Argentina: o preâmbulo da nova mudança ministerial
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O terreno político-social, das semanas precedentes à nomeação de Sérgio Massa no super-ministério, substituindo repentinamente, a ex-ministra da economia, Silvina Batakis, era coroado de alta tensão, provocada por golpistas de mercado e vários eventos da oposição sinalizando intensões desestabilizadoras. O poder de fato, oligárquico-financeiro, vinha promovendo o “golpe de mercado” dos especuladores, a extorsão via corrida cambiária (aumento abismal do dólar ilegal em relação ao oficial, para forçar a desvalorização do peso), a alta dos preços e a inflação galopante. A mudança não expressa uma insatisfação com a competência técnica de Batakis, ou substanciais divergências econômicas, mas sim, a necessidade de aumentar a força política que abrangesse toda a Frente de Todos para, entre outras, parar o golpe, equilibrar as forças internas, e dinamizar todos os segmentos aptos a recuperar com urgência as Reservas financeiras, a produtividade, conter a inflação, os preços e instalar mecanismos de ação para uma igualdade distributiva.
O dito poder concentrado busca o caos, injeta fogo no descontento popular, enquanto a oligarquia agro-exportadora de soja, trigo e derivados, armazena milhões de toneladas em silo-bolsas, sem exportar. Sabotagem criminosa! Uma faca de dois gumes. Enquanto especulam com a subida do dólar (mais lucro), sabotam a entrada de dólares ao tesouro nacional (esvaziado pela dívida de Macri ao FMI), num momento em que a guerra requer e favorece lucros exorbitantes à exportação de cereais. O governo já anunciou um imposto pelo lucro extraordinário devido à guerra. Porém ainda não se viu o Estado acionar. São 8 empresas privadas (6 estrangeiras e 2 nacionais) que monopolizam a exportação de cereais, oleaginosas e derivados. Seria hora de recuperar o IAPI (Instituto Argentino de Promoção e Intercambio) instrumento estatal para o comércio exterior, desenvolvido por Peron desde 1946 e extinto no menemismo em 1991. Seria hora de nacionalizar o Rio Paraná como propõe Pedro Peretti, agricultor, ex-presidente da Federação Agrária Argentina. Passou a hora de estatizar a agroexportadora Vicentin.
Vários fatos agitaram o país nas últimas semanas, além de cortes de estradas de caminhoneiros e ruralistas violentos (não os sindicalizados da CGT). Outras manifestações neo-fascistas com cartazes de ameaças de morte à vice-presidenta Cristina Kirchner (no estilo do “Viva o câncer!”, contra Eva Peron); até a absurda convocação de um ex-militar de direita, Aldo Rico, à sublevação e ao golpe militar contra o governo. Amado Boudou, ex-vice-presidente de Cristina Kirchner, que esteve preso, foi vítima da perseguição do lawfare (após ter desprivatizado os fundos de aposentadoria), analisou que já está a caminho um “golpe de Estado”; e tomou como oportuna a nomeação de Sérgio Massa, apesar de algumas diferenças com o kirchnerismo.
A política deverá encarar com urgência a Reforma Judicial. Não há como promover mudanças estruturais na economia argentina, sem justiça verdadeira. Não há como esperar que a economia vai recuperar o direito à vida, à casa, ao trabalho e aos alimentos, enquanto uma líder de projetos populares como Milagro Salas continuar presa, e uma estadista como Cristina Kirchner estiver perseguida.
Cristina Kirchner, líder e estadista, vítima do lawfare, como Lula e Rafael Correa, tem alertado ao risco à democracia frente a atual situação da “Justiça”, a composição da Corte Suprema de Justiça, e do Conselho da Magistratura, com juízes colocados a dedo e por decreto de Macri, afins à oligarquia financeira. Enfim, ela denuncia a Corte de 4 juízes que não têm a ver com a que havia reestruturado Nestor Kirchner em 2003, dando à Argentina uma Justiça independente e democrática. Urge viabilizar a Reforma Judicial proposta pelo executivo; já com meia sanção do Senado, ela ampliaria o Conselho da Magistratura (1 juíza, 2 advogados, 1 acadêmico, 17 membros provenientes das Províncias e das realidades locais).
Neste vídeo, Cristina alerta para os riscos da vigência na Argentina do Partido Judicial-Midático, do lawfare; os direitos democráticos de qualquer cidadão não estão assegurados se o status quo se mantém. Esta advertência de Cristina surgiu logo após a notícia de que juízes afins ao poder real, anularam a causa contra Macri devido a espionagem ilegal sobre familiares dos 44 marinheiros, mortos no afundamento do submarino Ara San Juan. Hoje, outro promotor contesta e propõe ao juiz anular o arquivamento do processo e retomar a causa.
O ex-juiz Raúl Zaffaroni, ex-membro da Corte Suprema durante os governos de Néstor e Cristina, alerta que a “Justiça” está preparando o impedimento da candidatura de Cristina Kirchner às eleições de 2023. De fato, o macrismo voltou a reativar uma causa contra Cristina, chamada “Vialidade”, relativa à construção de rodovias em Santa Cruz, com o fim de impossibilitar sua candidatura. Com tantas causas impunes de Macri (incluindo a fuga de capital aos paraísos fiscais), Cristina Kirchner alerta sobre o caráter político da reativação desta velha causa sem provas, suspeitando que ela “já está escrita e, creio, até assinada”.
Reproduzindo o que fizeram a Globo e a Veja contra Lula, reiniciou-se o show midiático na TV contra Cristina Kirchner, com procuradores, caricaturas de Dallagnol, “sem provas, mas com convicções”, ou seja, “com consenso”. É o mesmo mecanismo da Lava Jato do Moro que impediu e levou Lula à prisão após o golpe contra Dilma Rousseff, abrindo alas à eleição de Bolsonaro. O objetivo judicial da oposição é inviabilizar uma Cristina-2023; e o midiático é desmontar já a imagem da vice-presidenta, que, no debate público do governo, preme pela radicalização das medidas de Estado contra o poder concentrado. O show midiático visa criar desconfiança e insegurança e retirar parte da base eleitoral de classe média do kirchnerismo.
De toda forma, os cálculos do partido judicial-midiático podem falhar. A montagem da causa que armaram é tão absurda e insustentável do ponto de vista judicial e pode ser um boomerang. Como disse Lula frente ao ex-juiz-politico, Moro (não imparcial, segundo conclusões do STF): “a acusação tem que ser séria, ela não pode ser especulativa”. O fato é que Lula venceu esta batalha, é candidato e deverá ser presidente! Na Argentina, se ousam tocar na Cristina, reativa-se a memória do povo, e este pode se levantar com uma energia imprevisível. Há os que não se esquecem do 17 de outubro de 1945.
Não é casual que ex-combatentes da guerra das Malvinas, junto às centrais sindicais, como CTA, CGT saíram a repudiar imediatamente o militar carapintada golpista, Aldo Rico. Deputados e parlamentares da Frente de Todos redigiram uma carta de repúdio. Trabalhadores e sindicatos (CTA, Sindicalismo Federal e caminhoneiros por um lado; CGT por outro), se mobilizaram no dia 26 de março, aos 60 anos da morte da líder Eva Peron para parar a ameaça golpista, sem deixar de cobrar medidas mais audazes do governo. Pouco se fala, mas tem havido mobilizações pela libertação de Milagro Salas; e hoje, realizou-se uma caminhada quilométrica de professores e famílias, organizada pela Suteba, exigindo que a Justiça averigue as causas da explosão e morte dos educadores, Sandra e Ruben, há 4 anos numa escola em Moreno, sob a gestão da ex-governadora macrista, Vidal.
A nomeação de Massa poderá marcar um antes e depois.
Sérgio Massa, tido como velha raposa política, tem consenso e capacidade de decisão, como presidente da Câmara de Deputados no governo de Alberto, tendo já dirigido pautas, aliadas ao kirchnerismo; uma delas, a aprovação do imposto temporário às grandes fortunas. Sendo da Frente Renovadora, ala reformista da Frente de Todos, convive com parte do poder real, mas, representa sobretudo setores médios da indústria nacional, comércio e do campo, e da classe média. Cristina Kirchner, líder de massas, conta com a outra parte da classe média, mas essencialmente dos trabalhadores e excluídos. Massa, participou dos governos kirchneristas anteriores, dissentiu (2009); chegou a acompanhar Macri a Davos (2016); e em 2019, se reaproximou do kirchnerismo e de Cristina Kirchner unindo-se à Frente de Todos na coligação de governo. Os setores empresariais nos quais se apoia Massa são nacionais, não são os mesmos do capitalismo internacional que apoiam Macri, ou o prefeito de Buenos Aires, Larreta. Trata-se de algo similar à aliança de Lula com Alckmin.
A nomeação de Massa como ministro, concentrando operativamente 3 ministérios em um só, não poderia existir sem o apoio de Cristina/Alberto. O que aparenta uma acumulação de poder político de Massa, na realidade, indica ser uma jogada política e operacional, onde a Frente de Todos fortalece a sua unidade e toma um maior volume, evitando a dispersão de forças. Há muita expectativa sobre a eleição de nomes na composição do super-ministério até 4a. feira. Até setores conservadores do poder real acalmaram a corrida cambiária, na expectativa de cooptar o novo ministro. Ao mesmo tempo, há uma sinalização, que não lhes favorece: o afastamento de Gustavo Béliz, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que, como membro do BID, atuou a favor dos EUA, freando os acordos da Argentina com a China. A maior expectativa do povo argentino não é sobre o anúncio dos nomes, mas sobre as novas medidas econômicas que deverão ser anunciadas nos próximos dias, sobretudo sobre como se freará a inflação.
A retomada do diálogo entre Cristina e Alberto; a foto da reunião de Cristina com Massa (antes dos anúncios dos novos membros e medidas de governo) dão sinais de vitalidade da Frente de Todos, e que Cristina (portadora da maior base eleitoral e social) é ainda a avalista do projeto nacional e popular, apesar das ameaças do lawfare. Só a mobilização popular poderá assegurar rumos e evitar desvios e contenções.
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