As falsificações imperialistas sobre o "terror talibã"
A propaganda mentirosa e cínica contra o Talibã revela o desespero do imperialismo após derrota no Afeganistão
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Por Juca Simonard
Edição Eduardo Afonso Vasconcelos
É nos momentos decisivos que vemos mais claramente os interesses de classe dos grupos políticos. A derrota dos Estados Unidos após 20 anos de invasão no Afeganistão é um destes momentos. Uma insurreição popular aconteceu no país, e os EUA, que não tinham mais condições materiais de se manter nesta guerra, saíram desmoralizados de lá. É um episódio a ser celebrado por qualquer um: a força mais reacionária do mundo, o imperialismo, parasita e sanguessuga de todas as nações oprimidas, foi derrotada.
Parte da esquerda, no entanto, mostrou que não tem nada a ver com a defesa dos interesses da classe operária. São “democratas” que, por vários motivos, passaram a atacar o Talibã, ou assumindo claramente a defesa dos EUA, ou tendo uma posição centrista diante dos acontecimentos — que, finalmente, é uma defesa envergonhada do imperialismo.
Um dos argumentos apresentados por essa esquerda é que o Talibã não liderou uma revolução popular que expulsou os EUA do Afeganistão. Para os defensores dessa tese, os norte-americanos permitiram a chegada do Talibã para que o grupo atacasse os vizinhos China e Irã. Essa teoria, porém, caiu por terra rapidamente com as aproximações entre o novo governo afegão com a China, o Irã e a Rússia. Da mesma forma, a tese foi afundada com os prantos do imperialismo diante do novo governo e a comemoração de grupos islâmicos de resistência contra o imperialismo, como o Hamas.
A questão da mulher
Porém, o argumento central apresentado pelos democratas pequeno-burgueses é a ideologia do Talibã, fundamentalista islâmica e profundamente contrária aos direitos democráticos das mulheres. Falam como se 20 anos de guerra que assassinou centenas de milhares de civis fosse melhor para a mulher. Como se, enquanto seu país era invadido por tropas estrangeiras, que promoveram estupros, assassinatos a sangue-frio e tortura, a mulher fosse livre ou mais próximo disso. É uma ideia absurda.
Primeiro, a destruição do país pelo imperialismo demoliu completamente as condições de vida da população. A mulher, como setor oprimido, naturalmente foi uma das mais prejudicadas. A destruição das cidades, a miséria, o desemprego e a fome, conhecidos por toda a população, obviamente foram sentidos duas vezes mais pela mulher, como é em todo país ao redor do mundo.
Segundo, durante a invasão imperialista, não houve nenhum avanço efetivo para as mulheres. A elas, foi permitido ter ensino superior. Acontece que, num país profundamente primitivo, tribal e atrasado, aqueles que conseguem estudar, principalmente no meio de uma guerra, representam um grupo extremamente minoritário e privilegiado. Para a mulher, então, nem se fale. Apenas uma parcela ridícula e altamente privilegiada pôde exercer esse direito.
Justamente por isso, através do identitarismo, o imperialismo cooptou a maior parte delas, que se tornaram colaboracionistas com a invasão estrangeira, enquanto a absurda maioria das mulheres, camponesas ou miseráveis da cidade, ficou em situação pior ao atraso anterior. Tanto é que, durante a invasão imperialista, aumentou consideravelmente a prostituição — com mulheres pobres dos entornos das imensas favelas que surgiram no entorno de Cabul a partir da guerra. A maior parte do “mercado” da prostituição abastecia a demanda das tropas invasoras, como ocorria no Vietnã na década de 1970.
Até do ponto de vista da educação não houve nenhum avanço. Como destacou o professor e tradutor Afonso Teixeira Filho em seu artigo no Diário Causa Operária, “o índice de educação do país, durante o regime do Talibã, subiu, em cinco anos, de 0,125 para 0,226. Em vinte anos de ocupação, subiu de 0,226 para 0,365. Ou seja, em cinco anos de Talibã, o índice subiu 80%; em vinte anos de ocupação, subiu apenas 60%”.
A mulher afegã — isto é, sua absoluta maioria miserável — comeu o pão que o diabo amassou com a invasão imperialista no Afeganistão. A ideia de que houve algum avanço é apenas ilusão, pois não apenas os “avanços” que houve foram superficiais, atingindo uma irrelevante minoria privilegiada, como os retrocessos que houve foram imensos e desastrosos. Em relação à mulher, o Talibã é uma cócega perto do imperialismo.
Terceiro, a “defesa da mulher” para atacar a revolução afegã é pura hipocrisia e mostra a real função do identitarismo: servir de instrumento contra-revolucionário. Essa propaganda tem origem nos EUA, sendo repetida pela imprensa brasileira e, consequentemente, pela ignorante esquerda pequeno-burguesa. No entanto, um fato ocultado nessa campanha é que os norte-americanos, “grandes defensores do direito da mulher”, são os principais patrocinadores da Arábia Saudita, a teocracia mais reacionária do Oriente Médio, onde a mulher é menos do que uma coisa — o burro vale mais.
A “democracia”
Junto com a questão da mulher, os “democratas” pró-imperialistas destacam que o Talibã não vai estabelecer uma democracia no país, mas esquecem que em nenhum governo do Oriente Médio existe a tal “democracia” (que, ao pé da letra, não existe nem mesmo nos países que defendem esse regime).
Também alegam que o Talibã é um grupo fundamentalista religioso, de islâmicos extremistas. Em contrapartida, Lênin e a Terceira Internacional defenderam incondicionalmente a luta dos povos oprimidos contra o imperialismo. Marx e Engels também. Os marxistas sempre apoiaram a luta dos povos atrasados contra a dominação imperialista, fossem eles fundamentalistas católicos (como na Irlanda), muçulmanos ou outra coisa.
Além disso, há que se pesar que o atraso ideológico do Talibã é, primeiro, consequência do profundo atraso do Afeganistão. Segundo, resultado do esmagamento do nacionalismo mais avançado do Oriente pelo imperialismo e, portanto, da desorganização política da classe operária. E terceiro, pelos erros assumidos pela esquerda na região — por exemplo, a política colaboracionista da OLP, na Palestina, que levou à superação da organização pelo Hamas, grupo fundamentalista religioso.
Humanismo dos EUA x terror talibã
É até uma discussão besta debater as melhorias empreendidas pelos EUA no Afeganistão, visto que a potência imperialista: impôs uma ditadura militar de alta vigilância e opressão contra o povo afegão durante 20 anos; financiou um regime altamente corrupto, desde as forças militares invasoras aos integrantes do governo, que desviaram recursos dos trilhões enviados pelo governo norte-americano para a guerra; e lucrou com o tráfico de ópio, que aumentou consideravelmente durante a invasão imperialista.
Diante da propagação da ideia do “terror talibã”, também é preciso discutir o “humanitarismo” dos EUA. Os “humanitários” e “democráticos” norte-americanos, além de traficar ópio e promover a prostituição, também permitiam clubes de pedofilia no país. Mas, perto das centenas de milhares de mortos e da destruição completa do país, coisas como essas são até secundárias. Contra a ideia de “invasão do Talibã”, o cineasta norte-americano Michael Moore afirmou: "nós somos os invasores".
Porém, vale destacar aqui um acontecimento específico. No momento da tomada de Cabul pelo Talibã, vários setores da esquerda, em conluio com a imprensa imperialista, mencionaram a crise humanitária no aeroporto da capital, com várias pessoas tentando fugir do Talibã. A maioria era colaboracionista, gente que atuou com os governos norte-americano e europeus contra o povo, que aproveitou a invasão para ganhar dinheiro, seja trabalhando na burocracia, seja fazendo negócios.
Essas pessoas saíram em fuga apesar de o Talibã ter entrado pacificamente em Cabul, sob amplo apoio popular, e ter avisado que não haveria vingança, como de fato não houve. Acima da vida de seus colaboradores, porém, os norte-americanos priorizaram fazer o resgate de cachorros.
“Vídeos e fotos publicados na segunda-feira — que mostraram cães sendo levados para o aeroporto de Cabul, onde foram evacuados junto com militares dos EUA — irritaram muitos em todo o mundo, que viram a aparente priorização de animais em relação aos humanos como um insulto aos muitos afegãos que tentam fugir do Talibã enquanto os EUA saem do país”, informa o portal Russia Today.
Noutras palavras, o imperialismo criou um alarde sobre o “terror talibã”, causou pânico num setor minoritário da população — visto que a maioria apoiou o Talibã com o intuito de expulsar os EUA — e deixou os afegãos colaboracionistas e amedrontados para trás. A imprensa burguesa, inclusive, divulgou vídeos de pessoas recebendo tiros no aeroporto de Cabul como sendo um dos aspectos da “crise humanitária” causada pelo Talibã, mas, na realidade, foram os próprios norte-americanos que atiraram contra os afegãos desesperados. Esse é o humanitarismo dos EUA.
Por outro lado, o Talibã tomou conta do país quase sem resistência nenhuma. Os recursos dos EUA já não eram suficientes para manter a forte ditadura dentro do país. Grande parte das forças armadas do governo afegão destituído desertou ou entrou para as fileiras do Talibã, que unificou em torno de si várias tribos diferentes do país para expulsar os norte-americanos.
Ao cercar Cabul, antes de entrar na cidade, o grupo guerrilheiro esperou o governo, isolado, aceitar um acordo para sair pacificamente e informou que não haveria retaliações contra embaixadas e afegãos colaboracionistas (estes que foram deixados para trás pelo imperialismo). Com a fuga do presidente Ashraf Ghani e a negociação com o então ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, o governo provisório do Talibã foi formado e os guerrilheiros entraram na cidade pacificamente, acolhidos pelo povo.
Apenas alguns tiros foram ouvidos, no subúrbio. Segundo o jornal francês Le Figaro, foram tiros de aviso, para restabelecer a ordem e impedir que ocorressem saques, como naturalmente ocorreria numa cidade empobrecida pela guerra na falta de um poder central.
Em grande medida, o “terror talibã” não passou de propaganda dos Estados Unidos para iniciar seus ataques contra o novo governo do Afeganistão. A verdadeira crise humanitária, foi promovida pelos norte-americanos durante os 20 anos de guerra.
Mentiras contra o Talibã
Segundo o jornalista Brian Mier, no programa Bom Dia 247 desta sexta-feira, 20, “o mundo está sendo bombardeado com propaganda de guerra de todas as grandes empresas midiáticas” contra o Talibã. Ele destacou a hipocrisia de defender os EUA quando “este ano, apenas, foram 500 crianças mortas pelo bombardeamento no Afeganistão”. As pessoas que estão apoiando a propaganda dos norte-americanos, por exemplo, “nunca falam que é preciso bombardear a Arábia Saudita para ‘salvar as mulheres’”, destacou.
“Independente do que o Talibã vai ser, é importante lembrar que mandar tropas de volta para o Afeganistão vai causar mais sofrimento para as mulheres do Afeganistão do que a situação atual”, afirmou.
Ainda, Mier ressaltou que o “caos” que ocorreu no aeroporto de Cabul e foi amplamente divulgado pela imprensa internacional e brasileira foi “orquestrado” pelos governos imperialistas. Sendo o Afeganistão um país muito pobre e destruído pela guerra, os governos dos EUA, da Inglaterra, do Canadá e de outros países do OTAN aproveitam isso e “espalham boatos que vão dar vistos para ‘x’ números de pessoas que trabalharam na coalizão [governo pró-imperialista]”.
“Imagina pousar um avião de carga gigante dos Estados Unidos em Governador Valadares [interior de Minas Gerais] e espalhar o boato de que 100 pessoas da cidade vão ter ‘green card’ dos Estados Unidos. Vai ter caos lá também”, argumentou.
Por isso, ele destacou que a catástrofe no aeroporto de Cabul, onde os norte-americanos favoreceram cachorros acima de seus capangas e atiraram nos afegãos, pode ter sido "montada para criar um espetáculo midiático para justificar mais uma ocupação militar”. “Eu não confio em nada que estou vendo na mídia hegemônica neste momento”, declarou.
“Essa crise de refugiados também é uma manobra publicitária para justificar mais um bombardeamento do Afeganistão. Antes da retirada das tropas, já haviam mais de 5 milhões de refugiados do Afeganistão”, lembrou.
O moderado Talibã
Até o momento, o que se vê é uma reação muito tranquila do Talibã. Em outras situações de guerra, o tratamento dado aos colaboracionistas e entreguistas foi muito pior. Lembrando que não é qualquer coisa, sem significado. São pessoas que colaboraram com uma invasão estrangeira que causou a morte de quase meio milhão de cidadãos, estupros e agressões generalizadas, chacinas em festas de casamento e de crianças, bombardeamentos etc.
O Talibã, no entanto, com suas limitações enquanto um movimento nacionalista e não proletário, tem mostrado que quer fazer um acordo com a burguesia local, que entregou o país para os EUA. Eles apontaram integrantes do antigo governo entreguista e pró-imperialista para cargos importantes, como o departamento de polícia de Cabul, e estão se reunindo com Rússia e China para formar um acordo com os colaboracionistas.
Casos de agressões e execuções foram registrados, o que é extremamente natural após uma guerra sangrenta. De qualquer forma, isso é muito pouco em relação ao que se passou no final de outras guerras pelo mundo — como na Revolução Cubana, na Revolução Vietnamita, na Revolução Russa, na derrota da ocupação nazista na França etc. No próprio Afeganistão, no século XIX, num processo revolucionário, o povo expulsou os ingleses e promoveu um banho de sangue gigantesco contra os responsáveis pela espoliação do país. Nada disso aconteceu com a ascensão talibã.
Na verdade, não há nenhum “terror talibã” além do mínimo que haveria normalmente numa guerra. Pelo contrário, a moderação do nacionalismo burguês afegão pode levar, no futuro, à derrota do movimento revolucionário que colocou para fora as forças estrangeiras, na medida em que vários políticos que abriram as pernas para o imperialismo continuarão atuando no país.
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