Após o fiasco do autogolpe, cabe perguntar se tudo vai ficar por isso mesmo

"Depois que grandes jornais enterraram o Foda-se de Augusto Heleno que Bolsonaro apoiou, cabe perguntar o que acontece com quem conspirou contra a democracia", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Heleno manda; Bolsonaro é refém dos generais
Heleno manda; Bolsonaro é refém dos generais (Foto: Esq.: Fabio Pozzebom - ABR / Dir.: Alan Santos - PR)


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Basta ler os editoriais dos grandes jornais brasileiros de hoje para compreender por que Bolsonaro resolveu retirar-se do "Foda-se".

Ameaçando apoiar o projeto de trilhar o caminho do impeachment, cujas condições são mencionadas explicitamente em seu editorial, a Folha disse o seguinte: "Diante das demonstrações reiteradas de desprezo pela institucionalidade e de violação dos requisitos legais de honra, decoro e dignidade para o exercício da presidência, talvez apenas o medo do impeachment possa deter a perigosa aventura Bolsonaro."

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"Bolsonaro atenta contra a Constituição, " escreveu o Globo, completando com um apelo aos demais poderes que governam a República: "Cabe ao Congresso, à Justiça, ao conjunto de poderes republicanos impedir o avanço do Executivo".

Em "O presidente e os golpistas", o Estado de S. Paulo escreve que Bolsonaro "parece procurar construir um regime populista de inspiração militar, bem ao gosto dos saudosos da ditadura".

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Pela unanimidade e pelo tom vigoroso, essa reação dos mais influentes jornais brasileiros, cujas páginas expressam o pensamento daquilo que se pode identificar como elite econômica e política do país ajudaram a colocar em seu devido lugar uma manifestação caráter golpista, que pretendia emparedar um dos três poderes da República para abrir caminho ao esmagamento das instituições pela retroescavadeira do bolsonarismo e seus aliados.

Em março de 64, dois entre desses três jornais deram um apoio decisivo para o sucesso do golpe que derrubou João Goulart, abrindo uma treva de 21 anos de ditadura. Em fevereiro de 2020, em companhia da Folha, o Estado e o Globo denunciaram uma tentativa de ruptura institucional.  

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O esvaziamento da iniciativa traduz uma das características principais do governo Bolsonaro -- o voluntarismo violento  --, capaz de ignorar as condições reais da conjuntura política para tentar impor ideias e soluções de qualquer maneira. Um traço, por sinal, presente na obra de seus mestres do porão da ditadura, que tentaram impedir a democratização do país com métodos selvagens de tortura, assassinato e atentados à bomba, que Bolsonaro  jamais condenou. 

Qualquer estudioso das quarteladas sul-americanos não teria dificuldade de identificar o raciocínio por trás nos movimentos de Bolsonaro e Augusto Heleno, um dos últimos remanescentes da extrema-direita da ditadura militar ainda em atividade.

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Trata-se de uma visão puramente instrumental da democracia, a ser respeitada quando é favorável, mas jogada no lixo quando pode cobrar respeito por regras e princípios que devem valer para todos.  

Se há alguma inspiração nos movimentos de Bolsonaro-Heleno, ela deriva de uma quartelada ocorrida na Guatemala, em 1993. Querendo imitar o ditador peruano Alberto Fujimori, que dois anos antes dissolveu o Congresso  e fechou a Corte Suprema,  o presidente Jorge Serrano promoveu uma ruptura que muitos analistas anunciaram como início da "fujimorização" da América Latina.

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Enquanto o original permaneceu uma década no cargo, Serrano não durou uma semana no posto de ditador. Dissolveu o Congresso e censurou  os jornais, mas foi incapaz de resistir a uma  aliança de oposição que reuniu os principais meios de comunicação,  movimentos populares e lideranças indígenas, entre elas Rigoberta Menchú, que um ano antes recebera o Premio Nobel da Paz. Expelido do Palácio presidencial, Serrano refugiou-se na capela, onde mantem-se exilado para escapar de um processo de corrupção.

Embora Boslonaro-Serrano não tenha ido às vias de fato, é inegável que está comprometido com uma conspiração contra o Estado Democrático de Direito. E isso é ilegal, na interpretação de Celso de Mello, o mais sereno dos ministros do STF. Para ele, na gravação em que mostra apoio ao protesto contra o Congresso, Bolsonaro "demonstra uma visão indigna de quem não está altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático", concluiu, acrescentando três pontos de exclamação no fim da frase.

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Estamos de atitudes comprometedoras, que dizem respeito ao decoro e a dignidade do cargo. Mesmo aceitando a versão divulgada na manhã de ontem por Bolsonaro, dizendo que apenas havia compartilhado entre "amigos" um documento de natureza "indigna", para lembrar a nota do decano do STF, cabe lembrar a questão principal, como fez o Globo:  "o fato de a convocação das manifestações, compartilhada pelo presidente, citar Bolsonaro e também o ministro Augusto Heleno, indica alguma articulação do Planalto em favor dos autos".

Alguma  dúvida?

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