As consequências econômicas da dívida imposta aos Estados
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Meu ídolo econômico é John Maynard Keynes, embora seja fascinado também pela personalidade única de Karl Marx. Entretanto, há uma diferença fundamental entre os dois: Marx, um idealista, acreditava que a economia capitalista seria destruída por uma revolução de classe comandada pelos trabalhadores. Keynes tinha objetivos mais realistas: transformar o capitalismo numa democracia social mediante a estabilização do ciclo econômico destruidor de emprego e renda. Em sua Teoria Geral, ele demonstrou que isso seria possível mediante uma política macroeconômica anticíclica que marcou o mundo desenvolvido por décadas.
O que destruiu o sonho de Keynes foi o que chamamos de "financeirização" da economia, ou seja, a subordinação da economia e das políticas econômicas aos ditames do capital financeiro especulativo. Isso viria a acontecer a partir da escalada do fundamentalismo neoliberal de Margaret Thatcher na Inglaterra e sobretudo quando Ronald Reagan assumiu a presidência dos EUA. A palavra de ordem que se seguiu nas agências multilaterais, estrangulando também o mundo em desenvolvimento como o nosso, foi a retomada do pensamento liberal na forma extrema do neoliberalismo de F. Hayek e de Milton Friedman.
Na medida da conquista mundial pelo capital financeiro, as diferentes economias capitalistas foram sucumbindo aos ideais do Estado mínimo e da destruição do Estado social. Ficaram de fora as sábias culturais orientais da China, da Índia e mesmo do Japão, em escalas diferenciadas. A China, sobretudo, está dando ao mundo o exemplo de como é possível conciliar capitalismo, com suas vantagens inequívocas do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico e da geração de riqueza material, com finanças funcionais, ou seja, um sistema financeiro que se ligue sobretudo ao investimento produtivo real e não à papelada.
Essas reflexões me vem quando me debruço sobre a questão da dívida dos Estados federados brasileiros junto à União. Essa dívida é nula. Não obstante, está levando ao estrangulamento dos Estados. Ela é nula sob o aspecto contábil, já que sua origem foi o pagamento pela União, com títulos federais, de dívida mobiliária dos Estados junto à banca privada (PROES, 1997). Ora, o dinheiro com que a União pagou essa dívida resultou de criação de dívida equivalente na União, sob forma monetária ou de títulos públicos federais. Em uma palavra, tecnicamente, passivo de toda a cidadania, inclusive contribuintes dos Estados.
Se a União criou um passivo para pagar a dívida dos Estados, quem ficou devendo e pagou a dívida foi, na verdade, o conjunto de cidadãos brasileiros que vivem nos Estados. É a esses cidadãos estaduais que se cobrou novamente a dívida, mediante a criação de um novo passivo (a própria dívida paga), agora não sob a forma de lançamento de títulos - que quase a totalidade deles, exceto São Paulo, não pode fazer porque não tem bancos estaduais que os operem-, mas sob a forma de dinheiro vivo pago pelos contribuintes. Talvez esse raciocínio contábil lhe pareça complicado. Farei, então, o raciocínio econômico.
Quando a União cria do nada um endividamento de Estados que não existe, mesmo porque a dívida anterior era rolada e não paga, ela lhes impõe um fluxo real de pagamentos mensais e anuais que representa uma retirada líquida de recursos do Estado em favor do Governo Central.
Este último soma esses recursos a outras receitas para formar o chamado superávit primário, que é o conjunto de recursos retirados da economia para pagar parte do serviço da dívida pública. O superávit primário corresponde ao que a União, ou Governo Central, retira liquidamente da economia sem nada lhe devolver sob a forma de gastos reais. É, portanto, tremendamente contracionista, sendo fonte da depressão econômica atual.
Essa é uma forma feroz de financeirização, na medida em que, a partir de uma dívida tecnicamente zerada, criam-se outras dívidas sobre dívidas, indefinidamente, conforme bem o demonstram os cálculos implacáveis de Maria Lúcia Fatorelli. Segundo ela, no refinanciamento das dívidas estaduais em 1997, o total refinanciado foi de R$ 112,18 bilhões, dos quais R$ 61,92 bilhões de empréstimos do PROES e R$ 50,25 bilhões de dívida real dos Estados. Hoje, devido às abusivas condições financeiras exigidas pela União aos Estados, os Estados já pagaram à União R$ 277 bilhões até 2016, mas ainda devem R$ 476 bilhões. Isso, sem considerar o fato de que a maior parte da dívida é nula.
Amanhã volto ao assunto. Espero que os governadores sejam alertados por suas assessorias e consultorias para a iniquidade da situação, de forma a dar um ultimato conjunto à União não só no sentido de que os pagamentos das parcelas da dívida "nula" sejam imediatamente suspensos mas também para que se iniciem imediatas negociações para o ressarcimento do que foi pago indevidamente. Com a capacidade de financiamento a ser liberada para os Estados, condicionada a aplicação em investimentos e serviços públicos essenciais, haverá uma retomada imediata da economia brasileira. Como o Governo Central vai financiar isso? Simples. Como financia qualquer dívida: lançando títulos públicos novos no mercado, já que a própria depressão impede que isso se transforme em inflação!
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