Aristocracia contemporânea
A magistratura é o exemplo mais evidente de casta do funcionalismo público e seus privilégios, escreve Pedro Maciel
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Estou “de mal” do meu amigo Carlinhos Barreto, mas isso não nos impede de seguir a caminhar exercitando de forma definitiva nossa a amizade fraterna. Nós divergimos em algumas coisas e concordamos em outras tantas. Uma das nossas concordâncias é acerca das estruturas aristocráticas que são reproduzidas no interior das instituições e poderes da república.
A ‘sociologia das elites’ procura explicar ‘como e por que’ algumas carreiras de Estado no Brasil reproduzem em suas estruturas uma dinâmica aristocrática e elitista, incompatível com os discursos que compõem suas próprias justificativas teóricas e com os princípios democráticos que regem suas funções.
Não pretendo nesse artigo refletir sobre os chamados ‘supersalários’, o reflexo deles nas aposentadorias, a imoralidade e a hipocrisia que os sustenta, mas é necessário registrar que a pressão da burocracia estatal sobre o orçamento é enorme e negativa, conforme opinião do economista Ibre Daniel Duque da FGV.
E, ainda segundo Ibre Daniel Duque, há uma triste disparidade em termos de gasto. O número de servidores do Brasil corresponde a 12,5% da força de trabalho no país, número muito menor que a média da OCDE, que é de 21%. Por outro lado, o Brasil tem o sétimo maior gasto com funcionalismo público do mundo, ocupando 12,9%do PIB, segundo um levantamento do Tesouro Nacional.
Em 2019, segundo o governo federal, somando os três poderes, municipal - estadual e federal -, os gastos com o funcionalismo chegaram a 1 trilhão de reais, sendo que parte disso utilizado para ‘contornar’ o teto salarial do funcionalismo público.
Mas volto ao tema desse artigo.
Algumas carreiras do funcionalismo público, tornaram-se uma casta que reserva para si um espaço sociopolítico exclusivo por meio de uma série de características e disposições que compõe seu ‘habitus’ específico, fato que produz reflexos em várias quadras.
A magistratura é o exemplo mais evidente de casta do funcionalismo público e seus privilégios - tratados como ‘direitos’ -, afronta a todos que trabalham nos setores privado e público.
Vivencio as virtudes e vicissitudes do Poder Judiciário desde 1982 e a minha percepção é que o compartilhamento de espaços de socialização exclusivos entre a elite jurídica e as demais elites - política e econômica – a distância drasticamente da população e influi de modo decisivo na produção de uma prática judicial que tende a conservar as relações de poder como estabelecidas, noutras palavras: os privilégios excepcionais da magistratura tendem a produzir uma cumplicidade estrutural não só entre seus membros, mas também entre eles e as demais elites do poder, o que coloca em risco os próprios princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
Penso que o caráter aristocrático e elitista de algumas carreiras públicas, dentre elas a magistratura, é dissimulado pela racionalização e pela burocratização dos mecanismos de recrutamento, normalização e progressão na carreira.
Os privilégios e poderes dessa casta especial de funcionários públicos costumam ser justificados e normalizados pela narrativa de “mérito pessoal” e da “importância da função”, esses argumentos apenas mascaram os processos desiguais de acumulação de distintos tipos de capitais necessários para constituição de tal mérito.
A posição social e econômica privilegiada dessa casta especial de funcionários públicos tem como consequências a inegável e indesejada produção de uma similaridade de interesses entre a elite do funcionalismo público e as elites econômicas e políticas do país, além do já citado distanciamento da realidade econômica e social do cidadão comum.
No texto “Aristocracia judicial brasileira: privilégios, habitus e cumplicidade estrutural”, de Marcelo Maciel Ramos e Felipe Araújo Castro: “Se, por um lado, essa posição contraditória pode produzir uma dificuldade de compreensão e de empatia em relação às carências materiais e aos interesses dos grupos sociais menos favorecidos, por outro, ela promove um compartilhamento não só dos espaços sociais de privilégio frequentados pelas elites do poder, como uma afinidade de habitus, interesses e impulsos conservadores das estruturas de privilégio da qual se beneficiam essas elites”
Isso é trágico, pois tais contradições tendem a produzir uma circunstância de alta imoralidade e cumplicidade estruturais intraelites - jurídica, política, econômica etc. -, uso o termo “elite” como aquele grupo de indivíduos que se apropria em maior quantidade daqueles bens que são mais valorizados em seus respectivos campos de atuação.
Essas são as reflexões.
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