. Nossa alegria e esperança não pode continuar a ser roubada por uma corja de milicianos, capangas de uma elite acéfala e coautora de um plano genocida. Nossa existência não pode se resumir a obedecer à autoridade de um governante insano, vingativo e mau, cuja podridão da alma subjuga milhões de brasileiros ao seu projeto de extermínio da população mais pobre e mais vulnerável do país.
Bolsonaro perdeu o respeito e a autoridade do cargo que ocupa, ao optar pela morte do povo que o elegeu. Isso é covardia! É genocídio! Ao contrário de Paulo Gustavo, que descansa merecidamente a sua boa e alegre alma na eternidade, que Jair Bolsonaro não tenha descanso, enquanto não pagar pela destruição que vem causando. Nem aqui na terra, nem onde o Deus criador entender que ele deve pagar pelos cruéis atos de sua existência.
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