“Argentina, 1985” e o falso conciliador ministro da Defesa de Lula

"O que se vê, agora, com a vitória de Lula, é a resistência militar, que não foi contida pelo poder civil", escreve César Fonseca

(Foto: Divulgação)


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Por César Fonseca

Os argentinos dão mais um show de bola nos brasileiros; agora, show de cultura e política; “Argentina, 1985" ganhou Globo de Ouro e coloca los hermanos na vanguarda cultural global; retrato da ditadura militar(1976-1983), que abalou a humanidade com seu horror, “Argentina, 1985”, da cineasta Katiúscia Vianna, faz paralelo inverso com a realidade brasileira nesse início de governo Lula, alvo da espada de Dâmocles autoritária, graças ao comportamento ambíguo do ministro da Defesa, Múcio Monteiro, sem pulso suficiente para enfrentar a crise militar que o novo presidente tem pela frente, estimulada pelo ex-presidente Bolsonaro que fugiu para os Estados Unidos.

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Levanta a opinião pública para o drama da América Latina, sempre o quintal americano, onde as experiências políticas de Tio Sam correm soltas sem condenações por uma institucionalidade marcada pelo alinhamento com os poderosos interesses externos do Império, na sua tarefa de impedir o avanço da liberdade na periferia capitalista em meio à barbaridade, incompatível com a democracia; afinal, sua função é e sempre foi, debaixo dos pressupostos da Doutrina Monroe, a de promover a super-concentração de riqueza e a promoção da desigualdade social; esta joga o sistema em permanente instabilidade, sujeita aos golpes sistemáticos de estado, financiados pela burguesia financeira internacional.

DEMOCRACIA X NEOLIBERAISMO

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A marca registrada do neoliberalismo argentino, no tempo da ditadura, cuja economia era comandada, implacavelmente, por Martinez de Hoz, porta-voz de Washington na terra de Maradona e Messi, era sustentar bárbaros no poder, bloqueando democracia; enquanto Hoz trabalhava incansavelmente para dirigir uma economia ultraneoliberal, impune, na tarefa de alastrar desemprego e injustiça social, os militares, na vanguarda, ostentavam a impunidade, característica do modelo neoliberal, a exemplo do que aconteceu no Brasil, nos últimos quatro anos de bolsonarismo pauloguedeseano fascista, destruidor implacável dos direitos sociais, para garantir primazia aos rentistas especuladores. 

Argentina 1985 expõe a desumanidade neoliberal que garantia a impunidade dos carniceiros, para matar os opositores do regime; trata-se da expressão da coragem extraordinária de Katiúscia de falar contra o terror; é a exposição da crueldade e dos crimes que os argentinos não deixaram ser jogados para debaixo do tapete, graças a um judiciário corajoso que, ao final, cumpriu com seu dever de fazer justiça; este impediu o que aconteceu e acontece no Brasil, ou seja, o predomínio da impunidade; que chegou ao absurdo de o presidente Bolsonaro cultuar, quando deputado, no plenário da Câmara, as barbaridades do seu ídolo, no Exército, coronel Ulstra.

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ROMPIMENTO COM COMISSÃO DA VERDADE

Tal comportamento bárbaro se estendeu no seu período, no Planalto(2018-2022), induzindo os militares à resistência a qualquer tentativa de punição do passado dos ditadores no poder, no período 1964-1984; a esquerda brasileira se mobilizou para investigações pormenorizadas, que culminaram na Comissão da Verdade; o livro que retrata os crimes dos ditadores colocou em confronto o poder civil, que reconquistou o poder, na Nova República, e o poder militar, desmoralizado pela impunidade, mas com disposição suficiente para provocar crises políticas caso fossem alvos de processos, como os que os militares sofreram na Argentina e estão, hoje, escorraçados pela consciência cidadã nacional e internacional.

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Livres da investigação e consequente condenação por falta de coragem do poder judiciário, mesmo depois da Constituição de 1988, que o fortaleceu, no contexto do poder republicano, os militares tiveram a condescendência dos juízes brasileiros que se mostraram covardes para julgar os ditadores e fixar novo modus vivendi entre poder civil e militar; mais, os militares, resistentes às determinações constitucionais, conseguiram, por meio de coações diversas, emplacar o art. 142 que, em sua ambiguidade, coloca o poder fardado como poder moderador, agora negado por Lula, depois dos crimes na Esplanada, acima dos poderes constitucionais, executivo, legislativo e judiciário.

PODER ILEGÍTIMO

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Resultado: o poder militar ditatorial escapou da punição histórica reclamada pela consciência cidadã e se arvorou na tarefa de se autoconduzir, politicamente, no cenário nacional, objetivando-se independentes na interferência ilegítima no processo político quando bem entenderem; não foram, portanto, punidos, exemplarmente, para se verem sem o poder que, autoritariamente, usurparam.

A ausência da punição exemplar, em nome de uma anistia imposta no grito, em meio à institucionalidade decorrente das eleições indiretas, que resultaram da mediação civil-militar pós ditadura, pôs, novamente, em evidência os militares nos governos da Nova República; isso se tornou possível porque o Brasil, vencida a ditadura e inaugurada a fase pós ditadura, mergulharia na crise neoliberal detonada pela imposição, à periferia capitalista, do Consenso de Washington.

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Os governos neo republicanos, econômica e financeiramente, fragilizados não tiveram força para ir em frente na reparação democrática diante dos militares desmoralizados; suportaram o status quo e empurraram a situação com a barriga, fugindo prá frente; os militares recompuseram sua força com apoio de Washington e continuaram se fortalecendo, a ponto de revivescer sua influência para derrubar o PT no poder, alinhados à burguesia neoliberal, e se constituírem em cabeça de ponte do neoliberalismo que culminou na emergência fascista bolsonarista.

RESISTÊNCIA MILITAR EM CENA NA ERA LULA 3

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Portanto, no Brasil, as condições macroeconômicas e políticas não permitiram a supremacia da verdade histórica capaz de colocar o poder militar a serviço do poder civil; o que se vê, agora, na sucessão de Bolsonaro, com a vitória de Lula, é a resistência militar, que não foi contida pelo poder civil, fragilizado na sua expressão representativa do ministro da Defesa, Múcio Monteiro; trata-se de esparadrapo político incapaz de exercitar a função para a qual se julgou preparado, a de conciliar Lula com os militares, que cruzaram os braços nas depredações dos fascistas, no coração do poder no último domingo.

Eis porque não se tornou possível, no Brasil, a produção da obra de arte Argentina, 1985, de modo a mostrar a punição dos responsáveis pela ditadura; os ditadores continuam soltos a soldo do neoliberalismo, indisposto a engolir a obra social democrata prometida por Lula na campanha eleitoral vitoriosa; resistem ao novo presidente que se opõe à impunidade e à barbárie que promovem destruição sistemática dos direitos do trabalho, enquanto é afirmada supremacia do capital espoliador, propenso a destruir a democracia, como se evidenciou no histórico dia 8 de janeiro de 2023, na Esplanada dos Ministérios.

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