As nuvens da esperança e o chão da realidade
De tudo que foi destroçado, a primeira ressurreição se dará nas Relações Exteriores. E a segunda, nas artes e na cultura, avalia o jornalista Eric Nepomuceno
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Por Eric Nepomuceno, para o 247
Começo repetindo aqui o recado que mandei, gravado, ao presidente Lula, com a devida explicação.
Eu disse que detestei a festa da posse, o desfile, os discursos, as pessoas nas ruas de Brasília e nas imensas praças. A explicação: é que passei da idade de chorar de emoção.
E disse ainda que, mais que chorar, eu desidratei.
Se viví os últimos seis anos, e muito especialmente os derradeiros quatro, reiterando que jamais na vida imaginei chegar a estas idades vendo meu país sendo mais destroçado que nunca, devo dizer que tampouco achei que iria me emocionar tanto com uma troca de governo.
E a emoção foi se estendendo nos dias seguintes. O discurso de Fabio Dino, por exemplo, de uma contundência visceral. Ou a profunda emoção de ver alguém da estatura moral e da dignidade de Silvio Almeida assumindo o lugar de uma aberração que atende pelo nome de Damares Alves e virou senadora.
Ver João Jorge Rodrigues, que não conheço pessoalmente, nomeado para rescussitar a Fundação Palmares e varrer para sempre os restos do excremento que passou por ali não tem preço. E a alegria de ter meu bom amigo Marco Lucchesi com a missão igualmente imensa de trazer de volta à vida a Biblioteca Nacional... enfim, com três ou quatro exceções, necessidades do jogo político de um país que tem 32 partidos ativos e 22 deles com representação no Congresso, um governo de gigantes. Não me lembro de nada comparável desde a retomada da democracia.
A festa, na verdade, ainda não acabou, mas já é hora de voltar das nuvens da esperança para o chão da realidade. E, sabemos todos, trata-se de um chão especialmente duro.
Continuo com a ideia de que de tudo que foi destroçado, a primeira ressurreição se dará nas Relações Exteriores. E a segunda, nas artes e na cultura.
Mas ainda assim, e apesar de conhecer Mauro Vieira há décadas e saber de suas altíssimas qualidades, entendo que não será tarefa das mais fáceis. O cenário global é hoje muito diferente do de vinte anos atrás, e ele terá de lançar mãos de todas as suas qualidades – que, reitero, são muitas – e recursos, que só serão sólidos se for realizada uma velocíssima reestruturação interna no Itamaraty. Por ‘reestruturação’, aliás, leia-se limpeza ampla, geral e irrestrita...
Não conheço pessoalmente a ministra da Cultura, Margareth Menezes. E apesar de viver no mundo das artes e da cultura há mais de cinco décadas, quase seis (sim, comecei muito jovem...), devo admitir que tampouco estive pessoalmente com nenhum de seus secretários. Tenho, porém, muito boas e sólidas expectativas com relação a dois deles, Zulu Araújo e Roberta Martins, cujo trabalho acompanhei de longe.
Todo o resto será de reconstrução muito mais custosa e, por isso mesmo, mais lenta. É preciso, em todo caso, ter confiança nessa reconstrução, e ter também paciência e compreensão.
Há um aspecto específico que deve merecer toda a nossa atenção: teremos o pior Congresso das últimais muitas décadas, coalhado de aberrações, larápios e reacionários de altíssimo calibre. E se o fujão Jair Messias perdeu força e espaço, não podemos esquecer que o bolsonarismo continua.
Com menos vigor, talvez, mas ainda assim forte e, por isso mesmo, especialmente perigoso.
Em uma de suas mais límpidas, contundentes e precisas declarações, Fabio Dino disse que sem justiça não há democracia.
Pois que se comece justamente por aí, pela justiça. E que a ela sejam levados Jair Messias, seus filhotes gatunos, seus cúmplices no Genocídio e na destruição do país.
Aí sim, será outra festa.
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