As mentiras piedosas

Estamos num ano pré-eleitoral: os gestores municipais precisam mostrar (ou convencer) a população o que fizeram ou porque não fizeram, se quiserem ser reeleitos



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Um dos maiores críticos da Cultura Ocidental, Frederico Nietzsche, disse uma vez que "as verdades" são como velhas moedas que perderam o seu valor e que se colocaram no lugar daquilo que representavam: ou seja, elas não representam mais nada, a não ser elas mesmas. Coerente em sua visão retórica do conhecimento humano, dizia o filósofo as verdades são mentiras convencionalmente aceitas pela comunidade. Um dia, alguém grita: "o rei está nu", e as mentiras estabelecidas como verdades vêm abaixo.  Os pensadores modernos foram pródigos em levantar a suspeita sobre o conhecimento. Descartes saiu-se como "o cogito". Hume pôs o fundamento da ciência e da filosofia na crença e no hábito. Kant disse que só podíamos conhecer a realidade através das nossas próprias categorias mentais. E Nietzsche deu o golpe de misericórdia na espinha dorsal da metafísica, ao dizer que tudo não passa de uma racionalização discursiva à serviço de imperativos de poder. Depois dele, veio Foucault e os pós, pós, pós-tudo.

Por que é importante a crítica de Nietzsche? – Porque, segundo ele, não se vive sem mentiras, autoenganos e ilusões. Não suportaríamos o absurdo da vida. É preciso construir fantasias e quimeras filosóficas para acalentar a nossa "vontade de verdade".  Freud denominaria isso de regressão, infantilismo, incapacidade de enfrentar, com coragem e destemor, os problemas da existência humana. Daí a necessidade das religiões, das drogas e das filosofias.

Pois bem, e os discursos da Política, dos políticos, dos partidos políticos? – Contaria, por ventura, com alguns grãos de verdade a mais do que a filosofia, a ciência e a religião? – Seria muito improvável que isso acontecesse. A propaganda política de gestores, partidos ou políticos são aquilo que se chama de "discurso estratégico", falas desprovidas de "pretensões de validade", à disposição de imperativos políticos, tão-somente.  Atos de fala sem finalidade comunicativa ou descritiva, mas acima de tudo perlucionária. Isto é, manipulatória, destinada a induzir o incauto ouvinte a aderir ao que ele não sabe, pelo efeito daquilo que é dito ou mostrado.  Efeito performático da linguagem vã e enganosa, cujo fim é vender, persuadir o outro a aceitar o comprar "o peixe" do vendedor. Seu efeito de verdade se esgota na venda, na aceitação do produto pelo ingênuo consumidor.

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Essas considerações vêm à baila em razão dos "spots" publicitários do partido que ora nos infelicita em Pernambuco e a propaganda enganosa em relação à saúde, à educação, à violência, à mobilidade, ao meio-ambiente etc. Estamos num ano pré-eleitoral: os gestores municipais precisam mostrar (ou convencer) a população o que fizeram ou porque não fizeram, se quiserem ser reeleitos. E aí o céu é o limite para a circulação daquelas velhas moedas sem valor, que Nietzsche menciona como se fossem verdades. Provavelmente os discursos mais falaciosos em circulação numa dada sociedade são esses de véspera de campanha eleitoral. Pior ainda, pago com o dinheiro do contribuinte (se não for de caixa dois). Somos obrigados a engolir pelos olhos e ouvidos a mentira mais deslavada com cara de verdade, pelos efeitos especiais do marketing político e de atores televisivos contratados a peso de ouro.

Nunca foi tão oportuna a crítica Nietzsche aos "flautis vocis", a essa melodia  enfeitiçada da propaganda eleitoral.

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