Argentina: Macri em caída livre e Cristina alargando os passos
A tradicional capacidade de mobilização do movimento operário e sindical da Argentina é um motor imprescindível com que a reeleição de Cristina deverá contar. Este primeiro de maio será precedido no dia 30 de abril por uma gigantesca greve geral unificada
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O tema dos últimos dias tem sido o fracasso e a queda desenfreada da aprovação ao governo Macri. As sondagens que dão 9 pontos a favor de Cristina Kirchner (45%) num segundo turno contra Macri (36%), são números baseados não só em opiniões, mas numa situação real de falência em todas as suas variáveis: econômica, social e política.
Crise econômica. A política econômica deste governo de “Cambiemos, essencialmente monetária, causante de uma dívida externa impagável contraída nos últimos 3 anos – 320 bilhões de dólares a fins de 2018 (86% do PBI, enquanto a fins de 2015 os governos kirchneristas haviam pago 93% da dívida); de acordos suicidas de dependência com o FMI, da fuga imparável de capitais (na bola de neve do risco país que beira 963), de juros a 70%, da alta incontrolável do dólar (subiu mais de 300% desde 2015); tudo, numa economia dolarizada, têm efeitos catastróficos imediatos sobre os serviços e produtos básicos de sobrevivência, energia, combustíveis, transportes e alimentos da população.
Torna-se esgotador reiterar e constatar a evolução destas cifras que retratam a cada mês o colapso da Argentina. Talvez fosse dispensável, para todos os que já sabem, para onde o neoliberalismo nos leva, mas dado que quem está no exterior não pode ver ao vivo esta realidade que por si só diz tudo, convém mostrar com números, a ponta deste iceberg tenebroso. A crua realidade, caminhando pelas ruas deste país, é que a cada dia se defronta com um ser taciturno, conhecido ou desconhecido, um parente, um vizinho desempregado para somar-se aos 200 mil surgidos nos últimos 3 anos; com mendigos que abundam, catadores revolvendo caixões de lixo (que, em breve, poderão ser impedidos de acessar o dejeto de sobrevivência porque o governo alegou criar um cartão eletrônico abri-lixo inteligente), refeitórios populares pró-infância repletos de pais famintos. Ou seja, Macri é o caos, como a ex-presidenta, Cristina Kirchner, caracterizou ao anunciar seu novo livro “Sinceramente”. Nada disso existia na sua gestão interrompida com o advento do neo-liberalismo do governo de “Cambiemos”.
Diante deste desastre econômico e da crise político-judicial do macrismo é que aumentam o descontento popular e as estatísticas a favor da candidatura de Cristina.
Crise no poder Judiciário. O escândalo da descoberta do esquema mafioso de espionagem jurídico-midiático-político deste governo em torno ao D’Allessiogate (envolvendo Promotores do Ministério Público, como Carlos Stornelli, juízes, serviços secretos norte-americanos, AFI – Agencia federal de inteligência–, jornalistas da mídia hegemônica e políticos do governo Macri), toma proporções inocultáveis, apesar do poderio e da contrainformação do Clarin e La Nación e TVs afins. Graças à mídia progressista dos canais de TV como C5N, que resiste a ameaças de fechamento, TVs e rádios on-line como El Destape, Am750, Rádio10, rádios comunitárias, jornais como Página12, Tempo argentino e outros sobreviventes ao ataque midiático, se abre a consciência popular e se desmontam os mecanismos do lawfare contra Cristina e o governo progressista anterior.
Graças fundamentalmente à coragem de um jovem juiz Ramos Padilla que rompeu a barreira político-judicial macrista para manter-se à guia da causa do D’Alessiogate. O processo desencadeou uma série de testemunhas do campo jurídico, advogados, ex-juízes e industriais decididos a depor pela verdade e contra tal esquema de corrupção, lavagem de dinheiro, extorsões e ameaças aos direitos humanos. Graças também à atuação política de deputados e senadores da área progressista que criaram uma Comissão Bicameral (Frente para a Vitória e Partido Justicialista) para a investigação e controle dos serviços de inteligência; e que abrem inquéritos a parlamentares e membros do executivo de “Cambiemos” comprometidos com o D’Alessiogate. Graças também a que houve expressivas mobilizações sociais e de rua em apoio à atuação do juiz Ramos Padilla. O fato é que tudo isto debilita o lawfare armador da famosa causa dos tais “Cadernos”, a “Lava Jato” argentina, e põe um freio a sua ofensiva contra a candidatura de Cristina Kirchner.
Crise política. O desconcerto interior das forças políticas de “Cambiemos” é também grande diante da derrota política que tem ocorrido nas eleições primárias em várias Províncias (Estados) do país. Nas eleições das PASOs (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), o candidato a governador da oposição unificada venceu nas Províncias de: Entre Rios, Patagônia, Rio Negro, Neuquén, San Juan e La Pampa.
A mídia nacional e a internacional noticiam a gigantesca fuga de capitais da Argentina, ontem, e a subida do dólar a quase 45 pesos argentinos, levando o risco país a 963, como temor à volta do governo kirchnerista, após as estatísticas divulgadas a favor de Cristina Kirchner. Na realidade, a interpretação dada pelas forças progressistas, é que a desconfiança ou pressão dos mercados irrompe com a declaração recente de recandidatura presidencial de Macri. Nas internas de Cambiemos há insegurança; há rumores de que outra candidatura, como a de outros governadores ou da atual, da Província de Buenos Aires, Eugenia Vidal, lhes poderia ser mais conveniente para impedir a derrota eleitoral e salvar o projeto neoliberal.
O engodo do Programa de Produtos Essenciais. Encurralado por todos estes fatores de fracasso, e a poucos meses das eleições presidenciais de outubro, Macri lança o Programa de Produtos Essenciais. Um engodo total, para maquiar sua crise, após ter esvaziado o projeto dos “Preços Cuidados” do governo anterior. Alegando “aliviar” a inflação galopante prevista de 54,7% neste ano, criou uma lista de preços a serem congelados por 6 meses (até o outubro eleitoral) de 64 artigos de supermercado (na realidade são só 16 produtos de marcas variadas); estes produtos sequer são produtos básicos de teor nutritivo, e já tiveram seus preços remarcados a mais de 30%, dois dias antes do anúncio do programa de congelamento; incluem limitadamente carne e não se incluem verduras e frutas; os produtos não chegaram ainda às prateleiras e os preços estão à mercê da subida do dólar, das tarifas de transporte que já subiram 15 vezes nos últimos 14 meses. A opção para os pobres passa a ser: ir trabalhar sem comer? Ou, comer e ir trabalhar a pé. Enquanto isso, o povo pensa: com Cristina Kirchner, a Argentina estava melhor; era, segundo a FAO, um dos 5 países que havia chegado a Fome Zero, e hoje, mesmo sendo um país pecuarista, tem o litro de leite mais caro do mundo em relação ao salário mínimo mensal; e este era acima de 500 dólares, o mais alto da América Latina; hoje beira os 300 dólares e tende a diminuir com a desvalorização do peso.
Esse congelamento irrisório de preços em nome do combate à inflação é um engodo total com fins eleitorais. Nos governos kirchneristas a inflação existia, mas bem inferior; era combatível em perspectiva, dado que era produto da insuficiência produtiva diante da demanda de um povo com maior poder salarial. No governo neoliberal monetarista de Macri, a inflação é imposta pelo preço do dólar que incide nos preços; e pelas super-tarifas de energia (“tarifaços”) e de transportes, decididas pelo governo. Detalhe: o ridículo congelamento durará somente até outubro, o mês eleitoral. Depois, se continuar o governo “Cambiemos”, a casa cai; para os que sobreviverem até aí.
E somente para encerrar com últimos números e visibilizar o drama argentino que poucos informam. Segundo a pesquisadora CEPA, as tarifas subiram de 2015-2018: Gás (3008%); Luz (2136%); Água (515%). O PBI abaixou -10%. O poder aquisitivo médio teve perda de -22%. O Salário mínimo perdeu ¼ do poder real. A perda do poder real das aposentadorias foi de -18,5%. Há três milhões de novos pobres e um milhão de novos indigentes.
Cristina alargando os passos. Mas, há uma esperança: a unidade das forças progressistas do peronismo e kirchnerismo, do radicalismo Alfonsinista (aliados à Unidade Cidadã) e dos movimentos populares por um projeto de recuperação e soberania nacional onde a autoridade social de Cristina Kirchner poderá ser decisiva. O lançamento do seu livro “Sinceramente” no dia 9 de maio na Feira Internacional do Livro em Buenos Aires poderá ser um marco de debate e articulação de forças políticas para esta contenda eleitoral decisiva que reverta o lawfare e o neoliberalismo fascista na região sul-americana.
A tradicional capacidade de mobilização do movimento operário e sindical da Argentina é um motor imprescindível com que a reeleição de Cristina deverá contar. Este primeiro de maio será precedido no dia 30 de abril por uma gigantesca greve geral unificada de todas as Centrais Sindicais e movimentos sociais, pequenos e médio empresários, contra o governo Macri, com uma nova característica: será um dia de greve com mobilizações.
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