As penas previstas no impeachment podem ou não ser desmembradas?
Confesso que me surpreendi com o encaminhamento decidido pelo Senado, pois a meu juízo a perda do cargo e a inabilitação seriam questões indissociáveis
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Muito se tem discutido quanto à separação em duas votações dos temas “perda do cargo” e “inabilitação para função pública”, fato que aconteceu na parte final do julgamento da Presidente Dilma Rousseff pelo Senado. Há quem defenda e a quem se oponha.
Confesso que me surpreendi com o encaminhamento decidido pelo Senado, pois a meu juízo a perda do cargo e a inabilitação seriam questões indissociáveis.
E não estou sozinho nesse estranhamento, pois a própria presidente Dilma Rousseff disse ao site TERRA que considerou "estranhíssima" a votação separada do impeachment ocorrida no Senado, votação, repita-se, que a condenou a perda de mandato por crime de responsabilidade, mas manteve seus direitos políticos.
Mas segundo o ministro Celso de Mello não há motivo para o estranhamento e não há impropriedade na votação na forma que ocorreu, a questão segundo ele poderia ser encaminhada separadamente, em duas votações. Isso porque o STF no caso Collor de Mello, já havia entendido que era lícito proceder-se a distinção e reconhecer esse caráter autônomo a cada uma das sanções.
Em razão disso fui ler sobre o assunto.
Em sendo assim e em nome da honestidade da análise não podemos esquecer que, segundo decisão de 1993 do próprio STF[1], no sistema atual, da Lei 1.079, de 1950, não seria possível apenas a aplicação da pena de perda do cargo, pois a pena de inabilitação não assumiria caráter de acessoriedade[2], portanto a existência, no impeachment brasileiro, segundo essa decisão[3], tem duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. Nesse mesmo acórdão o STF lembra que no sistema das Leis 27 e 30, de 1892, era possível a aplicação tão somente da pena de perda do cargo, podendo esta ser agravada, ou não, com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo[4], emprestando-se à pena de inabilitação o caráter de pena acessória[5].
Por outro lado corrobora essa posição do ministro Celso de Mello o entendimento da professora da UNESP Soraya Regina Gaspareto que afirmou que na questão do fatiamento, não houve qualquer violação da Constituição, pois sempre que um juiz competente julga uma determinada questão, essa pessoa tem o direito de apresentar a sua interpretação; o juiz competente no caso foi o Senado Federal.
Ainda segundo a professora em sendo analisado com honestidade o artigo 52, parágrafo único da Lei 1079/50, tem-se que, nos casos previstos nos incisos I e II, que trata do impeachment de presidente e ministros, o presidente do Supremo presidirá o julgamento, “limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos”, ora o próprio texto da lei, ele diz qual é o limite da condenação. Como a citada professora diz: “O texto não diz que deverá ser”, mas orienta que o limite é a decisão do Senado. E seria evidente que o intérprete tem liberdade para decidir tanto quanto ao procedimento, quanto ao conteúdo, portanto não houve qualquer violação à constituição.
Fato é que sempre será possível afirmar que estava em questão naquele momento assegurar “direito parlamentar subjetivo”, o direito ao destaque, previsto no processo legislativo. É um argumento válido, afinal o Senado como Juiz Natural não deixa de ser uma casa de leis e há questões que devem ser orientadas, encaminhadas e decididas pelo Regimento Interno, como é o caso dos destaques.
E há uma questão histórica a ser considerada, questão lembrada pelo Decano do STF: no processo de impeachment de 1992 do então presidente Fernando Collor, o julgamento da inabilitação foi feito em separado, resultando na publicação de uma resolução do Senado.
Posto isso, é possível afirmar que a questão não é, doutrinaria e jurisprudencialmente, pacifica, mas está decidida pelo Senado Federal.
Fato é que o Senado decidiu cassar e cassou o mandato de uma Presidente eleita e reeleita pelo voto popular, uma presidente que sabida e confessadamente não cometeu crime de responsabilidade.
E essa afirmação não é retorica. O senador Acir Gurgacz afirmou que apesar de ter votado a favor do impeachment de Dilma Rousseff[6], que não vê crime de responsabilidade nos atos praticados por Dilma; disse ainda que “... entendo que não há crime de responsabilidade, mas falta governabilidade para a presidente voltar a governar o nosso país. A volta da presidente talvez causasse um problema ainda maior para a economia brasileira, que já não está bem"; a decisão do Senado foi, portanto, uma decisão de outra natureza que não jurídica, por isso o fatiamento, decidido de forma soberana pelo Senado, pode decorrer também do constrangimento de parte do Senado por ter cassado o mandado popular fraudando a lei.
Penso que o afastamento de Dilma Rousseff abre mais uma ferida gravíssima na nossa sempre relativizada democracia...
[1] MS 21.689, rel. min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995.
[2] CF, 1934, art. 58, § 7º; CF, 1946, art. 62, § 3º; CF, 1967, art. 44, parágrafo único; EC 1/1969, art. 42, parágrafo único; CF, 1988, art. 52, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, arts. 2º, 31, 33 e 34
[3] CF, 1988, art. 52, parágrafo único; Lei 1.079, de 1950, arts. 2º, 33 e 34
[4] CF de 1891, art. 33, § 3º; Lei 30, de 1892, art. 2º
[5] Lei 27, de 1892, arts. 23 e 24
[6] http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/08/senador-vota-pelo-impeachment-mas-diz-que-nao-ha-crime-de-dilma.html
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