Argentina: uma questão de pressão
"A pressão que mais importa agora é essa: a dos preços", escreve o jornalista Eric Nepomuceno
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Por Eric Nepomuceno, para o 247
Desde os tempos em que morei em Buenos Aires (1973-1976) sempre me impressionei com a mania dos argentinos em geral e dos portenhos em particular, ou seja, os que moram nesta capital, de medir a pressão.
Você entra em qualquer farmácia e tem sempre alguém, e não necessariamente com idade acima dos 70, pedindo para medir a pressão.
Neste domingo 22 de agosto, e depois de quase três anos sem vir a Buenos Aires, voltei.
Faz, como corresponde a esta época do ano, um frio danado. Nesta segunda fui almoçar com um casal de amigos. À uma da tarde, hora combinada, espiei o termômetro: 13 graus. Imagino como será a noite…
De saída, um aviso aos navegantes: ao contrário do que dizem ou insinuam os jornais brasileiros, Buenos Aires não é, nem de longe, o paraíso dos preços baixos para quem vem do Brasil.
É verdade que cafés, bares e restaurantes, quando comparados com Rio e São Paulo, são muito baratos. E que os vinhos, então, nem se fale. Sabendo procurar, o preço é de assombrar. Um bom Trumpeter cabernet-sauvignon, por exemplo, vinho bastante bom, sai por ridículos 20 reais. Já um malbec Benjamin, razoável para o dia-a-dia, por doze.
No Rio, e em oferta, esse mesmo Benjamin sai por uns 50. E um Trumpeter por pelo menos 120.
Também baratos, comparados ao Rio, são os táxis. Se comparados a São Paulo, saem quase que de graça.
O resto, porém – todo o vasto resto – é tão caro quanto no Brasil. Roupas, por exemplo, que sempre foram muito mais baratas em Buenos Aires que no Rio, estão agora mais caras.
Tomo a liberdade de comentar que não são observações de turista. Conheço o país há mais de cinquenta anos, morei aquí, e aquí temos casa há uns dezesseis anos.
E nesses três anos que passei longe, sem voltar, várias coisas mudaram – e, pelo que vi até agora, nenhuma para melhor.
Ao longo de todo este ano, mas principamente a partir de junho, os preços, mais que se multiplicarem, explodiram. O então ministro da Economia Martín Guzman acabou caindo, e em seu lugar o presidente Alberto Fernández, cada vez mais desgastado, colocou Sergio Massa, que de liberal discreto vem se mostrando cada vez mais um liberal acelerado.
A cesta básica para uma familia considerada padrão (aquí, são o casal e dois filhos) supera, com amplíssima folga, a média salarial de mais de 40% dos trabalhadores. A inflação prevista para este agosto que acaba daqui a pouco é de 5%, com destaque – de novo – para os alimentos. Com isso, se mantém a média anual de pouco mais de 70%.
Entre desemprego direto e subemprego, o quadro na área do trabalho é mais que pesado.
Até agora, o governo de Fernández não anunciou – apesar da tremenda pressão dos sindicatos, que na Argentina são especialmene fortes, e das organizações sociais igualmente poderosas – medidas significativas para ao menos suavizar o panorama pesadíssimo contra a crescente pobreza e o palpável desamparo.
A verdade é que o atual presidente parece mais e mais, a cada dia que passa, uma figura meramente decorativa.
Que Massa, tal como havia sido possível prever, de liberal avança para se revelar neoliberal, com um olho posto nos donos do dinheiro e o outro nas eleições presidenciais do ano que vem.
E que Cristina Kirchner, a mais que poderosa vicepresidente, parece decidida a se manter de olho em tudo, agindo nos bastidores, mas sem se expor até que o panorama se torne mais claro, para o lado que for.
Sim, sim: os argentinos continuam com a mania de medir a pressão. Mas agora, não apenas nas farmácias: em supermercados, nas feiras, nas ruas. A pressão que mais importa agora é essa: a dos preços.
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